
Enfim no Brasil, esportivo com motor V8 de 466 cv mostra que emoção não precisa vir associada a desconforto
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Mais de meio século depois de causar sensação entre os norte-americanos em 17 de abril de 1964, o Ford Mustang enfim chega ao Brasil mediante importação oficial — o que houve no mercado até então veio por empresas independentes ou concessionárias da marca. Foi definida uma única versão em conteúdo fechado, a GT Premium com pacote Performance, ou seja, o Mustang mais equipado e potente disponível nos Estados Unidos abaixo do Shelby GT 350. A fábrica de Flat Rock, no Michigan, é a única a fazer o modelo.
O preço sugerido de R$ 299.900 coloca-o em competição direta com o Chevrolet Camaro, seu arquirrival também por lá desde 1966. Ambos usam motor V8 de aspiração natural e tração traseira, com potência pouco maior no Ford (466 ante 461 cv) e torque mais generoso no Chevy (62,9 m.kgf contra 56,7 m.kgf) por conta da cilindrada bem maior, 6,2 ante 5,0 litros. O Camaro SS custa pouco mais: R$ 310 mil para membros do clube do modelo. Alternativas menos potentes são os cupês Audi TTS (turbo de 2,0 litros, 310 cv, tração integral, R$ 325 mil) e BMW M240i (turbo de 3,0 litros, 340 cv, R$ 316.950) e o roadster Mercedes-Benz SLC 300 (turbo de 2,0 litros, 245 cv, R$ 310.900).
O atual Mustang, considerado a sexta geração em 54 anos, foi lançado em 2014 como sua primeira série dedicada a vendas globais. Se os anteriores ficavam quase que restritos ao mercado norte-americano, hoje ele alcança 140 países e já vendeu mais de 33 mil unidades nesses quatro anos. Somada toda sua trajetória, são mais de 10 milhões de automóveis.
Além dos instrumentos, os programas alteram acelerador, freios ABS, controles de estabilidade e tração, escapamento, transmissão, direção e amortecedores
A proposta da Ford ao desenhá-lo foi associar sua atual imagem, como a grade em forma hexagonal, a elementos tradicionais do modelo como os frisos paralelos entre a grade e os faróis (hoje guias de leds para luz diurna), os ressaltos no capô, as lanternas tripartidas com efeito sequencial nas luzes de direção, o emblema circular GT no centro da traseira — que em outros tempos serviu de tampa para o bocal de combustível — e, claro, o cavalo a pleno galope no centro da grade, cuja imagem é também projetada no solo por uma luz de cortesia quando se destravam as portas.
Rodas negras de 19 polegadas com tala mais larga atrás que na frente, faróis de leds, aerofólio traseiro e quatro saídas de escapamento compõem o visual esportivo e “musculoso”. O coeficiente aerodinâmico (Cx) de 0,354 é bom para um esportivo. Curioso é haver uma gama de 11 cores, bem mais variada que a dos Fords fabricados aqui em grande volume.
Desenho da sexta geração combina a frente atual da marca a elementos de Mustangs do passado; pacote local inclui faróis de leds e rodas de 19 pol
No interior do Mustang, outro item de antepassados é o painel com desenho simétrico: a seção diante do passageiro é alta como a do quadro de instrumentos. Quadro, aliás, que é um dos atrativos do interior do modelo 2018. Trata-se de uma tela digital configurável com diferentes arranjos para os modos de condução. Normal, Esportivo (obtido ao colocar a transmissão em posição S) e Neve/Molhado (para pisos de baixa aderência) usam o mesmo padrão básico, com cinco mostradores em formato analógico. Passa-se ao Esportivo + e o conta-giros ganha destaque, com escala linear de 3.000 rpm em diante. Nos modos Pista e Drag (arrancada), o conta-giros é horizontal e o velocímetro fica restrito à indicação digital. Outra função são os mostradores de pista: cronômetro de aceleração e de volta e medidor de frenagem.
Claro que os modos não se limitam a reorganizar o quadro. A seleção entre os seis programas altera também resposta do acelerador (três níveis), atuação dos freios antitravamento ABS (dois) e dos controles eletrônicos de estabilidade (três) e de tração (três), ruído de escapamento (quatro), ponto das mudanças de marcha (quatro), assistência de direção (três) e carga dos amortecedores (quatro níveis). Existe ainda o My Mode (meu modo), programa com as escolhas individuais que só não afeta o controle de estabilidade (confira as opções na imagem na próxima página). Um sugestivo botão no volante com o cavalo correndo facilita a seleção.
Painel elevado diante do passageiro faz simetria com quadro de instrumentos, uma tela configurável que se reorganiza conforme o modo de condução
Os bancos dianteiros, largos e com apoio lateral pronunciado, oferecem ajuste elétrico parcial — o do encosto é manual —, aquecimento e ventilação; regulagem lombar vem apenas para o motorista. As conveniências de um carro de luxo estão presentes, como controlador da distância à frente, monitor frontal com detector de pedestre e frenagem automática, assistentes para manter a faixa de rolamento e comutar o facho dos faróis, chave programável com limitações de uso (como velocidade e uso de áudio) e monitor/indicador de pressão dos pneus. O sistema de áudio Shaker tem 12 alto-falantes, um de 8 pol para subgraves, potência de 390 watts e conexões a Android Auto e Apple Car Play.
