Carro velho e simpático, dá. O que não dá são as plásticas que desfiguram e não escondem a idade
A Volkswagen tem levado a cabo seu plano malévolo de tornar o Gol um carro feio. Tem mexido sistematicamente no coitado ex-queridinho, estragando um pouco por ano. O modelo atual — o de terceira geração pelos critérios internacionais, seguidos aqui no Best Cars — até que nasceu bem em 2008. Depois de quatro anos sofreu uma primeira reestilização, que pasteurizou a dianteira e a traseira com o restante da família, mas isso é mal da escola alemã para desenhar carros. Ainda permaneceu harmônico.
Daí, como não conseguia mais segurar o passar dos anos, começou a faltar pele pra repuxar e a turma perdeu a mão, detonando a traseira e frisando a quinta porta de forma a descaracterizá-la completamente. No aniversário de 10 anos da atual geração, os Pitanguys de Wolfsburg perderam o controle do bisturi e detonaram a frente do carro na linha “ficou pior, mas mudou”. Um verdadeiro processo de unomillezação, para deixar claro o recado: quer beleza, pague mais caro num Polo.
Mesmo que seja um ótimo automóvel, para quem é sensível a estilo, ter um carro feio equivale a comer feijão com açúcar: parece que algo não cai bem
Carro feio é um tema que sempre rende boas colunas. Aliás, na era do politicamente incorreto, talvez eu seja processado por dizer que esse ou aquele carro é feio. Correto agora é dizer “transformou-se numa compra racional”. Veja: eu passo de uma a duas horas por dia com meu carro. Nos dias de semana, olho para seu painel mais tempo do que olho para minha filha, tadinha, na soma dos minutos e segundos. Como conseguiria tocar minha vida urbana adiante se o bendito fosse feio? Dá para ser alguém racional quando o trânsito de uma grande cidade faz brotar em você os mais variados sentimentos, do ódio à fúria? Ao menos ver um belo carro na garagem faz o sofrimento valer a pena.
Já tentei convencer a mim mesmo de que seria feliz se fosse proprietário de um carro feio, tipo o primeiro Renault Logan ou o Toyota Etios. Mas é um ótimo carro! Mas é muito prazeroso de guiar! Mas é muito acertado dinamicamente! Ora, ora. Mas é feio, diabos! Sim, eu sei que beleza é um conceito subjetivo e que tem gente que adora os traços hindus do Etios. Sei que, mesmo diante de sua distância da harmonia estética de um Fiat Coupé, a Toyota ainda consegue vendê-lo a um preço bem acima do que vale. Sei, também, que para uma turma pouco importa se o carro é bonito ou feio, desde que ande, tenha bom porta-malas ou tenha uma bela logomarca de valor na grade. Para quem é sensível quando o assunto é estilo, porém, ter um carro feio equivale a comer feijão com açúcar: parece que algo não cai bem.
O Etios é um caso tipo Benjamin Button ou gato sphynx. Já nasceu meio enrugado, por isso nem parece que já tem seis anos de idade. O Logan, que nasceu sapo, foi beijado e virou galã. Agora, envelhecer sem dignidade é uma tristeza ainda pior que ser feio. Envelhecer é inexorável. Envelhecer bem é uma dádiva. E cirurgia plástica boa mesmo é aquela que ninguém nota, e não padrão Elza Soares. Ela não era feia na juventude nem quando ficou de meia idade; no entanto, uma série de intervenções seguidas para tentar barrar os sinais da idade foram desconfigurando seu rosto irremediavelmente.
O exemplo mais Elza de que consigo me lembrar foi a última versão mexicana do finado Chevrolet Corsa dos anos 90, lá chamado de Chevy C2. Um triste fim de carreira num rosto de Elza. Sorte de nós, brasileiros, que ficamos com uma plástica do Classic bem menos agressiva aos olhos — em boa hora alguém decidiu trazer as prensas que os chineses não usavam mais para o Buick Sail. Ele era um carro velho e parecia velho. E quem comprava sabia disso. Por isso a GM o apelidou de “clássico”, porque clássicos não envelhecem jamais, mesmo sendo de idade avançada. Mais digno que esticar as laterais da cara e arregaçar a boca, digo, a entrada de ar do radiador.
Admiro as pessoas que conseguem transformar as marcas do passar dos anos em belas histórias para contar. Os homens ficam grisalhos, perdem os cabelos. É da vida. As mulheres ganham traços mais maduros, marcas de expressão. O que há de ser feito? O Fusca entrou para a história porque envelheceu bem e morreu quando tinha de morrer. Tenho medo de que o Gol perca a dignidade sem poder ter o envelhecimento que merece. Não é justo que o carro mais emblemático da VW depois do Fusca e da Kombi seja repuxado assim, até que não sobre mais pele. Poxa, Volkswagen: dá logo uma nova geração pro Gol, vai! Ou contrata a Elza para garota-propaganda de uma vez.
Coluna anteriorA coluna expressa as opiniões do colunista e não as do Best Cars