É possível observar o rápido desenvolvimento de motores elétricos superpotentes, acima de 1.000 cv, nos últimos anos em comparação aos motores movidos a combustão. Quais características deste tipo de motor possibilitam o alcance de tanta potência? O Best Cars é leitura obrigatória para os fãs de carros.
Claudio Bueno – Curitiba, PR
O avanço dos veículos elétricos causa incômodo aos amantes dos motores de combustão interna — caso deste consultor —, mas não é de hoje que essa forma de propulsão tenta conquistar mercado. Era totalmente elétrico o primeiro veículo fabricado em série, o Baker, em 1899, feito à razão de 50 carros por dia (a Ford foi o terceiro fabricante a produzir em série, mas por suas melhorias ao sistema revolucionou o mercado). O pioneiro tinha como mote “sem problemas para partir, limpo e sem odor”, lembrando que dar partida ao motor a combustão, na época, implicava girar uma manivela na frente do carro. A partida elétrica viria apenas em 1912 pela Cadillac.
O maior problema dos elétricos da época permanece até hoje: as baterias tornavam o veículo caro, sobretudo depois do surgimento do Ford Modelo T, que fez o carro mudar de brinquedo de rico para um bem necessário e acessível a todas as classes sociais. Desde então, por diversas vezes se tentou produzir veículos elétricos (veja alguns), até mesmo no Brasil por meio da Gurgel, mas sempre se esbarrou em limitações como autonomia e tempo de recarga das baterias, custo de fabricação e potência limitada.
Dessa vez, porém, parece que empresas como a Tesla vieram para quebrar barreiras — que muitas vezes são mais políticas que técnicas. Vieram dela propostas como pontos de abastecimentos “rápidos” (15 minutos para 80% de recarga na bateria), em rodovias ao longo dos Estados Unidos, e telhados captadores de energia elétrica para que a pessoa possa carregar a bateria de seu carro sem gastos com energia elétrica da rede. Além disso, a Tesla bateu na tecla de que carro elétrico não tem de ser lento nem sem graça, e demonstrou isso com carros extremamente rápidos.
O Tesla Model S, que acelera de 0 a 100 km/h em 2,1 segundos na versão de topo, prova que carros elétricos podem entusiasmar pelo desempenho
Qual o segredo? Não está nos motores em si, que pouco diferem dos que temos em máquinas de lavar. Motores elétricos sem escovas são simples na construção e bem mais eficientes, chegando a 92% de pico. E fazer um motor desses com elevada potência não requer nenhum segredo: vide os ônibus elétricos que rodam em cidades como São Paulo. São bastante ágeis e fornecem tanto torque em zero rpm que se impõe uma progressão em sua entrega: em caso contrário, seriam capazes de sair com os pneus destracionando.
Contudo, para os ônibus a energia elétrica é oriunda de cabos que correm por cima da rua, o que torna a fonte de energia “ilimitada”. Já em veículos com baterias, não apenas se limita sua autonomia, mas como também o fluxo máximo de energia que pode entrar nas baterias (o que afeta o tempo de recarga) e sair delas (com reflexo na potência máxima produzida pelo motor). O motivo está no fato de aquecermos as baterias toda vez que o fluxo energético cresce.
Para ter uma noção, basta notar que nossos celulares ficam “mornos” ao carregarmos a bateria na tomada, sendo que a potência de recarga fica entre 5 e 10 W. Imagine no caso das baterias do Tesla Model S, que chega a produzir no motor mais de 300.000 W ou mais de 400 cv. Essa elevação da temperatura é o que degrada a bateria, tanto que nesse modelo, para produzir tal potência, o motorista precisa selecionar um modo esportivo no painel e receber o alerta sobre a degradação das baterias.
