Depois de enfrentar crises, perder e recuperar sua identidade, um dos esportivos mais famosos do mundo completa 50 anos de sucesso
Texto: Marcelo Ramos e Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
No início da década de 1960 a Ford Motor Company assistia ao crescimento de um nicho de mercado: consumidores que buscavam carros menores, mais simples e baratos, mas com motor potente e certa esportividade. A opção mais esportiva da Ford era o Thunderbird, lançado em 1954, que logo na primeira reformulação em 1957 havia perdido seu ímpeto e se transformado em um “Cadillac da Ford”. Por outro lado, a General Motors estava sorrindo de orelha a orelha pelo sucesso de seu Chevrolet Corvette, que se mantinha como único carro esporte norte-americano.
Em busca de um produto capaz de atender à nova demanda, Henry Ford II, o número 1 da empresa, solicitou a Lee Iacocca, presidente da divisão Ford, que desenvolvesse um “carro pessoal” barato com apelo esportivo, estilo jovial e porte pequeno. O primeiro resultado veio com o conceito Mustang, de 1962, desenhado por Joe Oros. O nome era uma homenagem dada por John Najjar, que trabalhou no projeto, ao P-51 Mustang, avião de caça da Segunda Guerra Mundial que ele havia pilotado.
Era um carro com desenho futurista e carroceria construída em alumínio sobre chassi tubular. Compacto (3,91 metros de comprimento, 2,28 m entre eixos) e leve (apenas 700 kg), possuía um enorme capô no estilo “focinho de tubarão” (que anos mais tarde seria adotado pelo Dodge Charger Daytona), grandes tomadas de ar laterais, barra de proteção e traseira limpa, com escapamentos saindo da carroceria. Sua apresentação no GP dos Estados Unidos de Fórmula 1, em Watkins Glen, causou grande repercussão.
O primeiro conceito Mustang era um pequeno carro esporte com motor V4
central-traseiro; no segundo (à direita), semelhança bem maior ao de produção
A equipe de engenharia e desenvolvimento empregou uma suspensão independente nas quatro rodas, o que era incomum na época — os eixos rígidos predominavam na traseira. Também adotou um motor peculiar, um quatro-cilindros em “V” de 1,5 litro da Ford europeia em posição central-traseira com potência de 90 cv. O câmbio de quatro marchas ficava junto do diferencial (transeixo), a direção era por pinhão e cremalheira e os freios dianteiros usavam discos, também raros àquele tempo.
Um dos trunfos do Mustang era a ampla oferta
de motores e acessórios, que atendia desde
à jovem até ao entusiasta por alto desempenho
Apesar de sua proposta interessante, o carro não atendia aos objetivos de baixo custo de produção. Por isso, pouco do primeiro conceito — além do nome — foi aproveitado no projeto do modelo de produção. Logo no ano seguinte era apresentado outro estudo, o Mustang II, com características de estilo que seriam adotadas no modelo final. Com teto baixo e longo capô, trazia elementos que fariam parte da identidade do Mustang: grade frontal decorada com o famoso “cavalo galopante”, linhas laterais com vincos nos para-lamas traseiros e lanternas triplas verticais. Agora dianteiro, o motor V8 tinha 4,75 litros e 271 cv.
O lançamento
Às vésperas do Salão de Nova York de 1964, já era esperado que a Ford apresentasse o modelo definitivo do Mustang. No entanto, a surpresa no dia 17 de abril — exato meio século antes da publicação deste artigo — foi geral e causou furor no mercado, transformando-o em um sucesso imediato. A repercussão foi tamanha que o Plymouth Barracuda com carroceria fastback, lançado duas semanas antes (2 de abril) e verdadeiro introdutor desse segmento, parecia ter-se tornado ultrapassado.
Revelado em 17 de abril de 1964, o Mustang causou sensação e recebeu 22 mil
pedidos no primeiro dia; à direita, apresentação do fastback em Nova York
Lançado como modelo “1964 e meio”, pois ainda era cedo para a linha 1965, o Mustang possuía estilo único, que se diferenciava dos carros fabricados na época. O desenho criado por Joe Oros, L. David Ash e Gale Halderman era limpo, sem excesso de entalhes e cromados. Apesar da semelhança, as linhas eram mais harmônicas que as do conceito Mustang II. Tratava-se de dois modelos, um cupê e um conversível, ambos de quatro lugares com grande capô, traseira curta e teto baixo. Os vincos que tomavam quase toda a lateral conferiam-lhe um ar esportivo.
A grade frontal estampava o cavalo ao centro, assim como no conceito, ladeada por faróis circulares em posição recuada. As lanternas traseiras permaneciam triplas e verticais, a exemplo do Mustang II, mas menores e mais discretas. O para-choque traseiro integrado à carroceria se tornaria referência para diversos modelos como Chevrolet Camaro, Pontiac Firebird, Dodge Charger e Challenger. Por dentro o Mustang oferecia bom nível de conforto e aparência inspirada nos esportivos europeus, com bancos dianteiros individuais (um inteiriço também estava disponível), console central e volante de três raios. O painel trazia o velocímetro em escala horizontal, como se veria no Galaxie/Landau brasileiro.
Um dos trunfos do Mustang era a ampla oferta de motores, opcionais e acessórios, que permitiam atender desde à jovem interessada em um carro acessível até ao entusiasta por alto desempenho. As opções passavam por ar-condicionado, rádio, conta-giros no painel, caixa de câmbio automática, controle elétrico da capota conversível, diferentes rodas e calotas — uma delas imitava as rodas esportivas com “borboleta” de fixação central —, freios dianteiros a disco, diferencial autobloqueante e assistência para freios e direção.
Lee Iacocca e Donald Frey, que chefiou o desenvolvimento do Mustang, juntos
a um cupê 1965; a variedade de opções e acessórios era destaque do modelo
Baseado na plataforma do Falcon, o sedã compacto da Ford, o Mustang também herdava dele os motores de seis cilindros em linha da gama básica, um 2,8-litros que rendia 101 cv (potência bruta, como todas deste artigo até 1971) e um 3,3-litros de 116 cv. Esse recurso permitiu reduzir o preço a US$ 2.500, muito convidativo. Se o comprador quisesse mais vigor, podia optar pelo V8 de 260 polegadas cúbicas (4,3 litros) e 164 cv ou pelo de 289 pol³ (4,7 litros) em três versões: com carburador de corpo duplo para 210 cv, de corpo quádruplo para 220 cv e, por último, o pacote K-Code de alta taxa de compressão, que elevava a potência a 271 cv.
O câmbio manual de três marchas era de série em toda a linha, exceto na versão de 271 cv, que vinha com quatro marchas — câmbio opcional para os demais motores, assim como uma caixa automática de três marchas. Seu comprimento reduzido para a época, apenas 4,5 metros (com 2,74 m entre eixos), e a potência de seus motores fizeram surgir o conceito de pony-car ou carro-pônei, alusão ao cavalo pequeno, mas robusto.
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