Lettry e o Carcará em dois
momentos: com o piloto que firmou o recorde brasileiro Casari (ao
volante), Anísio e Rino (no alto), e com "Marinho"
Depois do Malzoni com mecânica
DKW, Jorge trabalhou no de motor VW
Lettry e Bob Sharp, em 2004, com
capa e volantes usados pelo Carcará
Em Araxá (em cima) e Caxambu,
em 2008, os belos GTs Malzoni foram expostos em homenagens a Jorge, que
havia falecido em 16 de maio |
Em 1959, três DKW preparados por Lettry disputavam a Mil Milhas em Interlagos. Fizeram
bonito com terceiro, quarto e nono lugar. Caio Marcondes Ferreira e
Lauro Bezerra completaram 196 voltas, a apenas cinco do vencedor. Em
1961 Lettry era enviado à Auto Union, na Alemanha, para um estágio. O
departamento de competições no Brasil foi comandado por Otto Kuetner e
Miguel Crispim, mecânico de vasta experiência
e outro grande companheiro de Jorge. A equipe de pilotos era formada por
dois nomes muito afamados na época, Marinho e Bird Clemente. De volta ao
Brasil, com seus conhecimentos, Lettry ajudou a estabelecer
regras e regulamentos para as corridas nacionais. Preparou então um DKW
com teto rebaixado para melhor aerodinâmica, menor peso e motor ampliado
para 1.089 cm³, ante os 981 do original. Foram alterados cabeçote,
tempos de admissão e escapamento, ignição e carburação. O três-cilindros
em linha rendia 106 cv, o que deixou o pessoal da Auto Union orgulhoso
com o talento dos brasileiros. Tal como
Amedée Gordini e
Carlo Abarth, era considerado um
"bruxo" da mecânica.
Por causa de uma corrida no Uruguai e observando um pequeno e rápido
Panhard Dyna francês, Lettry fez um DKW com mais modificações na
carroceria, entre-eixos de 2,10 metros (contra os 2,45 originais) e
apenas duas portas. Esse "cupê", que ganhou o carinhoso apelido de
Mickey Mouse, tinha algumas peças em plástico e fibra e teve a honra de
ser experimentado pelo pentacampeão Juan
Manuel Fangio em Interlagos. Em 1963, na 12 Horas de Interlagos, na
categoria até 1.300 cm³, o primeiro lugar ficava com o trio
Clemente/Marinho/Flávio Del Mese, terceiro na geral, em concorrência
desleal contra carros mais potentes e com muitos componentes importados.
Por este motivo já passava pela cabeça de Lettry desenvolver um
esportivo com mecânica DKW, leve e com perfil aerodinâmico. Em conversas
com Marinho e Milton Masteguin, da Comercial MM, concessionária
DKW-Vemag, fizeram contato com outro ítalo-brasileiro: o desenhista e
construtor de carrocerias Rino Malzoni, que morava em Matão, SP.
Pouco tempo depois, o protótipo com estrutura de arame já rodava em
testes nas redondezas da Fazenda Chimbó de Malzoni. Criaram a Lumimari
Ltda., nome que vinha das primeiras letras dos sócios: Luiz Roberto
Alves da Costa, Milton, Marinho e Rino. A empresa, destinada
inicialmente a vender carrocerias esportivas para DKW, apresentava em
1964 o GT Malzoni, um belo cupê
que, além da competência de Rino, recebeu vários palpites importantes de
Lettry na construção da estrutura e do chassi. Com carroceria de chapa
de aço, estreou na prova I Seis Horas de Interlagos, em julho, e uma
semana depois participou da III 100 Milhas da Guanabara, chegando em
quarto. A versão definitiva impressionou pela beleza no Salão do
Automóvel de São Paulo. Ainda neste ano, Rino construiu três carrocerias
do GT Malzoni definitivo, com plástico bem fino, que foram adquiridas
pela Vemag para a construção de três carros de competição, com vistas à
temporada de 1965. Os GTs de fábrica eram preparados por Lettry e seu
fiel amigo e mecânico Crispim. O esportivo enfrentava nas pistas
nacionais o Willys Interlagos,
o Karmann-Ghia-Porsche e o
Simca Abarth. Na Mil Milhas em 1966 fez
bonito com o segundo lugar de Marinho e Eduardo Scuracchio, o terceiro
de Jan Balder e Emerson
Fittipaldi e o quarto de Norman Casari e Carlos Erimá.
Faltava a Jorge realizar outro sonho: fazer um protótipo para
estabelecer a primeira marca de velocidade brasileira e sul-americana.
Era o Carcará, que foi pilotado por Norman Casari. A mistura de talentos
na construção deu bons resultados. Após quase um ano de trabalho, o
aerodinâmico modelo de motor central-traseiro, desenhado por Anísio
Campos, foi construído por Malzoni, que usou chapas de alumínio sobre o
chassi de um Fórmula Júnior fabricado em 1962 por Toni Bianco. Era um
verdadeiro trabalho ítalo-brasileiro. Na estrada Rio-Santos, em 29 de
junho de 1966, oficializava-se junto à Confederação Brasileira de
Automobilismo a marca de 212,903 km/h (saiba
mais). Foi seu último trabalho na Vemag. Logo entrou como sócio na
Lumimari, sugerindo que a empresa mudasse a denominação para Puma
Veículos e Motores.
Em 1967, quando eram encerradas as atividades da DKW no Brasil, Lettry
já se dedicava a um novo Puma
baseado no Volkswagen, com motor traseiro arrefecido a ar. O carro, de
muito sucesso, foi exportado para vários países. Em 1973 Jorge deixava a
Puma e ia trabalhar na Brosol, empresa responsável no Brasil por
fabricar carburadores Solex e outras peças como bombas de gasolina e
óleo. Ainda nesse ano casava-se, aos 43 anos. Trabalhou em várias
empresas como a fábrica de veículos militares Engesa; a Cebem, que
vendia BMW no Brasil; e a Dacunha, que produziu o simpático jipe Jeg. Em
1978 escolheu mudar de especialidade e de estado. Foi para a bela Monte
Verde, em Minas Gerais, com a esposa e as duas filhas, e montou uma
bem-sucedida fábrica de chocolates. Vinte anos depois passou a morar em
Atibaia, SP.
Em 16 de maio de 2008, Jorge Lettry, com 78 anos de idade, faleceu
vítima de um câncer. Foi homenageado em dois importantes encontros de
automóveis antigos. Em 22 de maio em Araxá, MG, o impecável GT Malzoni
de cor branca nº 10 foi destaque no Brazil Classics Fiat Show. Em
novembro, no VI Encontro Blue Cloud, dedicado aos DKWs e seus
descendentes, houve uma bela homenagem ao chefe do departamento de
competições da Vemag, figura presente a várias edições do evento.
Participaram pilotos da época de ouro do automobilismo nacional, como
Marinho, Bird e Balder, além do mecânico-chefe Crispim. Um exemplo para
a indústria e para o automobilismo nacional, Lettry sempre será lembrado
quando um motor a dois tempos fizer pipocar um coração.
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