Já são cinco anos da atual geração desse Mitsubishi, mas
seu desenho esportivo é mais atual que o de muitos concorrentes
Texto: Edilson Luiz Vicente – Fotos: divulgação
Sabemos que cada fabricante no mundo tem suas peculiaridades — e talvez a Mitsubishi seja uma das mais peculiares. A maioria de nós a conhece como um fabricante de automóveis, quando ela é na verdade um gigantesco conglomerado industrial que já produziu de lapiseiras a foguetes aeroespaciais, passando por sistemas de refrigeração, eletrônicos, geradores, aviões, navios, mísseis e equipamentos pesados. Fiat e Hyundai também são empresas que atuam em outras áreas além da automotiva, mas curiosamente na Mitsubishi o ramo dos veículos, apesar de ser grande, não é o maior de seus negócios.
Talvez por isso, e ainda se tratando de peculiaridades, seu departamento de estilo não seja tão adepto à pompa e aos holofotes da mídia como a maioria desses departamentos nas empresas mundo afora. Fica evidente o foco da empresa em ter uma gama de bons produtos, com bom estilo que fala por si, tendo como seu expoente máximo o Lancer Evolution — produto que é reconhecido mundialmente como uma obra-prima da engenharia, vencedor de competições e muito desejado por quem gosta de automóveis.
O lançamento da décima e atual geração do Lancer — já há cinco anos, embora não pareça — inaugurou uma identidade visual muito marcante, em especial no que se refere às formas dos faróis e da grade frontal trapezoidal, à linha de cintura bem marcada e as superfícies limpas, que fluem para a aparência de um baixo centro de gravidade para inspirar um senso de estabilidade e esportividade.
A Mitsubishi sabe atender aos anseios de entusiastas: um bom sedã que carrega qualidades da versão Evo e um Sportback para agradar também ao consumidor europeu
O estilo foi bem trabalhado: não deixa de ser simples e objetivo, em uma mistura bem dosada de sofisticação e modernidade com apelo jovial e esportivo. É uma grande evolução estética em relação à geração anterior e de maneira alguma passa despercebido. Quando comparado, faz o estilo da concorrência parecer ainda mais conservador, o que é mais uma prova da qualidade no estilo se lembrarmos que tal geração foi lançada em 2007 e vários concorrentes foram lançados bem depois disso.
Por vezes o estilo da frente recebe críticas de alguns, mas o sucesso prova que agrada à maioria. O único porém da dianteira talvez seja a posição da placa de licença do Evolution, deslocada para o lado esquerdo e com um suporte exagerado, que não obteve um resultado tão bom. Seja nesse detalhe ou olhando o Lancer de traseira, percebe-se uma pegadinha de Alfa Romeo 156, modelo reconhecido como um dos melhores trabalhos de estilo dos anos 90.
Em meio a esse cenário, concluímos que a Mitsubishi sabe o que fazer para atender aos anseios de entusiastas de automóveis (quem nos anos 90 não se impressionou ao ver passar um Eclipse?): um bom sedã que carrega qualidades do esportivo Evo e uma versão Sportback para fazer frente ao Subaru Impreza WRX e agradar também ao consumidor europeu.
Qualidades visuais não faltam ao modelo. Mas, enquanto um dos ingredientes do sucesso lá fora é a versão Evo ser razoavelmente acessível, por aqui passou tão longe disso que praticamente nem vemos a versão nas ruas. Pena a Mitsubishi ter demorado tanto a perceber seu potencial e passar a trazer as versões mais acessíveis em um momento que, de acordo com os padrões mundiais, essa geração já deve estar no fim de sua vida útil para dar lugar a uma nova.
No sedã básico, o saia lateral é uma peça diferente do Evolution. Se na versão mais comportada deveria ser mais discreta, na verdade é mais saliente que no esportiva, o que dá uma apimentada no visual.
Essa linha cria uma conexão visual com a saia lateral, fazendo com que o para-choque dianteiro aparente ter um defletor aplicado.
