Ferry com
10 anos num Austro-Daimler, ao lado do pai em 1934 e em 1950 com os
filhos Butzi, Wolfgang e Hans-Peter (a partir da esquerda)
Ao volante do protótipo V2 do
Volkswagen, quando comandava testes; embaixo o projeto Tipo 360 para a
Cisitalia, que o Professor aprovaria |
Por trás da história de um dos principais fabricantes do carros esporte
do mundo — a Porsche — está a trajetória de uma família com "gasolina
nas veias", que viu transmitido de pai para filho o entusiasmo pela
engenharia e por grandes automóveis. O que começou com o Professor
Ferdinand Porsche (1875-1951) teve seguimento em seu filho Ferdinand
Anton Ernst Porsche, também conhecido como Ferry Porsche.
Ferry nasceu em 19 de setembro de 1909 em Wiener Neustadt, na antiga
Áustria-Hungria. Naquele dia seu pai, então projetista chefe da
Austro-Daimler (subsidiária local da Daimler alemã), estava competindo
em Semmering, na Áustria com o carro esporte Maja projetado por ele
mesmo. Após vencer em sua categoria, o pai Ferdinand soube por telegrama
do nascimento do segundo filho, que vinha acompanhar Louise Piëch, de
cinco anos. O nome de Ferry homenageava, além do pai, o avô Anton e o
tio materno Ernst. O apelido ele ganhou ainda na infância. Também foi
cedo que Ferry envolveu-se com automóveis e sua engenharia. No Natal de
1919 ganhou um pequeno carro de dois lugares desenhado pelo pai e,
aparentemente, tracionado por uma cabra. De repente descobriu a verdade:
havia dentro do Ziegenbockwagen (algo como "cabramóvel") um motor de
dois cilindros e 6 cv, que levava o garoto a até 60 km/h pelas ruas da
cidade austríaca de Wiener Neustadt. "A polícia olhava para outro lado
toda vez que eu vinha pela estrada, devido à posição do meu pai", ele
contaria mais tarde.
Aos 12 já experimentava um carro de corridas, o Sascha da Austro-Daimler,
vencedor da prova italiana Targa Florio, com motor de 45 cv e máxima de
145 km/h. Viajava com o pai pela Europa e até os Estados Unidos para as
provas e aprendia muito sobre mecânica. Estudou em Wiener Neustadt e em
Stuttgart, na Alemanha, para onde a família se mudou em 1923 para que o
pai trabalhasse no centro de desenvolvimento da Daimler. Enquanto o
Professor se tornava diretor técnico, Ferry o acompanhava com interesse.
Com 16 anos, em 1925, recebia uma permissão especial para dirigir e já
podia ser visto ao volante de carros potentes, como o
Mercedes-Benz SSK
e os protótipos que o pai trazia para casa. Três anos depois concluía os
estudos e passava a trabalhar na Bosch. Já com habilitação normal,
variava seu gosto pelos motores ao pilotar a moto BMW de 500 cm³.
Quando a Daimler dispensou o trabalho de Ferdinand, no ano seguinte, ele
e o filho decidiram abrir o próprio negócio. Aliados a outros
engenheiros de grande talento, fundavam em abril de 1931 a empresa de
projetos automobilísticos "Dr. Ing. h.c. F. Porsche GmbH
Konstructionsbüro für Motoren und Fahrzeugbau", nome que explicava sua
especialização em consultoria e construção de motores e automóveis.
Prestaram serviços para fabricantes como Horch e Wanderer, Auto Union
(grupo que uniu aquelas duas marcas, a DKW e a Audi em 1932), Zündapp e
Zwickau e realizaram projetos ainda hoje famosos, como os carros de
competição "Flechas de Prata" da
Auto Union, com motor central de 16 cilindros e carroceria de alumínio.
O projeto da barra de torção, de 1931, é uma patente da empresa.
Ferry cuidava de diversos departamentos na firma, com tarefas como
coordenar os engenheiros de projetos, comandar os testes e manter o
relacionamento com os clientes. Em julho de 1934 a empresa passava a
trabalhar para o governo nazista no desenvolvimento do "carro do povo"
desejado por Adolf Hitler — o
Volkswagen —, projeto que havia sido apoiado pela Zündapp até então.
Ferry comandava os testes de estrada, que chegaram a cobrir 50 mil
quilômetros com cada protótipo em uma rotina que não poupava os
domingos. Seu talento ao pilotar um carro de corridas deixou o pai
apreensivo. Com receio de que o filho decidisse seguir tal carreira e
deixasse de lado seu promissor futuro na engenharia, Ferdinand lhe
disse: "Eu tenho muitos pilotos de corrida, mas apenas um filho!". E foi
atendido — mas Ferry pilotou em ralis ao lado de lendas como Bernd
Rosemeyer e Hans Stuck.
Em 1935 casava-se com Dorothea Reitz, matrimônio que se manteria até o
falecimento dela, 50 anos depois. Tiveram quatro filhos: Ferdinand
Alexander (apelidado de Butzi) em 1935, Gerhard em 1938, Hans-Peter em
1940 e Wolfgang em 1943. Com a transferência do pai para a fábrica da
Volkswagen em Wolfsburg, em 1938, Ferry assumiu o comando da empresa
familiar e mudou o departamento de projetos para o distrito de
Zuffenhausen, em Stuttgart. O terreno havia sido comprado no ano
anterior, sem que ele imaginasse que ali seria erguida a principal
unidade da Porsche até os dias de hoje.
Continua
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