Nascida nos EUA, mas com desenho próprio no Brasil, a perua combinava espaço e muita robustez para qualquer terreno
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Ao término da Segunda Guerra Mundial, a Willys-Overland Company, empresa fundada em 1907 nos Estados Unidos, buscava novas aplicações para seu famoso utilitário Jeep. A ideia era aplicar uma carroceria mais convencional sobre a mecânica do modelo fora de estrada, dando origem ao que os anúncios apresentavam como o Victory Car, o Carro da Vitória.
O projetista Brook Stevens definiu-se por uma inovação: uma perua com o máximo de componentes comuns ao Jeep e carroceria integralmente fabricada em aço. Isso ainda não existia nos EUA, onde as peruas eram elaboradas com estruturas de madeira adicionadas a sedãs. Como a Willys não fabricava carrocerias e os fabricantes do setor estavam sobrecarregados pela demanda, Stevens assegurou-se de que as chapas de aço da perua, por suas linhas retas e simples, pudessem ser estampadas por fábricas do setor de eletrodomésticos.
Mais conforto e espaço que no Jeep, mantendo sua valentia, era a proposta da Willys com a Station Wagon, que de início simulava uma carroceria de madeira
Lançada em julho de 1946, a Jeep Station Wagon era montada sobre um chassi de 104 polegadas (2,64 metros) de distância entre eixos, importantes 61 cm a mais que no CJ-2A. Os para-lamas dianteiros retilíneos eram os mesmos do Jeep e, para criar a impressão das conhecidas carrocerias de madeira, de início as laterais vinham em cor creme com painéis em marrom-claro.
Simplicidade, robustez e economia eram seus pontos altos. A Station Wagon levava sete pessoas com um comprimento total de 4,78 metros ou, se os bancos traseiros fossem retirados, mais de 2.700 litros de carga. O compartimento de bagagem tinha piso plano e a porta de acesso dividida na horizontal, uma parte se abrindo para cima e outra para baixo. A ausência de madeira facilitava a conservação da carroceria.
O motor era o mesmo do sedã Americar de antes da guerra, de quatro cilindros, 134 polegadas cúbicas (2,2 litros) de cilindrada e cabeçote em “F”, ou seja, com válvulas de admissão no cabeçote e de escapamento no bloco. Potência de apenas 63 cv e torque de 14,5 m.kgf em valores brutos mostravam-se subdimensionados para o peso 300 kg maior da perua, levando-a com esforço a 105 km/h de velocidade máxima. Pela primeira vez na Willys a suspensão dianteira era independente, com um feixe de molas transversal de sete lâminas chamado de Planadyne pela marca.
No começo a Station tinha tração traseira e apenas 63 cv, mas a tração total e um motor mais potente vieram logo
A transmissão de três marchas logo recebia sistema overdrive, mas a tração permanecia apenas traseira — só em 1949 aparecia a versão 4×4 com eixo dianteiro rígido. Antes, o Sedan Delivery vinha em 1947: uma versão furgão sem as janelas laterais posteriores, com duas portas traseiras que se abriam para os lados e banco apenas para o motorista. A versão de luxo Station Sedan, com melhor acabamento e bancos mais confortáveis, surgia em 1948 ao lado da opção do motor Lightning (relâmpago) de seis cilindros em linha, 161 pol³ (2,65 litros) e 72 cv brutos, que melhorava o desempenho.
Na pioneira Jeep Station Wagon, para criar a impressão das conhecidas carrocerias de madeira, de início as laterais vinham em cor creme com painéis em marrom-claro
Nova grade frontal com barras horizontais em vez dos vãos verticais era adotada em 1950. Após a absorção da Willys pela Kaiser-Frazer Corporation, em 1953, vinham novos detalhes de acabamento, pintura em dois tons (“saia e blusa”) e o motor Super Hurricane (superfuracão) de seis cilindros, 226 pol³ (3,7 litros), 115 cv e 26,2 m.kgf brutos, como nos automóveis da Kaiser, para a versão 4×4. Versões para fins específicos passaram a ser oferecidas como a ambulância e a de seis portas, entre-eixos longo e três fileiras de bancos para serviços de hotéis e aeroportos.
A perua convencional mudava de nome em 1955 para Utility Wagon, pois a Willys deixava o segmento de carros de passeio, e perdia recursos como os bancos suplementares, a suspensão independente e a caixa overdrive. Três anos depois a versão Maverick Special — alusão a um seriado de TV patrocinado pela Willys e do qual a perua participava — trazia melhor acabamento, pintura em dois tons e rádio, mas só podia ter o motor de quatro cilindros. O para-brisa vinha em única peça em 1960 e, dois anos após, o motor Tornado de seis cilindros, 230 pol³ (3,8 litros) e 140 cv brutos era adotado.
O motor 3,7 de 115 cv melhorava bastante o desempenho; ambulância e perua longa de seis portas eram outras opções
A revista Hemmings Classic Cars, ao avaliar uma Station Wagon de 1951, relembrou sua importância: “Em 1946 não havia nada parecido. Era um veículo baseado no famoso Jeep militar que era confortável, espaçoso e elegante, mas prático. Ele atendeu a uma necessidade real e ajudou a nutrir um sonho que muitas pessoas tiveram naquela época. Enquanto a Chevrolet foi a primeira a construir uma perua toda em metal em 1935, a Suburban, as peruas Willys foram os primeiros SUVs reais construídos para uso na cidade e também no campo”.
Com o motor 161 “a aceleração dificilmente é a força de um furacão, mas adequada. A transmissão com alavanca na coluna é tão precisa quanto essas unidades podem ser, e a embreagem não é mais dura do que a de um carro da época. A visibilidade é excelente, graças ao grande para-brisa e às janelas. A Station Wagon era muito bem pensada, confortável e agradável de dirigir. Não era apenas um meio de transporte bom e prático, mas também utilizável como um veículo de entrega para uma pequena empresa ou como um pequeno ônibus de turismo para resorts nas montanhas”.
Perua e furgão foram produzidos até 1964 em total superior a 300 mil unidades. Cederam espaço ao Jeep Wagoneer, outro modelo de longa produção e considerado um dos precursores do conceito moderno de utilitário esporte (SUV).
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A Rural teve uma “irmã” fabricada aqui perto, na Argentina: a Estanciera da IKA, Indústrias Kaiser de Argentina, empresa fundada em 1954 em uma associação da Kaizer-Frazer norte-americana com a IAME (Industrias Aeronáuticas y Mecánicas del Estado) argentina. A perua foi lançada por lá em 1957, um ano depois do Jeep, em versões Rural para passageiros e Utilitario, um furgão, além da picape Baqueano.
O desenho era o mesmo do original vendido nos EUA, mas com suspensão elevada e pneus maiores. Em 1966 a IKA adotava a frente larga do modelo brasileiro (com grade própria, porém) e novos painel e volante, um ano depois do para-brisa inteiriço. Foram usados os motores Continental de 3,7 litros e 115 cv, Tornado de 3,0 litros e 117 cv e Tornado Special de 3,8 litros e 132 cv, todos de seis cilindros em linha e com transmissão de três marchas.
A tração podia ser traseira ou integral na perua e apenas traseira na picape. A empresa Talleres Igarreta adaptava a perua para três portas, duas delas à direita, para servir de táxi ou veículo oficial de órgãos do governo. A Baqueano saía de linha já em 1963, mas a Estanciera durou até 1970 e teve mais de 71 mil unidades produzidas.