A grade dianteira trapezoidal já é pronunciada, mas fica ainda mais evidente com todas essas linhas indo em direção a ela.
A primeira versão dessa geração do Lancer já formava um gráfico trapezoidal, mas não tinha a moldura cromada e a barra central vinha na cor da carroceria. Também era interessante, mas não dava a mesma graça que essa frente, pois tinha um ar bem comportado.
O para-choque dianteiro tem a conexão com a saia lateral apontada no item 2 da foto anterior. A ausência de algum detalhe com a mesma intenção faz com que pareça que está faltando algo.
O contorno das lanternas traseiras tem grande harmonia com o dos faróis. O trabalho interno, esportivo e interessante, também combina com os temas circulares dos faróis, mas lembra mais uma peça do mercado de acessórios que uma peça original de fábrica.
Apesar da simplicidade do desenho do para-choque traseiro, detalhes como os refletores, o vinco no meio e a superfície “pegadora de luz” mais abaixo são suficientes para deixá-lo interessante.
Ao contrário de muitos sedãs existentes, a tampa do porta-malas não tem vincos: a jogada inteligente foi esculpir a superfície com sutis ondulações.
O Evolution é a versão “brava” do Lancer. Esse não é um caso de fazer uma tela diferente apenas por estilo: note como é fina para permitir mais ventilação e ainda tem as duas aberturas na barra central — esportividade pura. O radiador poderia ser pintado em preto para não chamar a atenção… ou seria intencional?
Falando em esportividade, não poderiam faltar detalhes como essas saídas e tomadas de ar no capô. O modelo possui a receita completa de itens esportivos, e o mais interessante é que são em sua maioria funcionais.
Os faróis de neblina são aparentemente os mesmos para todas as versões. Sendo circulares, ficam fáceis de harmonizar com qualquer elemento. Já as aberturas maiores são para conferir o visual mais esportivo em relação às demais versões. Mesmo do ponto de vista estético, se a abertura do lado do motorista fosse funcional, seria melhor ainda.
Como o “músculo” no para-lama dianteiro não agrega nada esteticamente, deixá-lo discreto foi uma boa opção. Foi necessário, pois a bitola da versão Evo é maior.
Uma versão com tantos itens esportivos não poderia deixar de ter um grande aerofólio. O visual é trivial: sendo as formas funcionais, não é o tipo de coisa que permita dar asas à imaginação.
Por questões técnicas é usada uma bitola maior. Em termos estéticos isso é ótimo, por alargar os para-lamas e deixar o visual muito esportivo, mas os custos vão às alturas: além de uma lateral nova, tiveram de fazer até outra porta traseira. Ao se somar tudo o que a versão traz a mais que o sedã comum, pode-se entender por que o Evo é tão mais caro.
Analisado com frieza, o Lancer mostra um desenho bem moderno, mas todos os detalhes que compõe esse pacote esportivo — a exemplo do aerofólio traseiro e da saia lateral — têm o estilo bem trivial da velha escola. E isso não é uma crítica: o resultado final é muito bom.
Detalhe que também faz parte da receita de peças para complementar o visual esportivo. O resultado estético é interessante, mas era possível buscar alternativas melhores.
Mais um detalhe da receita de esportividade, pois destaca a abertura do para-choque e permite que fique posicionado mais para fora. Mesmo sendo uma solução comum, é sempre bem-vindo para esse tipo de caso.
Tudo na dianteira do Evolution foi desenhado para formar aquela “cara de mau”, e os contornos dos faróis ajudam bastante nisso. Foi muito conveniente a uma versão tão esportiva e destinada a entusiastas. Visto assim de frente, ele tem o visual bastante ameaçador. Muitos diretores de departamentos de estilo não aprovam um desenho como esse.
Para surpresa, o teto também é diferente do sedã convencional. Na carroceria, apenas as portas dianteiras e a tampa do porta-malas foram aproveitadas entre eles! É difícil acreditar que esses vincos tenham alguma função que justificasse tamanho gasto desnecessário.