Para contornar esse problema, veículos elétricos e híbridos de corrida, como os das Fórmulas 1 e E, usam sistema de arrefecimento a liquido que circula como um labirinto entre os conjuntos de baterias. A limitação está na temperatura máxima que pode ser atingida, perto de 60°C, bem diferente de motores de combustão interna, que são capazes de trabalhar a até 120°C em condições extremas de uso. Se pensarmos que o veículo pode estar sendo usado em um dia quente de 45°C, sobra um diferencial de apenas 15°C para que o sistema possa trocar calor com o ambiente. Claro que o sistema monitora constantemente todas as baterias, gerenciando o uso da energia elétrica de cada uma em função de sua temperatura.
Uma vez que a temperatura esteja sob controle, podemos desfrutar das maravilhas do motor elétrico, capaz de produzir torque máximo em qualquer rotação e de trabalhar desde zero até 16.000 rpm, o que dispensa a caixa de transmissão. Após determinada rotação há limitação do torque entregue para limitar a potência: quanto mais se aumenta a rotação, mais se reduz o torque para manter a potência consumida constante (há redução da potência líquida devido à redução da eficiência do motor com o aumento da rotação).
Com essa característica única, fica difícil mesmo para superesportivos com motores de combustão interna acompanhar o desempenho. A vantagem é ainda maior em retomada, pois não se precisa esperar a caixa de transmissão trocar marcha, o motor ganhar giro e vencer o retardo do turbo (se for o caso) para acelerar o veículo. No motor elétrico é tudo instantâneo.
Mesmo com a redução em maiores rotações, o torque do Tesla Model S supera em muito o do Porsche 911 Carrera em toda a faixa de operação
Mesmo que se contornem os problemas de tempo de recarga, ainda há um grande obstáculo aos elétricos. Como abordado em recente coluna Carro, Micro & Macro, de onde viria a energia elétrica para tantos veículos? Da queima de combustível fóssil, como em muitos países? Ou seja, deixamos de poluir pelo escapamento para poluir o mesmo que dezenas de milhares de carros num único quarteirão onde ficaria a usina. Além disso, nem todo pais tem matéria-prima para produzir as baterias, o que requer seu transporte em imensos navios — que, adivinhe, usam enormes motores de combustão interna sem qualquer controle de emissões de poluentes.
É por isso que fabricantes como a Mazda têm insistido na evolução dos motores a combustão. Seu novo motor Otto sem centelha promete emitir menos gás carbônico (CO2) que um elétrico no total da vida do veículo, que envolve produção, consumo de combustível e “morte” num pátio de desmanche.
O conhecido professor de Engenharia Mecânica da FEI Ricardo Bock disse, há cerca de 15 anos: “Sabe que tipo de motor teremos nos nossos carros em 30 anos? Motor de combustão interna”. Metade do tempo ele já acertou, e em outros 15 anos saberemos se a profecia estava correta. Pode ser que tenhamos uma transição. Sem uma revolução técnica nas baterias, podemos até ter um aumento de veículos elétricos rodando nas próximas décadas, mas a nosso ver é impossível num futuro próximo que veículos comerciais, como caminhões e ônibus, usem mais da metade de sua capacidade de carga para transportar baterias suficientes para longas distâncias, além de ficarem parados por horas esperando carregar as baterias para uma nova viagem.
Afinal, para criar um racional de quanta energia podemos acumular em pouco volume com combustível líquido, 1 litro de gasolina (E22) tem cerca de 7.500 kcal, o equivalente a três dias de energia recomendada para uma pessoa comum ingerir em forma de alimentos, ou o mesmo que 9 litros de refrigerante com açúcar. Se fosse possível para nossos corpos digerir gasolina, bastariam 300 ml dela por dia para nos mantermos vivos. E se carros queimassem refrigerante com açúcar no motor, precisaríamos de tanques 9 vezes maiores para a mesma autonomia. Portanto, não é tão fácil e simples estocar grandes quantidades de energia — muito menos vento, como sugeria a ex-presidente.
Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: divulgação