É antiga a prática de criar “famílias” de carros, modelos de vários tipos de carroceria desenvolvidos a partir do mesmo projeto. Essa ideia permite baratear a produção de todos, mas traz o problema de negligenciar os requerimentos estilísticos próprios para que cada versão agrade a seu respectivo público. Hoje os fabricantes projetam modelos “irmãos”, mas em grupos menores. O Yaris oferece também uma carroceria sedã, cujas diferenças visuais são pequenas, mas interessantes.
Em relação aos hatchbacks, sedãs costumam ser mais associados à seriedade e ao perfil familiar. A Toyota seguiu isso nas entradas de ar: o padrão mais esportivo do hatch, que simula colmeia, foi trocado por um de filetes horizontais, bem mais discreto. Todo o resto da peça, no entanto, permaneceu inalterado.
O suporte das luzes de neblina passou por processo parecido ao anterior, mas mais curioso: eles usavam filetes horizontais já no hatch. Além disso, o formato do suporte como um todo é bastante arrojado para um carro que deveria ser conservador. Como solução, a Toyota decidiu retirar tudo e deixar esse suporte liso, sem filete algum.
O perfil esportivo do Yaris obriga a linha do teto a ter caimento suave e arredondado. Para fazer a lateral respeitar isso usando somente os dois vidros das portas, a coluna traseira ficaria larga e vazia. Por outro lado, se a intenção fosse adicionar uma vigia, seria preciso esticar o teto — e fazer o carro parecer comprido demais, como o Citroën C4 Pallas, ou “repuxado” atrás, como o VW Virtus. A Toyota preferiu usar uma cobertura de plástico, como no Hyundai HB20S, para simular a existência da vigia sem ter limitações de tamanho.
O já mencionado caimento do teto foi aproveitado para criar o terceiro volume de uma maneira condizente com a proposta do Yaris: ficou mais suave que a do Fiat Cronos, mais baixa que a do Honda City e mais definida que a do VW Virtus. Isso lhe dá uma imagem leve.
Embora a Toyota tenha resolvido muito bem o desenho superior das laterais, o inferior repete o problema visto no hatch. Em sedãs compactos, o terceiro volume precisa ser curto para não tornar o comprimento geral excessivo, mas alto para aumentar o porta-malas. O desenho das lanternas traseiras avança sobre as laterais, mas é o único recurso disponível para quebrar a área vazia. O vinco criado é tão leve que chega a desaparecer em alguns ângulos.
Os arcos das rodas são grandes o suficiente para se pensar que foram uma tentativa de reduzir a área vazia das laterais. No entanto, a Toyota escolheu rodas de 15 pol para o Yaris brasileiro, visando aumentar o conforto de rodagem. Esse tamanho é pequeno para o padrão de hoje e parece ainda menor quando observado no conjunto da carroceria.
Como na linha Hyundai HB20, as lanternas de hatch e sedã seguem as mesmas diretrizes de estilo, mas causam impressões bem diferentes. As do Yaris sedã são maiores e usam contorno mais arredondado. Isso as torna menos esportivas e mais elegantes que as do hatch, o que cai como uma luva na intenção de diferenciar as propostas dos dois sem recorrer a mudanças muito complexas (e custosas).
Aqui, a placa está na mesma posição do hatch, mas sem régua acima para conectar as luzes: o sedã não é conservador e não procura parecê-lo. O suporte da placa foi definido com mais clareza, mas fica mais abaixo. Em comparação com o dois-volumes, a traseira do sedã ficou bem-resolvida: os elementos “conversam” mais entre si.
Esse resultado visual mais caprichado aparece até na porção inferior da traseira, que é a mais crítica por herdar os problemas das laterais. A porção lisa do para-choque não chama tanta atenção, porque as luzes e o suporte de placa são maiores e estão mais próximos. Já o enfeite inferior é mais discreto, por não ter orientação esportiva, e tem um limite visual claro: não busca uma conexão visual nas laterais com algo que não existe.
A parte superior do terceiro volume foi esculpida usando um recurso comum nos sedãs modernos: o chanfro das laterais à altura da linha de cintura faz um giro de 90° para formar a superfície superior da tampa do porta-malas. A Toyota aproveitou a oportunidade para conectar essa superfície à vertical, formando um relevo curto mas espesso, obviamente dedicado a sugerir um defletor de ar.
Defensores dirão que o fato de a Toyota usar o mesmo volante do Etios ao Corolla apenas atesta o quão bom ele é. Quem compreende as diretrizes do marketing, porém, dirá que é possível obter essas qualidades com outros desenhos. Ele é a peça do carro com a qual o usuário tem mais contato, porque está vendo-a e sentindo-a durante quase todo o tempo. Ninguém gosta de saber que ele também aparece em carros mais baratos e menos sofisticados.
O console central tem formato predominantemente vertical, ou seja, é alto e estreito. Essa configuração interfere pouco na região de cada ocupante dianteiro, portanto colabora para a sensação visual de separação dos dois. Os fabricantes costumam buscar esse efeito em carros de índole esportiva, o que mais uma vez combina com as intenções secundárias da Toyota para com o Yaris.
A tela da central de áudio vem acima de todos os outros elementos do console central, mas ainda é integrada a ele — não há uma separação clara, como nos Fiats Argo e Cronos. Essa é a posição intermediária quando se fala em arrojo ou conservadorismo: a tela ganhou destaque no painel, mas não a ponto de mudar o desenho geral que as pessoas costumam esperar dele. Um problema dessa posição é dificultar a instalação de telas maiores.