Já que a Mitsubishi aceitou um grande investimento para fazer essa versão, um par de retrovisores diferentes dos usados no sedã básico, de aparência bem esportiva, teria sido bem-vindo.
Esse vinco ficou mais saliente no Evo por fazer parte do “músculo” do para-lama traseiro. Ficou mais interessante que no sedã básico.
Outro item da receita, um grande difusor de ar no para-choque traseiro com nervuras bem pronunciadas. Mesmo sendo um desenho simples e até um pouco ultrapassado, ficou muito bom.
Duas saídas de escapamento dão o tempero necessário a um esportivo. O tamanho das aberturas em volta do escapamento, nem tanto: são grandes demais.
A parte interna do aerofólio bem que poderia vir em preto para disfarçar melhor. Olhando assim de traseira, tem a aparência um pouco grosseira.
Bela curvatura do teto e boa inclinação da coluna C, assim como uma boa transição para o porta-malas.
O contorno das janelas é bem simples e bonito. Note que a curva da parte superior das janelas e a curva do teto sobem mais um pouco em direção à traseira depois da coluna B (central). Contraria o que todo mundo faz, que é descer essas duas linhas em direção à traseira. Assim o Lancer adquire um visual mais dinâmico do que teria com somente a linha de cintura subindo. Muito bom.
A principal linha de caráter da lateral é a superior; por isso é mais marcada e a debaixo, mais suave, não concorre visualmente — assim não polui o visual. Aliás, esse carro é cheio de detalhes e não é poluído: foi ou não foi um trabalho bem feito?
Outra coisa diferente e contrária dos demais: a frente e o capô são longos. A frente é bem chanfrada na região dos faróis, o que diminui um pouco essa sensação e o deixa bonito e esportivo.
Na versão Sportback, que é um hatchback, o carro não aparenta ser tão baixo quanto o Evolution, mas chama a atenção o fato de os pneus estarem próximos das aberturas. O visual fica bom.
A Mitsubishi alega que esse grande aerofólio é funcional. Ainda bem: sem ele ficaria um hatch de aparência estranha.
Como no sedã, bela inclinação da coluna e do vidro traseiro. Ver somente hatches com o vidro traseiro pouco inclinado já cansou — ainda bem que existem esse modelo e o Ford Focus para quebrar a monotonia.
Geralmente as proporções dos sedãs ficam melhores que as das respectivas versões hatch, por conta da traseira curta demais, que faz o visual perder equilíbrio. Mais uma prova de um bom trabalho: no Lancer a traseira é mais comprida que o usual, mas tem equilíbrio.
Mesmo problema apontado no sedã, de aparentar que falta algo por não haver nenhum detalhe para harmonizar com a saia lateral, como se formasse um conjunto de peças aerodinâmicas.
Nessa região que invade a tampa traseira, os contornos das lanternas harmonizam-se ainda melhor com o contorno dos faróis que no sedã. Já seu contorno na lateral teve a intenção de inovar, fazendo uma curva com a linha de corte do para-choque: ficou interessante, mas não combina com nada. A aparência geral da lanterna é um pouco pobre para um modelo dessa faixa de preço.
Há quem diga que o rebaixo da placa de licença posicionado na tampa deixa o visual mais antigo, enquanto sua colocação no para-choque aparenta ser mais moderna. O problema aí é mais o jeito com que fizeram do que a posição: ficou tão trivial que parece antigo, destoando da proposta mais moderna do restante da traseira.
Esse ponto de transição das superfícies é simples ao extremo, mas o resultado ficou muito interessante. No geral, a traseira é um pouco mais arredondada do que deveria para ter total harmonia com o restante do modelo.
Edilson Luiz Vicente é designer com 22 anos de experiência na indústria automobilística, atuados em empresas de grande porte como Volkswagen, Ford e General Motors no Brasil, Isuzu no Japão e General Motors nos Estados Unidos. É um dos poucos de seu segmento com experiência também em projetos e engenharia. Também é professor no Istituto Europeo di Design em São Paulo. Mais informações.
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