Os japoneses aplicaram técnica e conforto de automóvel ao pequeno jipe, que se tornou um amplo utilitário
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Quando se constata a transformação por que os utilitários esporte passaram nas últimas décadas — de rudes peruas derivadas de picapes a modelos tão seguros e confortáveis quanto muitos automóveis —, é inevitável atribuir parte do mérito a um Toyota que nasceu compacto, mas cresceu e ganhou o mundo: o RAV4, lançado há 25 anos.
O RAV4 (sigla para Recreational Active Vehicle with Four-wheel drive, ou veículo de recreação com tração nas quatro rodas) começou a nascer no Salão de Tóquio de 1989, quando o conceito RAV Four foi apresentado. Era um jipinho de frente assimétrica, com a grade deslocada ao lado esquerdo, faróis circulares e frisos laterais que simulavam a forma de tubos horizontais. De seu estilo, apenas o último item podia ser reconhecido — mas disfarçado — nas molduras plásticas do RAV4 de produção, revelado em maio de 1994.
Com apenas três portas, o novo Toyota era simpático, dono de linhas suaves e arredondadas e vidros amplos como em todo carro japonês de sua época. Parecia mais uma alternativa a modelos como Suzuki Escudo/Vitara e Kia Sportage, mas havia algo especial nele: em vez da tradicional construção de carroceria sobre chassi, do eixo traseiro rígido e da tração temporária nas quatro rodas, a marca havia usado um monobloco típico de automóvel, sofisticada suspensão traseira independente por braços sobrepostos e tração integral permanente. Pequeno, ele media 3,74 metros de comprimento e 2,20 m entre eixos.
Pouco do conceito de 1989 (esquerda) foi aproveitado no RAV4 de produção, em 1994; versões com capota de lona, de cinco portas e elétrica (EV) vinham depois
O motor cedido pelo sedã Corona era um 2,0-litros a gasolina com quatro válvulas por cilindro, potência de 128 cv e torque de 18,2 m.kgf. A tração usava diferencial central de acoplamento viscoso, de modo a manter os dois eixos tracionando todo o tempo, mesmo em curvas sobre piso aderente. A linha crescia em 1996 com a versão de cinco portas, alongada em 19 cm entre eixos e 42 cm no comprimento, o que ampliava o espaço para os passageiros e a bagagem — este de 175 para 409 litros. Surgia também a opção de transmissão automática de quatro marchas.
Dois anos depois aparecia o RAV4 com capota de lona, descontraído, mas que não atraiu compradores suficientes para resistir à mudança de geração. Houve também a versão elétrica, feita entre 1997 e 2003 em pequena produção apenas para o estado da Califórnia, nos Estados Unidos — que na época impôs um programa ousado de restrição a motores a combustão, depois abandonado. Uma potente versão de 2,0 litros e 179 cv foi oferecida no Japão.
“Nada de pesados eixos rígidos, motor amarrado ou tração integral de uso limitado”, elogiava o Best Cars na primeira avaliação, em 1999. “Moderno e potente, o 2,0-litros é suave, silencioso e oferece boas respostas em regime mais baixo. A Toyota não previu caixa de redução — há apenas bloqueio do diferencial por botão, que pode ajudar em atoleiros. Mas no asfalto o RAV4 impressiona bem, aliando um rodar macio a comportamento dinâmico correto. Ele vem bem equipado e traz pacote de segurança importante. Só não é barato, mas tem tudo para agradar”.
O desenho ficava mais atraente na segunda geração, em 2000; ele vinha com banco traseiro corrediço, motor de até 150 cv e opção turbodiesel
Quando a segunda geração do RAV4 foi lançada, em julho de 2000, o mercado já contava com vários concorrentes que seguiram sua fórmula, como Honda CR-V, Ford Escape e Land Rover Freelander. Para se manter competitivo o Toyota ganhava linhas modernas e mais atraentes, com frente que lembrava a do grande SUV Land Cruiser e marcantes vincos laterais. Dessa vez, 70% dos componentes eram exclusivos do modelo.
Havia algo especial no primeiro RAV4: monobloco típico de automóvel, sofisticada suspensão traseira independente e tração integral permanente
Ele estava maior (4,19 m com cinco portas, 3,86 m com três), mais espaçoso, silencioso e com maior rigidez estrutural. O banco traseiro podia deslizar ou ser removido e havia bolsas infláveis laterais. Oferecia motores de 1,8 litro/125 cv e 2,0 litros/150 cv, com tração integral no segundo. No ano seguinte vinha um turbodiesel de 2,0 litros e 116 cv. “O RAV4 parece um pequeno BMW X5, com formas mais sofisticadas. Ele responde rápido nas acelerações, com um som de motor agradável, e tem um chassi muito equilibrado”, observou nos EUA a revista Car and Driver.
O Best Cars comparou-o ao Chevrolet Tracker e evidenciou as diferentes propostas: “O interior do Toyota é mais moderno e inspirado. Grande sacada é o banco traseiro que, além de reclinável como no GM, pode ter o assento ajustado no sentido longitudinal, permitindo optar entre mais espaço para passageiros ou bagagem. Apesar da enorme vantagem em potência, o RAV4 perde em torque. O Toyota é superior na suspensão traseira independente, que contribui em muito para um rodar mais suave e confortável”. Evoluções no modelo 2004 incluíam controle eletrônico de estabilidade, em alguns mercados, e a opção de motor 2,4-litros de 160 cv nos EUA.
