Territory, uma boa solução para a Ford que vem da China

SUV médio asiático preenche lacuna na marca e mostra bons atributos: confira teste completo da versão Titanium

Texto e fotos: Fabrício Samahá

 

Os carros chineses vieram para ficar? Essa parecia uma promessa há 10 anos, quando marcas como JAC e Lifan trouxeram ao mercado nacional automóveis bem-equipados a preços atraentes — mas o programa Inovar-Auto, fazendo disparar a tributação de IPI, tornou a vida deles bem mais difícil. Depois veio a Caoa Chery, associação para fabricar aqui os modelos chineses, o que reduziu impostos e obteve relativo sucesso.

Agora, pela primeira vez, um carro fabricado na China é oferecido por um grande fabricante instalado no Brasil: o Ford Territory, produzido em Nanchang pela JMC (Jiangling Motors Corporation), uma associada que também faz os modelos Everest, Transit e Transit Tourneo para a Ford. O utilitário esporte de tamanho médio vem ocupar uma lacuna importante na linha do oval azul, que antes mostrava enorme vazio entre o Ecosport mais caro e o Edge. Agora a Ford tem um competidor para Chevrolet Equinox, Hyundai Tucson, Jeep Compass (dono de 55% das vendas da categoria), Kia Sportage, Peugeot 3008 e Volkswagen Tiguan, entre outros.

 

Derivado de um modelo da chinesa JMC, que o produz, o Territory vem em duas versões a partir de R$ 165.900; a Titanium das fotos inclui rodas de 18 pol

 

O Territory estreia em duas versões: SEL, ao preço sugerido de R$ 165.900, e Titanium, por R$ 187.900. Ambas usam motor turboalimentado de 1,5 litro a gasolina com injeção direta, potência de 150 cv e torque de 22,9 m.kgf, com transmissão automática de variação contínua (CVT) e tração dianteira, sem previsão de sistema integral (veja no quadro abaixo os equipamentos de série de cada versão). Na fase de pré-venda, de 7 a 31 de agosto, os 250 primeiros compradores da versão superior ganham três revisões e um ano de seguro. As entregas começam em setembro.

 

 

Conhecido dos brasileiros desde sua aparição no Salão do Automóvel de São Paulo em 2018, o estilo do Territory agrada e resulta em boa aerodinâmica para um SUV (Cx 0,36). Os faróis usam apenas leds (salvo os de neblina) e a linha de cintura tem forte ascensão rumo à traseira, enquanto a parte superior das janelas descreve uma trajetória irregular, como se o teto tivesse sido prolongado usando as portas traseiras de um sedã. As saídas de escapamento no para-choque são falsas — a verdadeira está abaixo, à esquerda. A origem do projeto é o JMC Yusheng S330, lançado na China em 2016, mas a variação para a Ford ganhou novo desenho na frente e no painel.

O interior da versão Titanium deixa ótima impressão, tanto pelos materiais quanto pelo tom creme do revestimento, que se combina a apliques em padrão de madeira fosca e em preto brilhante. O creme está tanto no couro dos bancos quanto em parte das portas, do painel e do console em um ambiente de bom gosto. Nessa opção de topo não faltam conveniências como ajuste elétrico do banco do motorista (incluindo altura e intensidade do apoio lombar, mas sem memórias), ventilação e aquecimentos dos bancos dianteiros e carregador de celular por indução com dois modos (5 e 15 W).

 

Interior deixa ótima impressão em materiais e acabamento; instrumentos são tela de 10 pol com três arranjos (clássico, “fashion” e esportivo, a partir da esquerda)

 

O motorista encontra boa posição no banco confortável, embora escasso em apoio em curvas rápidas, e tem diante de si um quadro de instrumentos digital em tela de 10 polegadas, fácil de ler de dia e de noite, que admite três modos de visualização: um tradicional, um que lembra o quadro de Fusion e Ranger (velocímetro no centro) e outro esportivo, em que até o conta-giros informa apenas por números de 50 em 50 rpm — a nosso ver, depois de conhecer cada um, o ideal é deixar no tradicional. Nos três há velocímetro digital e o computador de bordo oferece três trajetos de medição de consumo, um deles zerado quando se abastece.