A visibilidade geral é boa para o tipo de carro, com janelas relativamente amplas e retrovisor biconvexo em ambos os lados, adequação aos padrões vigentes fora dos EUA. Embora haja um banco traseiro, não espere colocar adultos ali: o espaço é diminuto em todas as dimensões e, para agravar, um passageiro na faixa de 1,75 metro ficará com o pescoço torto e a cabeça encostada no vidro traseiro, um risco em caso de qualquer solavanco. Em contrapartida, a capacidade de bagagem de 382 litros atende com folga à proposta. A tampa usa articulações pantográficas (há quanto tempo não vemos uma!) e um conjunto de reparo e compressor de ar substitui o estepe.
Próxima parte
Preço e equipamentos
Sistema de áudio Shaker com Sync 3, controlador de distância e assistente de faixa (à direita) compõem os itens de série; Ford não oferece opcionais
• Mustang GT Premium (R$ 299.900) – Alerta para veículo em ponto cego, amortecedores com ajuste magneto-reológico, ar-condicionado automático de duas zonas, assistente para permanência em faixa da via, bancos de couro com ajuste elétrico, aquecimento e ventilação nos dianteiros, câmera traseira de manobras, chave presencial para acesso e partida, computador de bordo, controlador e monitor da distância à frente com função para-anda, controle eletrônico de estabilidade e tração, faróis de leds (ambos os fachos) com comutação automática, fixações Isofix para cadeira infantil, limpador de para-brisa automático, monitor de pressão dos pneus, oito bolsas infláveis (frontais, laterais dianteiras, de cortinas e de joelhos), retrovisor interno fotocrômico, rodas de alumínio de 19 pol, sensor de estacionamento traseiro, sistema de áudio Sync 3 com navegador e tela de 8 pol (compatível com Apple Car Play e Android Auto), sistema de detecção de pedestre, volante com aquecimento.
Bancos com amplo apoio lateral e ajuste elétrico; espaço traseiro para cabeça é crítico; modos de condução alteram muitos parâmetros; escapamento pode ser ajustado em separado; aceleração e frenagem são medidas e informadas
Motor revisto, caixa de 10 marchas
O motor V8 de exatos 5.038 cm³, de codinome Coyote, usa soluções modernas como variação do tempo de abertura das válvulas de admissão e escapamento, dois sensores de detonação em cada bancada — importantes pela alta taxa de compressão, 12:1 — e pulverização térmica a plasma para obter um revestimento mais fino dos cilindros no bloco de alumínio. Como em alguns motores do grupo Volkswagen, são usadas tanto a tradicional injeção indireta no duto, para rotações e cargas mais baixas, quanto a injeção direta, mais eficiente com rotações e cargas elevadas.
A Ford do Brasil participou tanto do desenvolvimento do projeto (sistemas de admissão de ar, arrefecimento, combustível e coxins do motor) quanto das validações e modificações para nosso mercado (recalibração para o combustível, testes de durabilidade e ruídos). Na linha 2018 houve aumentos de potência e torque e, segundo a fábrica local, a adaptação a nossa gasolina alcoolizada trouxe mais algum ganho. O GT ficou com 466 cv a 7.000 rpm (com limite de 7.500 rpm) e 56,7 m.kgf a 4.600 rpm, com 82% desse torque a 2.000 rpm, valores atingidos mesmo com gasolina comum.
Motor de 5,0 litros com dois sistemas de injeção passou a 466 cv no Brasil; caixa automática agora tem 10 marchas; porta-malas com articulações pantográficas
De acordo com a fábrica, ele acelera de 0 a 100 km/h em 4,3 segundos — 0,1 s atrás do Camaro, que é mais leve por 74 kg — e alcança velocidade máxima de 250 km/h. O escapamento oferece ajuste entre quatro níveis de ruído e ainda permite programar uma faixa de horário para atuação mais silenciosa: evita-se, por exemplo, acordar o bebê ou incomodar vizinhos na partida matinal.
O motor V8 impõe aceleração próxima do brutal e as marchas se sucedem em trocas instantâneas, enquanto o escapamento conquista os ouvidos
Também nova este ano é a transmissão automática de 10 marchas, a primeira em automóvel no Brasil — sem contar caixas de cinco marchas com reduzida, claro —, dotada de seis embreagens e capaz de fazer trocas em menos de 0,5 segundo. Tantas marchas servem tanto para ampliar o leque de relações (chega a 7,5 na divisão da primeira pela décima) quanto para deixar as relações mais próximas entre si, o que produz aceleração mais rápida e progressiva. Não há intenção, diz a Ford, de oferecer aqui a caixa manual de seis marchas ou o motor Ecoboost turbo de 2,3 litros.