Pilares prateados como este não existem em muitos modelos, mas quebram o predomínio de cores escuras. Fora isso, é uma solução paliativa para esconder o fato de que, no caso do Yaris, a porção funcional do console é estreita e retilínea a ponto de fazer lembrar dos carros dos anos 90.
A porção à frente do passageiro tem plástico texturizado, o qual não reflete a luz e é agradável ao toque; um detalhe na cor prateada, que confere certo requinte e não reflete a luz, e saída de ar com desenho esguio, que foge do cansativo formato circular e respeita o flerte do carro com a esportividade. O desenho é simples e baseado em soluções genéricas, mas condiz muito bem com a proposta do carro.
Depois da análise da versão do Yaris focada em países emergentes, é interessante compará-la com o modelo que seguiu a linha original de evolução. Por ser vendido na Europa e na América do Norte, é fácil para nós pensarmos que se trata de um “primo rico” do carro nacional. De fato, ele conta com mais equipamentos e até uma versão híbrida (na Europa), mas isso não é tudo: esse Yaris é menor e tem estilo mais “brincalhão”. Além disso, só é vendido como hatch e teve a oferta da versão de três portas restrita ao esportivo GRMN (foto) desde 2017, quando recebeu seu último redesenho.
Essa diferença de concepções explica muito da distinção de estilos. A dianteira faz uma interpretação mais escrachada de esportividade: usa faróis e grade maiores e com contorno mais angular e tem elementos em menor quantidade, mas mais destacados. Embora haja semelhanças com o modelo emergente, como o friso cromado “saindo” de cada farol, o desenho dos suportes dos faróis de neblina indica um visual bem menos fluido. A dianteira é mais curta e seu estilo exerce influência muito menor no das laterais.
No caso das laterais, é preciso lembrar que esse carro tem altura similar, mas comprimento menor. As portas são mais curtas, a linha de cintura é mais baixa (para aumentar a área das janelas e evitar sensação de claustrofobia) e as janelas traseiras terminam em forte ascensão porque não há espaço para quaisquer elementos decorativos nas colunas “D”. Perto dele, as formas suaves do Yaris de países emergentes o fazem parecer mais esguio e até um tanto mais sofisticado; trazem aquela sensação de “ser mais carro” que tanta gente aprecia.
A traseira é a única parte em que o modelo europeu ganha fácil: exibe equilíbrio e harmonia em um patamar que a versão emergente só consegue igualar na carroceria sedã. Exibe luzes, suporte de placa e adornos inferiores do para-choque grandes e destacados, mas todos foram muito bem distribuídos no espaço. O resultado é um desenho moderno e um pouco esportivo, mas também capaz de agradar aos olhos de cima a baixo por igual, sem provocar a sensação de excesso ou falta de informação.
Esse é um típico compacto à moda europeia: jovial e lúdico, com tamanho reduzido e oferta de conteúdo com grande viés emocional, incluindo carroceria de três portas e versão esportiva. É um pacote interessante, sem dúvida, mas que seria considerado pequeno, caro ou até esquisito demais para o padrão do Brasil. É o tipo de carro que muitos gostariam de ter, mas que poucos comprariam de fato. O volume de vendas esperado para um carro assim não justificaria sua oferta no País, fosse por produção local ou importação — o investimento necessário teria retorno incerto e demorado.
As diferenças do Yaris emergente não foram escolhidas por acaso: ele entrega o que o brasileiro (e o indiano, o tailandês, o russo…) realmente leva para casa nessa categoria de mercado. Os fabricantes têm investido em criar modelos assim, de foco específico, meramente para responder ao que as pessoas querem. Essa diferença já teve conotação negativa, como nos carros emergentes de alguns anos atrás, mas essa fase está terminando. Nosso Yaris, por exemplo, não é pior que o tradicional em todos os aspectos — é melhor em uns e pior em outros. Em outras palavras, é diferente porque atende a pessoas diferentes.
No Yaris brasileiro não há vontade de parecer chique ou futurista, por exemplo. Mesmo a esportividade, que parece ser o viés emocional que a Toyota buscou, aparece em uma interpretação livre. Em vez de defletores de ar, adesivos ou rodas grandes, hatchback e sedã oferecem linhas suaves, formas de bom gosto e até alguns detalhes vindos de recentes tendências mundiais — caso do teto flutuante, visto no dois-volumes, e do uso comedido de cromados, que chama mais atenção no três-volumes.
Naturalmente, essa ideia não foi executada sem falhas. O estilo externo alterna regiões muito carregadas de componentes, sejam funcionais ou decorativos, e outras com detalhes suaves a ponto de parecerem vazias. Nada disso, porém, tira o mérito da Toyota: entre acertos e erros, nosso Yaris consegue mostrar que projetos focados em países emergentes podem ser desenvolvidos com tanta eficácia quanto aqueles dedicados a América do Norte, Europa ou Japão.
A seção Análise de Estilo, que avalia as soluções de desenho dos automóveis, fica a cargo de Danillo Almeida, estudante de Engenharia Mecânica, que escreve sobre carros há 10 anos e tem livros publicados sobre o tema, disponíveis na Amazon.