 

As assistências do Territory Titanium incluem controlador de distância à frente, frenagem autônoma, alertas de faixa e pontos cegos e auxílio para estacionar

 

A central de áudio Sync Touch, exclusiva para os mercados da América do Sul, usa uma tela ampla (10,1 pol) e bem integrada ao visual do painel. É fácil de operar e oferece um prático meio de dividir o espaço entre as quatro funções (áudio, telefone, ar-condicionado e configurações), bastando arrastar um divisor central. Assim, pode-se ter a visão completa de uma função e a resumida das outras três, ou mesmo preencher a tela com uma só função. O ponto negativo é depender de toques na tela até para ajustar a temperatura do ar (uma só, pois não tem duas zonas) e ativar a recirculação. Por outro lado, funções de áudio têm comando no console, ao estilo do I-Drive da BMW. A integração a celular por Apple Car Play pode operar sem fio; Android Auto, apenas com cabo.

O pacote de assistências da versão Titanium é amplo: controlador de distância à frente (com função para-anda, o que não ocorre na Ranger, por exemplo), monitor dessa distância com alerta e frenagem autônoma, alerta para saída da faixa da via (não intervém na direção como o do Edge), monitor de veículos em pontos cegos nas laterais e assistente para estacionar. Quatro câmeras — na frente, na traseira e sob os retrovisores externos — mostram imagens ao redor, com ótima resolução, e podem compor uma visão superior de 360 graus. As câmeras ativam-se ao rodar ou manobrar em baixa velocidade, muito prático em locais apertados. Liga-se a luz de direção à esquerda, por exemplo, e a imagem daquele lado ganha seu espaço na tela.

 

Tela de 10 pol da central pode dedicar mais espaço a uma função sem esconder as outras; câmeras de 360 graus ativam-se em baixa velocidade; comando no console aciona algumas funções, mas as de ar-condicionado ficam quase todas na tela

 

O carro traz ainda um modem para acesso remoto a funções e informações. Com o aplicativo Ford Pass no celular o motorista pode travar e destravar portas, ligar o motor e o ar-condicionado a distância, localizar o carro, checar pressão de pneus e nível de combustível, receber alertas de funcionamento e de disparo do alarme. O serviço é gratuito no primeiro ano.

 

 

Outros detalhes dignos de menção: foco de luz sob os retrovisores externos ao destravar o carro, forro de teto solar com vedação completa de raios solares (raro nesse tipo panorâmico), freio de estacionamento com comando elétrico e retenção automática em paradas, luzes internas com sete opções de cores, quatro tomadas USB, tomada de 12 volts no porta-malas e grande espaço para objetos no console central. Entre os pontos melhoráveis, o comando a distância para descer vidros faz o teto solar abrir por inteiro (contraproducente quando o carro está sob Sol intenso), não há faixa degradê no para-brisa e o sistema de áudio só funciona com ignição ligada — não o arranjo típico da marca.

Próxima parte

 

Bem-equipado: controlador de distância à frente, teto solar panorâmico, ajuste elétrico do banco, assistente para estacionar, retenção nas paradas, monitor de pressão e temperatura dos pneus, saídas de ar para o banco traseiro

 

Versões, preços e equipamentos de série

• Territory SEL (R$ 165.900) – Acesso remoto a funções por aplicativo no telefone, ar-condicionado automático, bancos com revestimento sintético, bolsas infláveis laterais dianteiras e de cortina, câmera e sensores na traseira, central de áudio com tela de 10,1 polegadas, conexão sem fio com Apple Car Play e conexão via cabo com Android Auto e Apple Car Play; chave presencial para acesso e partida, computador de bordo, controlador de velocidade, controle eletrônico de estabilidade e tração, faróis de leds, faróis de neblina, monitoramento de pressão e temperatura dos pneus, quatro entradas USB, retrovisor interno fotocrômico, rodas de alumínio de 17 pol com pneus 235/55, teto solar panorâmico elétrico.

• Territory Titanium (R$ 187.900) – Como o SEL mais alerta de colisão com frenagem autônoma de emergência, alerta de mudança de faixa, assistente de estacionamento, banco do motorista com ajuste elétrico, bancos dianteiros com aquecimento e ventilação, bancos revestidos em couro (parcial) na cor bege, câmeras e sensores em 360°, carregamento sem fio para celular, controlador de distância à frente com função para-anda, faróis e limpador de para-brisa automáticos, luz ambiente configurável em sete cores, monitoramento de ponto cego, quadro de instrumentos com tela de 10 pol configurável em três modos, retrovisores com luzes de cortesia e rebatimento elétrico, rodas de alumínio de 18 pol com pneus 235/50, sistema de áudio com 8 alto-falantes.

• Garantia – Três anos sem limite de quilometragem.

