Um 202 está no Museu de Arte Moderna de Nova York: pela primeira vez, o reconhecimento a um desenho de automóvel como obra de arte

O cupê abria-se ao sol na versão Cabriolet, não menos atraente; sua carroceria empregava painéis de alumínio, como no modelo original

O 202 CMM, para Coupe Mille Miglia, ganhava aletas nos paralamas; sua versão aberta SMM foi apelidada de Nuvolari em alusão ao piloto

Capô, habitáculo, paralamas e faróis eram partes de linhas suaves, fluidas e arredondadas. Suas chapas de alumínio eram montadas em uma estrutura de aço. Destaque eram os paralamas embutidos nas laterais, solução tão atípica que só o minicarro alemão Hanomag 2/10 de 1925 serve como referência anterior. Além dos paralamas, que pareciam formar duas ondas, impressionava o capô mais baixo que as laterais, o oposto da tradição. O cárter seco facilitou essa característica. A grade era convexa tanto no plano horizontal quanto no vertical. A generosa frente e o teto baixo, com parabrisa bipartido e pequena janela traseira, sugeriam um porte atlético.

O formato fastback arrematava o conjunto, também contribuindo para uma sensação de velocidade. Curta, ela se encerrava abaixo do nível dos paralamas e guardava uma surpresa: entre as lanternas ovaladas, o suporte de placa revelava a portinhola de acesso ao estepe. O desenho inspiraria carros como Fiat 8V, Ferrari 250 e Maserati A6. No painel, velocímetro e contagiros circulares e grandes eram os principais elementos atrás do volante. Artesanalmente, os painéis de alumínio da carroceria eram talhados em formas de madeira, um processo demorado. A apresentação do 202 se deu no Villa d'Este Gold Cup em Como, Itália; no Grande Prêmio do mesmo país; na Mostra de Carrocerias da Triennale de Milão e no Salão de Paris de 1947. Onde quer que o 202 Gran Sport fosse levado, seu estilo causava sensação. Entretanto, Dusio e sua equipe sabiam que o verdadeiro palco de um GT eram as corridas.

A produção artesanal permitia várias alterações no projeto. Para a Mille Miglia daquele ano a Cisitalia preparou o 202 CMM (Coupe Mille Miglia), projeto de Vignale no Stabilimento Farina na esteira de sucessos com modelos de corrida da marca desde o ano anterior, em especial nas mãos de Nuvolari. Savonuzzi criou também uma versão aberta de corrida, o 202 SMM (Spider Mille Miglia), com pequenos defletores de ar que faziam a função do parabrisa, além de saias e barbatanas traseiras. O 202 SMM ficaria conhecido como 202 MM Nuvolari — homenagem ao popular piloto, que liderou boa parte da prova até chegar em segundo lugar por dificuldades causadas pela chuva. Ficou atrás apenas de um Alfa Romeo 8C 2900, mas liderou sua classe. Os Cisitalias também conquistaram o terceiro e o quarto lugares. Cerca de 20 outros exemplares teriam configuração parecida à do 202 SMM. A versão de rua também se abriria ao sol: o 202 SC, obra da Vignale.

Para um carro com motor de 1,1 litro, porém, o preço era exorbitante. Pela metade do valor de um 202 conversível se podia levar um Jaguar XK 120, capaz de 192 km/h. Por bem menos que o preço do cupê levava-se um Porsche 356. Sem desempenho à altura de seu preço, o Cisitalia 202 vendia a contagotas. O projeto de um carro de corrida com motor central de 450 cv e tração integral, executado por Ferry Porsche, ajudou a drenar mais recursos até que em 1949 eles se esgotaram. Dusio transferiu as operações para a Argentina, onde produziu carros de menor apelo. Sob comando de uma curadoria, a marca operou com carrocerias especiais até 1965. Dos 170 Cisitalias 202 Gran Sport produzidos até 1952, só 17 eram conversíveis. Desse ano até 1955, o 202D desenvolvido por Savonuzzi renderia meras cinco unidades. Com motor de origem náutica e 2.772 cm³, produzia 160 cv ou 20 a mais na versão de corrida. A suspensão dianteira era independente e havia discos de freio nas quatro rodas. Dois dos carros eram abertos. Dusio o usou na Mille Miglia, mas uma falha de embreagem impediu que terminasse.
 
Do Museu de Arte Moderna de Nova York veio a maior homenagem ao 202. Na exposição Eight Automobiles (oito automóveis) de 1951, sobre desenho automotivo, um Gran Sport brilhou ao lado de Mercedes-Benz SS, Bentley, Talbot-Lago Teardrop cupê e Cord 812, entre outros. Identificado como Running Sculpture (escultura móvel), ele permanece lá. Pela primeira vez, e de forma merecida, um carro entrou para um acervo de museu como obra de arte.

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