O pacote Performance, padrão no Brasil, traz mais potência que no GT básico e anexos como diferencial autobloqueante da renomada Torsen, radiador e freios com maior capacidade, pneus Michelin Pilot Sport 4S e o sistema Magne Ride de ajuste magneto-reológico da carga dos amortecedores. A suspensão, que na atual geração enfim deixou no passado o eixo traseiro rígido, usa os conceitos McPherson na frente e multibraço atrás. A Ford anuncia boa repartição de peso tendo em vista o V8 dianteiro, com 55% sobre esse eixo. A função Line Lock aciona os freios da frente enquanto permite aos pneus traseiros girar em falso, para seu aquecimento antes da largada.
Aceleração do V8 está perto do brutal, embalada em trilha sonora empolgante, mas eletrônica mantém tudo sob controle; Ford divulga 4,3 s para 0-100 km/h
Ao volante do Mustang
Para o lançamento à imprensa, a Ford definiu uma avaliação à altura do carro: três voltas pelo autódromo Vello Cittá, em Mogi Guaçu, no interior paulista, e um trajeto rodoviário na região, no qual dirigimos por cerca de 50 quilômetros. Na estrada, as sensações são promissoras: o motor V8 impõe aceleração próxima do brutal e as marchas se sucedem em trocas instantâneas, enquanto o escapamento produz uma trilha sonora que conquista os ouvidos. Passar de 100 km/h a velocidades impublicáveis é coisa de piscar os olhos.
Das muitas configurações promovidas pelos modos de condução, duas ficam muito claras: a do escapamento — que dá vontade de manter no modo Pista para sempre — e a da suspensão. E aí se percebe quanto a Ford acertou ao trazer o Mustang com amortecedores reguláveis: o programa Normal o deixa suave e tolerante às ondulações do asfalto, enquanto o Esportivo + é firme e sacrifica o conforto em nome da sensação de maior estabilidade.
Feroz ou confortável? Com projeto moderno e ajustes como o dos amortecedores, o Mustang pode obter a ambos os perfis, conforme o motorista quiser
Chegamos à pista: é hora de explorar o cavalo selvagem em ambiente adequado, com uma volta em modo Esportivo e duas em Esportivo + (não usamos Pista a fim de manter o controle de tração ativo, tampouco desativamos o de estabilidade, a pedido da Ford). Depois de um período de aclimatação ao carro e à pista, o ritmo aumenta e vamos nos entendendo melhor com as reações rápidas do Mustang. Embora ele tenda ao subesterço nas curvas de menor raio, é possível obter atitude mais neutra com o uso do acelerador, mesmo com a eletrônica em ação. Nas chicanes aplicadas pela Ford ao circuito, nota-se a traseira escapando, para ser logo corrigida, quando se muda de direção com rapidez. No retão, levar terceira e quarta marchas ao limite de 7.500 rpm deixa os ouvidos em êxtase.
Foi pouco tempo de pista (gostaríamos de ainda estar ao volante), mas o bastante para confirmar que a Ford conseguiu um esportivo de classe mundial. O Mustang deixou no passado a imagem de carro para acelerar em reta, sujeito a saltos do pesado eixo rígido e a grande desconforto no uso cotidiano. Com projeto moderno e amplas configurações, é um carro feroz quando se deseja e confortável quando se precisa. Se há algo a criticar, é apenas todo o tempo que ele levou para chegar até nós.
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Ficha técnica
| Motor | |
| Posição | longitudinal |
| Cilindros | 8 em V |
| Comando de válvulas | duplo nos cabeçotes |
| Válvulas por cilindro | 4, variação de tempo |
| Diâmetro e curso | 93 x 92,7 mm |
| Cilindrada | 5.038 cm³ |
| Taxa de compressão | 12:1 |
| Alimentação | injeções direta e multiponto sequencial |
| Potência máxima | 466 cv a 7.000 rpm |
| Torque máximo | 56,7 m.kgf a 4.600 rpm |
| Transmissão | |
| Tipo de caixa e marchas | automática, 10 |
| Tração | traseira |
| Freios | |
| Dianteiros | a disco ventilado |
| Traseiros | a disco ventilado |
| Antitravamento (ABS) | sim |
| Direção | |
| Sistema | pinhão e cremalheira |
| Assistência | elétrica |
| Suspensão | |
| Dianteira | independente, McPherson, mola helicoidal |
| Traseira | independente multibraço, mola helicoidal |
| Rodas | |
| Dimensões (diant./tras.) | 9 x 19 pol / 9,5 x 19 pol |
| Pneus (diant./tras.) | 255/40 R 19 / 275/40 R 19 |
| Dimensões | |
| Comprimento | 4,789 m |
| Largura | 1,916 m |
| Altura | 1,382 m |
| Entre-eixos | 2,72 m |
| Capacidades e peso | |
| Tanque de combustível | 61 l |
| Compartimento de bagagem | 382 l |
| Peso em ordem de marcha | 1.783 kg |
| Desempenho | |
| Velocidade máxima | 250 km/h |
| Aceleração de 0 a 100 km/h | 4,3 s |
| Dados do fabricante; consumo não disponível | |