Próxima parte

 

Revestimento em couro creme vem de série no Territory Titanium, que esbanja espaço para pernas no banco traseiro; porta-malas de 348 litros é ponto negativo

 

Pode-se perguntar se a origem chinesa do Territory transparece em algum lugar que não a etiqueta de fabricação sob o capô. A resposta é não: tudo normal e correto em acionamento e operação, sem arranjos estranhos ou traduções incorretas, e todas as informações das telas em português brasileiro. O SUV demonstra construção e acabamento cuidadosos, incluindo a carroceria com vãos estreitos e bem regulares entre seus painéis — por esse item, talvez fosse bom que todos os Fords viessem da China. E o cofre traz coberturas plásticas para o motor, a bateria e os reservatórios de fluidos, cuidado desconhecido na marca.

 

 

O Territory oferece um interior espaçoso para a cabeça e os ombros de todos os ocupantes e, em especial, para as pernas de quem viaja atrás — cujo assento de forma arredondada, porém, não apoia muito bem as coxas. O encosto traseiro admite duas posições, uma mais reclinada. Decepciona a capacidade de bagagem de 348 litros, típica de hatch médio, sob a qual fica o estepe temporário. Embora o principal rival Compass não ofereça muito mais (411 litros), há no segmento opções generosas como os 686 litros do Tiguan (com cinco lugares em uso) e os 520 litros do 3008.

 

Ciclo Miller e transmissão CVT

O motor do Territory é exclusivo do modelo por aqui: um quatro-cilindros turbo (sem relação com o de três do Fiesta ST europeu) que dispõe de bons elementos como injeção direta, variação do tempo de abertura das válvulas e acionamento dos comandos por meio de corrente. Contudo, tanto pela cilindrada modesta quanto por operar no ciclo Miller para maior eficiência, os índices de potência (150 cv) e torque (22,9 m.kgf) são apenas razoáveis. Também de 1,5 litro, o Honda CR-V obtém 190 cv e o Tiguan alcança 25,5 m.kgf com motor 1,4 turbo.

 

Motor turbo de 150 cv e caixa CVT trazem resposta ágil ao Territory, apesar da 1,6 tonelada, mas em altas rotações o desempenho é apenas adequado

 

Com um peso considerável de 1.632 kg, o novo Ford anuncia desempenho apenas regular, com aceleração de 0 a 100 km/h em 11,8 segundos pelo dado de fábrica. Nosso teste usando estol na saída (pode ser que a fábrica não use esse método) obteve melhor marca, 10,5 s, à frente de Compass Limited e Sportage EX (12,1 s), mas atrás de 3008 (9,4 s) e Tiguan Comfortline (9,9 s). Sem estol nota-se ligeiro retardo até a turbina encher e o carro ganhar ímpeto.

 

No uso urbano a sensação é de agilidade, com bom isolamento de ruídos e vibrações, mas a potência modesta aparece em subida de serra ou ultrapassagem a pleno

 

A transmissão CVT, a primeira em um Ford não híbrido por aqui (apenas o Fusion Hybrid usava uma, mas de concepção diferente), usa conversor de torque para a ligação ao motor, receita para obter agilidade nas saídas. No canal de seleção manual à direita ocorre simulação de oito marchas, com mudanças para cima na faixa 5.000-5.400 rpm ao acelerar a pleno, mas não redução, mesmo que se pise no acelerador até o fim. Em D a operação é típica de CVT: sob aceleração total o giro cresce até 5.400 e estaciona, o que traz o melhor desempenho. O programa Sport, que também afeta acelerador e assistência de direção, não influi nessa definição.

No uso urbano a sensação ao acelerar o Territory é de agilidade, pois o acelerador promove grande abertura da borboleta e a CVT mantém certas rotações, salvo quando se anda com muita parcimônia. Mesmo em velocidade constante em rodovia, a caixa encurta a relação em subidas e os giros podem subir de 1.800 para 3.500 rpm para manter 120 km/h, por exemplo. A potência modesta aparece, porém, em subida de serra ou uma ultrapassagem a pleno. Boa nota vai para o isolamento de ruídos e vibrações: mesmo com motor um pouco áspero e ruidoso em altas rotações, esses incômodos ficam de fora.

 

Mesmo com a suspensão (multibraço na traseira) recalibrada pela Ford, o comportamento não tem a identidade da marca; faróis de leds são muito eficientes

 

O SUV mostrou também consumo adequado, com 12,3 km/l de gasolina no trajeto urbano leve e 11,6 km/l no rodoviário. O 3008 foi mais econômico (13,6 e 12,3 km/l) e o Tiguan fez 11,9 e 11,8 km/l, na mesma ordem. O Compass, sem turbo ou injeção direta, conseguiu apenas 10,8 e 11,1 km/l na versão Limited. O tanque de apenas 52 litros é que limita um pouco a autonomia.

