Apesar de toda a potência despejada nas rodas traseiras, é fácil domar esse monstro:
o comportamento em curvas é soberbo e há auxílios eletrônicos bem calibrados
Terceiro dia. A melhor parte: “Não há vida inteligente onde não haja curvas”. Essa frase poderia ter saído da boca de um gênio, pois encerra grande verdade. Que graça há abusar de um esportivo na reta? A não ser que seja para bater recordes do tipo Bonneville Salt Flats, o prazer está nas curvas, claro. E em nosso caminho temos dezenas de quilômetros delas, que percorremos subindo, descendo, subindo de novo.
Em Sport Handling, um pouco mais de pressão com o pé direito faz a traseira sair rápida — pura diversão, desde que haja asfalto o bastante. É fortemente desaconselhável chegar ao último modo, o desligado, a menos que se esteja em autódromo
Chance ideal para explorar as qualidades do SLS AMG Roadster e, quem sabe, descobrir limites, quiçá defeitos. E a primeira constatação remete à impressão inicial, a da lancha offshore. Sim, o capozão continua lá, mas a cada curva feita ele parece encurtar, encurtar, encurtar… A agilidade do grande Mercedes é tal que, sentado praticamente no eixo traseiro, não mais pareço estar na lancha, mas em uma biga romana, agilíssima, arisca, radicalmente curta e essencial.
A eletrônica, claro, ajuda a manter o SLS em sua trajetória entre os parcos metros de asfalto, mas isso não é sinônimo de prazer castrado. Eficiência e um tremendo equilíbrio são a síntese depois de bons quilômetros de tocada radical. O motor atrás do eixo dianteiro, a opção pelo câmbio em transeixo colocado na traseira, a massa distribuída em quase 50:50 (de fato 47:53, frente e traseira) tornam dirigir — pilotar! — o SLS algo fácil, naturalmente prazeroso.
Suspensão firme e pequeno vão livre do solo mostram que não é um carro
para o dia a dia, mas oferece o que se espera em conforto e segurança
Apesar da confiança oferecida pelo comportamento do carro, percebo que outro dos botões do console deve ser usado com cautela: aquele que seleciona entre os três modos de uso do controle de estabilidade. Em On (ligado), o sistema ordena a frenagem de uma ou mais rodas e a redução do torque do motor ao detectar instabilidade. Sport Handling (comportamento dinâmico esportivo) funciona da mesma forma, mas com maiores limites de desvio de trajetória, e Off (desligado) desativa tais funções, mas faz com que o sistema volte à ação caso os freios sejam usados. Nos três modos permanece ativo o controle de tração, que atua tanto com frenagem individual quanto com o diferencial autobloqueante.
O ideograma de um carro derrapando, no botão, não poderia ser mais sugestivo. Acionado o Sport Handling, um pouco mais de pressão com o pé direito faz a traseira sair rápida se as rodas dianteiras não estiverem apontando para a frente — pura diversão, desde que haja asfalto o bastante, e não é o caso de nossa estradinha. A experiência demonstrou ser fortemente desaconselhável chegar ao último modo, o desligado, a menos que se esteja em autódromo: apesar da grande quantidade de boa borracha em contato com o solo, o poderio dos 571 cv e 66,3 m.kgf anula a melhor das intenções de controlar no braço a coisa toda, mesmo para quem está habituado.
E o pedal da esquerda, do freio, reserva o que dele se espera: a capacidade de conter a fúria alemã morro abaixo. “Use e abuse”, poderia ser impresso em baixo relevo no pedal, pela tremenda capacidade de desaceleração oferecida e fenomenal resistência a ser brutalizada, como foi, nas intensas descidas da serra. Fico imaginando que tipo de solicitação justificaria assinalar, na lista de opcionais, o campo marcado como “discos de carbono-cerâmica”.
Terminado nosso entretenimento, faltava voltar à garagem no Sumaré, de noite, capota fechada, tentando ser — e não conseguindo — discreto. Bom momento para usar o excelente áudio Bang & Olufsen. Nesse momento descontraído, a única crítica aplicável a esse supercarro: em pisos imperfeitos como são o padrão aqui abaixo do Equador, o rodar firme se torna algo desconfortável e transpor lombadas requer cuidado além do usual para evitar uma raspada.
Desempenho de sobra, estabilidade e freios irretocáveis, qualidade Mercedes, e
ainda a descontração de um conversível: os irresistíveis atributos do SLS Roadster
Maus pisos à parte, percebo que, apesar de tão fiel a sua proposta, o SLS AMG Roadster é, de fato, ainda um Mercedes-Benz: confortável (para um superesportivo), silencioso (para um superesportivo), comportado (para um superesportivo), capaz de seguir o fluxo da movimentada estrada ronronando seu V8 a baixas rotações. Um grã-turismo de alta estirpe.
Quarto dia
É domingo, dia da preguiça, dia de folga para todos, até para o SLS. Desço à garagem e, com uma indisfarçada ponta de orgulho, constato que ele está íntegro, do jeitinho que saiu da sede da Mercedes-Benz. Nem um risco, nem um raladinho na roda, nem uma bolha no pneu. Perfeito. Raciocínio aparentemente besta, mas adequado para quem tem fresca na memória as curvas do sábado.
