Quatro dias foram pouco para desfrutar o que R$ 780 mil
podem comprar em tecnologia alemã pelo alto desempenho
Texto: Roberto Agresti – Fotos do autor e de Paulo Keller
Primeiro dia
Exatos 23,5 quilômetros separam a sede da Mercedes-Benz no Brasil, em São Bernardo do Campo, SP, de minha garagem, no bairro do Sumaré, em São Paulo. Ao fim desse trajeto, baixado o portão, finalmente sinto paz. Acabou o tormento de tantos olhos apontados para mim — na verdade, para o exuberante SLS AMG Roadster que dirigi de lá até aqui. Acabou o medo de estragar o “brinquedo” de cara! Um buraco, um motoboy distraído, um caminhão de freios ruins… Foram tantos os maus pensamentos nesses poucos quilômetros que mal pude reparar no carrão. Zero prazer.
Mas agora, na escuridão da garagem, tenho todo o tempo do mundo. Penso e repenso, intrigado, o que me lembra a posição de dirigir desse mais do que exclusivo carro. Apalpo o macio couro vermelho do banco. Passo as mãos sobre o volante, pelas partes de alumínio. À minha frente, um longuíssimo capô — quase dois metros de comprimento —, certamente o mais longo que jamais tive à frente. Pisco os faróis, e o reflexo dos azulejos azuis confirma: eles jamais viram algo tão exuberante.
Em minha mente martelam as palavras que li na noite anterior, no material de imprensa do fabricante alemão, sobre esse esportivo mais do que superlativo. O texto citava as origens “nobres”, o 300 SL original dos anos 50, as portas que se abriam como asas de gaivota e as inspirações nostálgicas que podem ser encontradas no desenho da carroceria dessa reedição em versão Roadster, conversível.
As formas do SLS transpiram esportividade em cada detalhe, sem esquecer as origens
no SL dos anos 50; o aerofólio destaca-se em velocidade ou ao toque no comando
Senti-me desconfortável como poucas vezes nesses primeiros quilômetros com o SLS, e não por defeito do carro — longe disso. O desconforto veio da quantidade de olhos pregados em mim, ou melhor, no mais exclusivo e caro dos Mercedes-Benz compráveis no Brasil. Um objeto cujo preço começa em R$ 780 mil, mas que pode ir bem além conforme a personalização desejada, da cor da capota à escolha de rodas forjadas e freios de carbono-cerâmica, passando pelos tons dos bancos e da linha que os costura.
Estive como uma criança com um brinquedão caro. Liguei o motor, a casa tremeu com o ronco grave do V8, talvez mais para “carro musculoso” norte-americano que para os tenores sobre rodas italianos
É um carro que está na garagem de bem poucos mortais planeta afora, e não só por causa do elevado preço. Um nobre concentrado da melhor tecnologia alemã, raro de se ver até no principado de Mônaco, em Dubai, nos Emirados Árabes… E agora ali, na minha garagem, no Sumaré.
O que me lembra essa posição de dirigir com tanto bico e quase nada de traseira? À minha frente, o poderoso V8 de 6,2 litros (a Mercedes diria 6,3, em alusão ao 300 SEL 6.3 dos anos 60, mas 6.208 cm³ só podem mesmo ser arredondados para baixo) com potência de 571 cv está posicionado atrás do eixo dianteiro, empurrando a posição de dirigir para trás de maneira radical. Estou praticamente sentado sobre o eixo traseiro.
Capô longo, cabine recuada de dois lugares: perfil que destaca o grande motor dianteiro
Como um raio, me vem à mente o que buscava em minhas memórias: a lancha offshore com a qual, entre pânico e êxtase, dei uma insanamente rápida volta em Ilhabela mais de 20 anos atrás, experiência única, terror e emoção conjugadas. Na lancha, entre minha cabeça e o céu não havia nada, assim como nesse roadster (sim, há uma capota, que só tive coragem de baixar já dentro da garagem).
A verdadeira tempestade de potência ao movimentar o comando do acelerador da lancha de longo bico ficou impressa em um arquivo muito especial de minha memória. O também bicudo SLS AMG Roadster conseguiu desencavar aquele momento pela longa frente e, imagino, pelo poder de seu V8 do qual ainda nada sei, mas saberei.
Segundo dia
Há mais de 24 horas o SLS AMG Roadster “dorme” na garagem. Durante a noite passada, como um menino que espiona a árvore de Natal, fui duas ou três vezes visitá-lo. Sentei no banco do passageiro para ler o manual, abri e fechei portas, capô, porta-malas. Subi e desci a capota um par de vezes, assistindo a seus movimentos precisos, teutônicos. Acionei cada tecla em um pequeno painel à frente do assento para regular o “abraço” dos apoios laterais, o ajuste lombar e a pressão na parte superior das costas. Acionei o sistema de áudio de nome pomposo, Bang & Olufsen Beosound AMG, com 11 alto-falantes e potência de 1.000 watts associados a um leitor de DVD com disqueteira para seis discos.
A opção pela capota de tecido garante um conjunto leve e compacto; a abertura
ou o fechamento requer meros 11 segundos e pode ser acionado a até 50 km/h
Naveguei pelas opções do quadro de instrumentos, cujas três telas usam nomes sugestivos: Warm Up (aquecimento), Set Up (configuração) e Race (corrida). Em Warm Up acompanho a temperatura não só do líquido de arrefecimento, como também dos óleos lubrificantes do motor e da transmissão; Set Up me mostra o modo escolhido para o controle eletrônico de estabilidade; e Race permite medir o tempo de volta em um circuito.
Descobri que, inserindo a chave em um compartimento no console, posso desativar o botão de partida para evitar seu acionamento involuntário. E que nada menos que oito bolsas infláveis protegem apenas duas pessoas, sendo duas frontais, duas para os joelhos, duas laterais integradas aos bancos e duas de janela instaladas nas portas, que substituem as cortinas infláveis montadas no teto em modelos fechados.
Estive como uma criança com um brinquedão — caro, daqueles que Papai Noel só traria aos meninos mais comportados. Liguei o motor, a casa tremeu com o ronco grave do V8, talvez mais para “carro musculoso” norte-americano que para os tenores sobre rodas italianos.
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