 

 

O restante do conjunto mecânico do Territory é típico do segmento, caso da suspensão traseira multibraço, e até os pneus são de marca familiar, Goodyear em nosso carro — chineses, mas com engenharia europeia, segundo inscrição nos flancos. A mão da Ford na calibração para o Brasil incluiu, além de pneus mais silenciosos, novos parâmetros para buchas e amortecedores, provavelmente com o fim de melhorar o comportamento dinâmico, pois os carros chineses costumam ter suspensão macia demais para nosso padrão. E como ficou?

Ficou bom, mas não ficou um Ford. O rodar mostra conforto de modo geral, com boa absorção de movimentos lentos e aptidão para transpor lombadas. Já impactos curtos e rápidos são mais transmitidos à cabine do que o habitual na marca, possível indicação de buchas muito firmes. O comportamento em curvas está adequado à proposta, com subesterço aceitável e traseira que não quer sair nem mesmo ao se cortar o acelerador — boa definição para um carro familiar. Só não espere a vivacidade de comportamento, o elevado controle pelos amortecedores e a direção precisa que se tem desde um Ecosport até um Edge: nesse aspecto o Territory está mais para um SUV sul-coreano que para um Ford.

 

Desempenho pode depor contra o Territory na faixa de preço da versão superior, mas não a origem chinesa: SUV revela boa qualidade de acabamento e construção

 

No uso pacato a direção revela assistência correta e só incomoda pelo diâmetro de giro, maior que o esperado por seu tamanho (o Equinox sofre do mesmo mal). Já os freios merecem revisão: a sensação é de curso longo de pedal e pouco poder de frenagem no uso moderado, requerendo breve adaptação pelo motorista. De resto, o Territory tem ótimos faróis, boa visibilidade geral (com prejuízo mediano pelas colunas dianteiras) e alta dotação de equipamentos de segurança ativa e passiva — indica até a temperatura dos pneus, além de sua pressão.

Se gostamos do Territory? Sim: é elegante e bem-acabado por dentro, espaçoso, muito bem-equipado em conforto e assistências ao motorista e comporta-se bem como um carro familiar. Como limitações, tem pouco espaço para bagagem e desempenho apenas adequado, em uma faixa de preço que oferece opções potentes como o Equinox de 2,0 litros e 262 cv. Além do aguardado preenchimento da lacuna na linha de SUVs da marca, sua melhor notícia pode ser que a origem em nada desabona o novo modelo da Ford.

A julgar pelo contato inicial com o Territory, os chineses vêm mesmo para ficar.

Mais Avaliações

 

Desempenho e consumo

Aceleração
0 a 100 km/h 10,5 s
0 a 120 km/h 14,9 s
0 a 400 m 17,5 s
Retomada
60 a 100 km/h 6,6 s
60 a 120 km/h 10,9 s
80 a 120 km/h 7,8 s
Consumo
Trajeto leve em cidade 12,3 km/l
Trajeto exigente em cidade 6,2 km/l
Trajeto em rodovia 11,6 km/l
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Ficha técnica

Motor
Posição transversal
Cilindros 4 em linha
Comando de válvulas duplo no cabeçote
Válvulas por cilindro 4, variação de tempo
Diâmetro e curso 79 x 76 mm
Cilindrada 1.490 cm³
Taxa de compressão 11,4:1
Alimentação injeção direta, turbo, resfriador de ar
Potência máxima 150 cv a 5.300 rpm
Torque máximo 22,9 m.kgf de 1.500 a 4.000 rpm
Transmissão
Tipo de caixa e marchas automática de variação contínua, simulação de 8 marchas
Tração dianteira
Freios
Dianteiros a disco ventilado
Traseiros a disco
Antitravamento (ABS) sim
Direção
Sistema pinhão e cremalheira
Assistência elétrica
Suspensão
Dianteira independente, McPherson, mola helicoidal
Traseira independente, multibraço, mola helicoidal
Rodas
Dimensões 18 pol
Pneus 235/50 R 18
Dimensões
Comprimento 4,58 m
Largura 1,936 m
Altura 1,674 m
Entre-eixos 2,716 m
Capacidades e peso
Tanque de combustível 52 l
Compartimento de bagagem 348 l
Peso em ordem de marcha 1.632 kg
Desempenho e consumo
Velocidade máxima 180 km/h
Aceleração de 0 a 100 km/h 11,8 s
Consumo em cidade 9,2 km/l
Consumo em rodovia 10,0 km/l
Dados do fabricante; consumo de gasolina conforme padrões do Inmetro

 

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