Por que a Fórmula 1 utiliza motores com cilindrada menor, como os atuais 1.6, em vez de um motor grande como o 6.3 que a Ferrari usa em carros de rua? E como um motor de F-1 alcança 15.000 rpm?
Felipe Nunes – São Gabriel, RS
Os motores atuais de Fórmula 1 possuem cilindrada de 1,6 litro por força do regulamento, que — como em toda corrida de automóveis — determina as características dos carros e seus motores. Desde 1947 essas regras já previram limites variados de cilindros (seis, oito, 10 e 12), cilindrada (1,5, 1,6, 2,4, 2,5, 3,0, 3,5 e 4,5 litros) e rotação máxima (15.000, 18.000 e 19.000 rpm, mas até 2006 foi ilimitada), assim como diferentes pressões máximas de superalimentação, isso quando não impuseram aspiração natural.
Grosso modo, o objetivo de estabelecer uma cilindrada tão baixa é limitar a potência em prol da segurança e da competitividade. Segurança, sim: não é demais lembrar que na década de 1980 o Grupo B do Campeonato Mundial de Rali teve carros de mais de 500 cv, até que graves acidentes levaram ao banimento da categoria. Hoje há competições em que, além de restringir a cilindrada, instala-se uma seção de duto de diâmetro reduzido na admissão do motor, em geral logo após o filtro de ar (quando houver), em forma de venturi.
Motor Renault de Fórmula 1: limite de cilindrada, que já variou muito, hoje é de 1,6 litro
O intuito é restringir a vazão máxima de ar que o motor possa admitir, pois a velocidade máxima em um duto (ou seção mais estreita do venturi) será Mach 1, a mesma do som. Portanto, como se tem certo diâmetro, tem-se uma vazão máxima. Só se consegue aumentar a vazão nessa situação pelo aumento da pressão do ar, que eleva sua densidade e, em consequência, a vazão. Como se instala a restrição na entrada da admissão — antes do turbo, quando houver —, essa pressão não pode ser elevada e, assim, limita-se quanto de ar entrará no motor.
Voltando à F-1, uma das estratégias para controlar a potência nos tempos recentes foi a redução de cilindrada. No passado recorreu-se também à limitação da pressão de turbo na admissão, até chegar a um ponto em que os motores turbo produziam tanta potência que foram banidos. Depois deles, as rotações de trabalho aumentaram cada vez mais e em consequência a potência. Motores que giravam a 18.000 rpm conseguiam, só por essa rotação, produzir em teoria três vezes a potência de um motor que chegasse a 6.000 rpm com o mesmo torque.
A capacidade de rotação tem suas limitações, é claro. Convencionou-se que a velocidade média do pistão não deve ultrapassar 20 metros por segundo devido aos esforços mecânicos. Um curso do virabrequim bem curto resulta em velocidade média menor, de modo que o motor consegue alcançar rotações muito altas. Contudo, avanços no desenvolvimento de motores fizeram quebrar as antigas barreiras para obter cada vez mais potência. Outra estratégia foi determinar que o motor tivesse vida útil mais longa. Por meio de cálculos de fadiga, consegue-se chegar à vida útil em certa condição de carga e temperatura: para obter vida mais longa, precisa-se de cargas e temperaturas menores.
Nos últimos anos a Fórmula 1 tentou aproximar-se mais da realidade e das tendências dos motores de rua, seja pelo retorno do turbo, seja pela adoção de um sistema híbrido em conjunto com o motor. Reduziu-se então a cilindrada para 1,6 litro e foi proposta a configuração de quatro cilindros em linha, mais parecida com a do mundo comercial. Contudo, várias equipes foram contra, uma vez que o bloco de cilindros em “V” permite que o motor se torne parte estrutural do carro, fixando elementos de suspensão.
Em vez de limitar a pressão de turbo, limitou-se dessa vez a vazão de combustível a 100 kg por hora. Medida coerente, pois o importante não é a pressão de superalimentação, mas a vazão de ar na admissão. Um cabeçote com grandes restrições, mesmo usando uma pressão alta, pode não conseguir fluir a mesma quantidade de ar para os cilindros que um cabeçote de baixa restrição e com pressão menor.
Além disso, há restrição nas especificações técnicas da gasolina, mas não do óleo lubrificante. Assim, libera-se que as equipes usem aditivos no óleo para aumentar o poder de queima do combustível, com alto consumo de óleo do motor. Vale lembrar que motores de F-1 têm tolerâncias tão pequenas e precisas que impedem a partida a frio: é preciso circular óleo e liquido de arrefecimento em temperaturas de trabalho para acionar o motor.
O sistema híbrido de um motor atual da Fórmula 1 em quatro condições; observe o uso de acelerador (throttle) e freios (brake) e o fluxo de energia para a bateria e saindo dela
Quanto à rotação máxima, poucas equipes chegam ao limite do regulamento (15.000 rpm), sendo comum entre 11.000 e 12.000 rpm. Afinal, quanto maior rotação, maior o consumo de combustível — e chegar ao equilíbrio entre potência e consumo é crucial. Até arriscaríamos uma teoria: em um dia frio elas podem trabalhar com rotação menor e maior pressão de turbo, com o que se obtém mais torque para mesma potência, gastando menos combustível. Já em dia quente, o excesso de pressão e temperatura pode aumentar o risco de detonação, o que levaria a atrasar avanço e com isso perder em consumo e potência: nesse caso, a opção por mais rotações e menor pressão é interessante. Mas são segredos tão bem guardados que seria impossível confirmar tais estratégias.
Portanto, a Fórmula 1 moderna ajustou os motores e carros para maior eficiência energética: quem conseguir mais potência com aquela quantidade de combustível sai em vantagem. O sistema de auxílio (que em geral usa motor elétrico) segue princípio parecido com o dos veículos híbridos de rua: durante a frenagem, o motor torna-se um gerador que carrega as baterias. A energia acumulada pode então ser usada para obter potência adicional durante uma ultrapassagem.
Além disso, o turbo tem motor e gerador elétrico, que acelera o turbo durante uma retomada (para minimizar o retardo de sua atuação, turbo lag). Ele também capta uma energia que seria jogada para a atmosfera em forma de calor, pressão e vazão pelos gases de escapamento e a converte em energia elétrica durante o período de aceleração e velocidade constante. No fim, quem conseguir gerenciar melhor esse balanço energético terá o carro mais veloz.
Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: divulgação