Vidros de largura completa são comuns na tampa traseira porque tornam o visual mais limpo: as colunas ficam por trás deles, portanto há um elemento a menos para dividir a atenção do observador. O “ombro” do item anterior limita a altura do vidro, mas o problema de visibilidade é atenuado pela câmera de manobras. Na parte de cima, o teto flutuante se estende acima do vidro para criar um pequeno defletor de ar. As barras de teto têm um desenho saltado e, aparentemente, pouco aerodinâmico para fortalecer a aparência fora de estrada.
Assim como os faróis, as lanternas têm desenho aleatório, que dispensa conexões visuais com outros componentes. Nem mesmo o desenho interno tem relação com o restante da traseira. Graças a isso, conclui-se que as luzes poderiam crescer em qualquer direção sem que isso tirasse o equilíbrio do conjunto. Desenhos com esse grau de liberdade são tão incomuns em carros que costumam causar estranhamento. Brincar com as percepções do público é, justamente, um dos objetivos da Citroën de hoje.
A proposta do estilo do Cactus é de simplicidade, mas com bom gosto. Se a tampa traseira fosse lisa, nem as luzes nem a seção inferior em preto seriam suficientes para evitar a sensação de vazio no meio. Isso se resolveu tornando a tampa lisa e concentrando os logotipos nela e, logo abaixo, aplicando um suporte de placa mais destacado, somente por seu relevo. Os vincos em formato de bumerangue, esculpidos nos extremos, aludem aos similares da dianteira, mas é fácil perceber que só servem para preencher aquela região.
Pode-se definir o estilo dessa região como um símbolo de todo o carro: formas simples, mas com proporções equilibradas; efeitos visuais com o uso de cores e de tamanhos, e não com o uso de vincos intensos ou diferenças fortes no acabamento. A simplicidade desta região é tanta que o acabamento de plástico preto só é interrompido pelos refletores. Uma vantagem é que isso lhe permite voltar a exercer a função que lhe dá o nome de para-choque.
O modelo nacional recebeu um painel próprio, mais adaptado à realidade do público-alvo local. Há muitas peças novas e muitas herdadas do modelo europeu, mas é difícil dizer qual é qual ou perceber essa transição. Boa prova do quão bom foi o trabalho da filial brasileira: a adaptação atingiu suas metas racionais sem abandonar o bom gosto ou destoar da proposta original do modelo.
Nos detalhes, nota-se que o objetivo principal foi replicar as formas externas. Isso aparece no formato de saídas de ar, almofada do volante, conjuntos de botões e até quadro de instrumentos. A Citroën quis fazer o Cactus parecer diferente, mais do que moderno, e conseguiu: o ambiente é mais informal que o de muitos concorrentes. No entanto, essa escolha somada à forma de quadrado com cantos arredondados traz lembrança forte de outro carro — Fiat Uno.
No painel europeu, esta tela fica acima das saídas de ar e separada do painel, como nos Fiat Argo e Cronos. Aqui a Citroën preferiu um desenho mais conservador. Embora o Cactus use como argumento o estilo jovial, grande parte de seu público-alvo tem gostos tradicionais. O fabricante respeitou isso nas formas gerais, passando a seguir a proposta do carro apenas nos detalhes. A decisão não implicou mudanças drásticas no tamanho da tela.
Uma mudança mais sensível do painel é a maior altura em relação ao europeu. O brasileiro está na média, então não chega a causar problemas no uso diário. Quanto ao estilo, pode-se pensar que isso lhe faz avançar mais sobre os ocupantes, o qual é ruim porque reduz a sensação de espaço. A Citroën resolveu isso com o relevo: o porta-luvas é mais protuberante que a parte superior e a diferença entre eles virou um porta-objetos adicional. Fato curioso é que a parte superior, com seu formato cilíndrico, pode trazer memórias do Chevrolet Corsa de primeira geração.
Não é de se estranhar que o quadro de instrumentos estreado no C4 Lounge tenha sido usado também no Cactus. A tela é monocromática e usa a antiquada construção de sete segmentos, é verdade, mas é grande e exibe vários dados ao mesmo tempo, com clareza e estilo. Seria possível trazer a tela de alta resolução do Cactus europeu, é claro, mas a um custo mais alto, que poderia prejudicar as vendas do carro ou restringir a tela a poucas unidades.
O modelo que chega agora ao Brasil foi lançado na Europa em 2014. Como a Citroën já tinha o C4 hatch e o C4 Aircross (derivado do Mitsubishi ASX), ambos indisponíveis no Brasil, o Cactus ficou livre para ser um carro de imagem. Trazia exterior ainda mais polêmico, com cores chamativas, frente sem entrada de ar superior e os Airbumps — zonas da carroceria revestidas com bolsas de ar, cuja função era proteger o carro dos pequenos impactos.
Na época do redesenho de meia-vida, as movimentações do mercado incentivaram a remoção do C4 hatch e um futuro C4 Aircross criado inteiramente pela Citroën. Para suprir essas carências, o Cactus foi redesenhado de modo a ganhar ares mais elegantes, ainda que longe de conservadorismo — os Airbumps praticamente sumiram, a grade voltou e a paleta de cores está mais discreta. O modelo brasileiro, que nasce dessa fase, conta com cabine refeita e janelas traseiras descendentes, não basculantes.
Para qualquer carro, o ideal é equilibrar características emocionais e racionais — mas a maneira de fazê-lo varia muito entre um segmento de mercado e outro. O Peugeot 2008 chegou ao Brasil com uma proporção equilibrada, que o público-alvo não deseja: os SUVs compactos são uma categoria de moda, que tem na imagem o grande argumento de vendas. Quem considera isso fútil, mas os compra mesmo assim, acaba pagando caro por frustração.
O C4 Cactus se destaca do 2008 justamente por investir mais na imagem. Ele tem personalidade forte; é o carro que sempre vai chamar atenção por onde passa, mesmo depois de anos. Seu estilo não será isento de críticas, com certeza, mas até isso faz parte da imagem que a marca planejou para ele. Em resumo, ele tem potencial de sobra para estender à Citroën o bom momento no Brasil que a Peugeot começou a viver com os 3008 e 5008.
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