O terceiro RAV4 oferecia dois tamanhos com cinco portas, um deles com sete lugares, e podia ter motor V6 de 272 cv nos EUA; à direita, o elétrico EV
Com o terceiro modelo, em setembro de 2005, o RAV4 ganhava desenho mais robusto e imponente, opção de sete lugares e carroceria maior em 14 cm, com 4,62 metros de comprimento, para os EUA e a Austrália. Uma versão menor, com 4,40 m e cinco lugares, atendia a Europa e Japão, mas a de três portas desaparecia. O modelo longo aparecia aos japoneses com outro nome: Vanguard. Pela primeira vez, alguns países podiam tê-lo sem o estepe na traseira. A versão de topo RAV4 X vinha com ajuste elétrico dos bancos dianteiros, rodas de 18 pol, pneus que rodavam mesmo vazios e opções de navegador e teto solar.
Com nova plataforma, exclusiva na marca, ele oferecia na Europa motores 2,0-litros a gasolina com 152 cv e 2,2 turbodiesel com 136 ou 177 cv. Os EUA o recebiam com um 2,4 de 166 cv e um potente V6 de 3,5 litros e 272 cv, o mesmo do Camry, apto a 0-100 km/h em cerca de 6,5 segundos. Inéditos no SUV eram tração integral temporária, para menor consumo em boas condições de aderência, e bolsas infláveis de cortina e para os joelhos do motorista. Se os anteriores eram fabricados apenas no Japão, esse modelo ganhou produção no Canadá e na China.
A Car and Driver comparou a versão 2,4 a oito SUVs, incluindo Ford Escape, Honda CR-V, Hyundai Tucson e Mitsubishi Outlander, e lhe deu a vitória: “É uma grande combinação de estrutura, trem de força, comportamento em estrada e praticidade. Os bancos são confortáveis por horas. O de trás, como no Honda, é o melhor do grupo. O consumo superou qualquer outro. Quer uma terceira fila de bancos? A Toyota oferece. Ele se comporta em curvas com competência, como um carro, e a direção tem uma precisão inesperada no segmento”.
Porta traseira aberta para cima sem estepe, oito bolsas infláveis, transmissão CVT e versão híbrida (à direita): novidades da quarta geração do Toyota em 2013
O RAV4 ganhava em 2010 retoques de estilo — grade, faróis, lanternas, para-choques — e opções de bancos com couro e camurça sintética, chave presencial e câmera traseira de manobras. O motor 2,4 dos EUA passava a ter 181 cv e o 2,2 turbodiesel básico chegava a 150 cv. O 2,0 a gasolina trazia opção de caixa de variação contínua (CVT) com simulação de sete marchas. Um novo elétrico chegava em 2012: o EV, desenvolvido em cooperação com a Tesla, com motor de 156 cv, baterias de íon de lítio e autonomia de 180 km.
Na linha 2013, porém, o RAV4 já era outro. A quarta geração estreava com jeito mais urbano, a ponto de abandonar a porta traseira de articulação lateral em favor de uma presa por cima — com isso o estepe, antes externo, passava para sob o compartimento de bagagem. Havia novos recursos de segurança, como oito bolsas infláveis de série e monitor de veículos em ponto cego, e comodidades como câmera traseira para manobras, ar-condicionado de duas zonas e levantamento elétrico da tampa traseira.
O SUV crescia para 4,66 m de comprimento e 2,66 m entre eixos em todos os mercados (o Japão, porém, manteve o modelo curto anterior por mais três anos). Como o motor V6 saía de oferta, restavam um 2,5-litros de 179 cv nos EUA, com caixa automática de seis marchas, e em outros países o 2,0-litros de 145 cv com CVT e simulação de sete marchas. Versões turbodiesel eram 2,0 de 124 cv e 2,2 de 150 cv. A tração distribuía o torque entre os eixos sob demanda, com controle eletrônico, e um bloqueio fixava a divisão em 50:50. Opção inédita era o híbrido, com motor 2,5 a gasolina associado a um elétrico (197 cv combinados) e aterias de hidreto metálico de níquel, com tração dianteira ou integral e modo elétrico para pequenos trajetos.
A mais nova geração do RAV4 estreou em 2018 com dois modelos de frente, mais assistências ao motorista e conjunto híbrido de 222 cv
O teste do Best Cars fez ressalvas à versão de 2,0 litros: “No interior espaçoso e de bancos confortáveis, acabamento e conteúdo não são compatíveis com o preço. O motor de 145 cv faz boa parceria com a eficiente caixa CVT: apesar da 1,5 tonelada e das dimensões, o desempenho do RAV4 é convincente. Em atuação automática, o câmbio supre bem melhor as necessidades do motor que o antigo automático de quatro marchas. A Toyota anuncia que ajustou a suspensão para o Brasil, mas seu conforto é comprometido pela carga excessiva dos amortecedores e a má absorção de impactos. É um típico SUV em seu jeito de rodar, sem a sensação de automóvel de duas gerações atrás”.
Depois de leve reforma visual em 2016, a quinta geração aparecia em março de 2018 com estilo anguloso, que lembrava o do conceito FT-AC e podia ter dois modelos de dianteira. Novidades no interior eram a central de áudio com tela de 8 pol, carregador de celular por indução, detecção de pedestre com frenagem autônoma, controlador de distância à frente e assistente de faixa. Com a plataforma TNGA (Toyota New Global Architecture) que serve a Prius, Camry e C-HR, o RAV4 estava maior entre eixos (2,69 m) e media 4,60 m de comprimento.
Sob o capô, nada de turbo, mas um aspirado de 2,5 litros em duas versões: com 203 cv e caixa automática de oito marchas ou, no caso do híbrido, com 222 cv (potência combinada com os dois motores elétricos) e CVT. No Japão havia também um 2,0-litros de 171 cv com CVT, mas não opção turbodiesel. A produção nos EUA está prevista para 2020.
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