Durante a tarde, mais algumas fotos de detalhes na pracinha em frente de casa me fazem tirar o SLS AMG Roadster da garagem. Um clique, dois cliques, aparece meu simpático vizinho que, veja você, tem um parente do SLS na garagem, um SLK 230. Sorridente, ele se aproxima e diz, “é meu sonho!”.
Sim, Thierry, seu sonho. O meu sonho, o sonho de todos nós.
Comentário técnico
• Denominado M159, o motor do SLS usa pistões forjados. As quatro árvores de comando de válvulas — duas para admissão, duas para escapamento — têm variação contínua dos tempos de abertura das válvulas em 42 graus. A lubrificação com cárter seco (uma das diferenças do V8 do SLS para aquele usado em versões AMG de outros Mercedes) contribui tanto para uma montagem mais baixa no chassi, com benefício ao centro de gravidade, quanto para lubrificação eficiente mesmo durante solicitações extremas em aceleração e curvas — e são nada menos que 13,5 litros de óleo lubrificante. O motor completo, sem líquidos, pesa 205 kg.
• A caixa de câmbio manual automatizada, com dupla embreagem e sete marchas, fica em um transeixo na traseira, ligada ao motor por um tubo de torque feito de alumínio dentro do qual gira um cardã de fibra de carbono, 30% mais leve que um de aço.
• O SLS tem uma estrutura do tipo spaceframe em alumínio que pesa apenas 243 kg, ou 2 kg a mais que a da versão cupê. Também de alumínio são partes como capô e portas, enquanto a tampa do porta-malas e as soleiras laterais são de plástico — tudo isso é fabricado pela Magna Steyr Fahrzeugtechnik GmbH em Graz, na Áustria, embora o carro seja finalizado em Sindelfingen, na Alemanha. A carroceria usa 50% de perfis de alumínio, 26% de chapas, 18% de alumínio fundido e 6% de aço. A estrutura da capota usa aço, alumínio e magnésio para contribuir com a contenção de peso nessa região elevada, mais relevante para o centro de gravidade.
• As suspensões adotam o conceito de braços sobrepostos, comum em carros de competição, e fazem amplo emprego de alumínio, o que inclui os braços em material forjado. A Mercedes oferece a opção de controle eletrônico de amortecimento (que o carro avaliado não tinha) com modos de uso Comfort, Sport e Sport Plus, do mais macio ao mais firme.
• Os freios de série usam grandes discos ventilados, de 390 milímetros de diâmetro à frente e 360 mm atrás, com pinças de seis e quatro pistões, na ordem. Também aqui existe um opcional nobre, ausente do modelo que dirigimos: discos de carbono-cerâmica, com durabilidade e resistência ao superaquecimento muito maiores que as dos convencionais, além de redução de peso em 40%.
Ficha técnica
Motor | |
Posição | longitudinal |
Cilindros | 8 em V a 90° |
Material do bloco/cabeçote | alumínio |
Comando de válvulas | duplo nos cabeçotes |
Válvulas por cilindro | 4, variação de tempo na admissão |
Diâmetro e curso | 102,2 x 94,6 mm |
Cilindrada | 6.208 cm³ |
Taxa de compressão | 11,3:1 |
Alimentação | injeção multiponto sequencial |
Potência máxima | 571 cv a 6.800 rpm |
Torque máximo | 66,3 m.kgf a 4.750 rpm |
Potência específica | 92,0 cv/l |
Transmissão | |
Tipo de câmbio e marchas | automatizado, 7 |
Relação e velocidade por 1.000 rpm | |
1ª. | 3,40 / 10 km/h |
2ª. | 2,19 / 16 km/h |
3ª. | 1,63 / 22 km/h |
4ª. | 1,29 / 27 km/h |
5ª. | 1,03 / 34 km/h |
6ª. | 0,84 / 42 km/h |
7ª. | 0,72 / 49 km/h |
Relação de diferencial | 3,67 |
Tração | traseira |
Freios | |
Dianteiros | a disco ventilado (390 mm ø) |
Traseiros | a disco ventilado (360 mm ø) |
Antitravamento (ABS) | sim |
Direção | |
Sistema | pinhão e cremalheira |
Assistência | elétrica |
Diâmetro de giro | 11,9 m |
Suspensão | |
Dianteira | independente, braços sobrepostos, mola helicoidal |
Traseira | independente, braços sobrepostos, mola helicoidal |
Estabilizador(es) | dianteiro e traseiro |
Rodas | |
Dimensões | 19 pol (diant.) e 20 pol (tras.) |
Pneus | 265/35 R 19 (diant.) e 295/30 R 20 (tras.) |
Dimensões | |
Comprimento | 4,638 m |
Largura | 1,939 m |
Altura | 1,261 m |
Entre-eixos | 2,68 m |
Bitola dianteira | 1,682 m |
Bitola traseira | 1,653 m |
Coeficiente aerodinâmico (Cx) | 0,36 |
Capacidades e peso | |
Tanque de combustível | 85 l |
Compartimento de bagagem | 173 l |
Peso em ordem de marcha | 1.660 kg |
Relação peso-potência | 2,9 kg/cv |
Garantia | |
Prazo | 2 anos sem limite de quilometragem |
Carro avaliado | |
Ano-modelo | 2012 |
Pneus | Pirelli PZero |
Dados dos fabricantes; ND = não disponível |