Dedo do destino instou a EPA a retestar os motores a diesel dos produtos VW, que se adaptavam a testes para poluir menos
Há poucos dias Martin Winterkorn, CEO da holding Volkswagen, deveria estar tomando providências paralelas à sua posse como membro do Conselho Diretor da marca e à renovação de seu contrato até 2018.
Engenheiro, meticuloso, preciso, teria escolhido ao camiseiro e alfaiate em visita ao último andar do prédio de tijolos, sede da empresa em Wolfsburg, Alemanha, com vista para o Rio Aller, a trama do algodão egípcio para a camisa branca, tomado a última medida para o terno em lã fria 150 mesclada com seda, cortado como jaquetão em variação de azul escuro, marca registrada do conservadorismo alemão; e, rasgo de liberalidade, ligado a Thomas Schmall, mais novo diretor, ido do Brasil, para saber o nome da designer brasileira autora das discretas abotoaduras compondo seu visual.
O discurso estava pronto, com possível opinião final de Michael Lange, seu homem de relações com a imprensa internacional e com idêntica passagem pelos olhos de Mario Guerreiro, português poliglota, antecessor de Lange e hoje VP nos EUA, um dos mercados mais visados pela Volkswagen. Conciso, deveria falar linguagem mundial, onde a empresa atua com seus 660 mil funcionários.
Evitaria, com habilidade, abrasão com Ferdinand Pïech. Ex-ocupante de seu lugar, ex-membro, ex-presidente do Conselho, de onde saiu, há três meses, de maneira surpreendente, ao perder a votação no pequeno colegiado, contra a chegada de Winterkorn.
Quem
Pïech, talvez o presidente mais realizador na Volkswagen, traçou o marketing performático da Audi, criou o modelo Quattro, comandou a aquisição de marcas, a construção do Autostadt, é figura de relevo. Aos 78 é um da meia dúzia de acionistas da Porsche SE, a controladora da Volkswagen e 11 marcas associadas. E tem ações, muitas, da Volkswagen.
O sobrenome o ancora no panorama industrial do automóvel na Alemanha. Ele é filho de Anton, o advogado casado com a filha do Professor Porsche. Foi quem deu base legal e feição jurídica ao pequeno escritório hoje desdobrado em tantos e lucrativos negócios. Pïech, neto do primeiro dos Porsches, é o patriarca da família e acrescenta ao seu curriculum ter salvo a VW de quebra que parecia iminente.
Agastar-se com ele nubla o futuro.
Mas não haverá discursos, nem posse para Winterkorn. Ele renunciou ao cargo executivo. É hoje o ex-quase. A razão da renúncia coloca uma pedra negra no fim de seu caminho, em especial pelo momento mundial. Winterkorn foi abatido no penúltimo degrau de sua até então bem sucedida carreira.
Negócios
Problema ultrapassa os gramados da Volkswagen e seu burgo. Institucionalmente a Alemanha, base dos negócios, está em grande fase. Entesourada, dá exemplo, traça regra econômica, é voz poderosa. Tem preocupação ecológica e se orgulha de praticar e cobrar ações neste sentido.
A Volkswagen tem bom projeto e bem o administra: ser líder mundial em 2018, e tudo indicava, aconteceria neste ano, quando ultrapassou a líder Toyota. Pïech desenvolveu ações — e até um automóvel — para mostrar-se líder em redução de consumo e emissões. Reconhecida cultora da sustentabilidade, dá exemplo mundial por construir usinas hidro-elétricas no Brasil para reduzir sua demanda energética.
Entretanto, curiosamente, o dedo do destino — ou algum outro dedo poderoso — instou a EPA, Environmental Protection Agency, órgão norte-americano de regras ecológicas, a retestar os motores a diesel dos produtos Volkswagen vendidos nos EUA. Constatou, tais engenhos reconheciam o protocolo de avaliação, mudando de regulagem para se enquadrar nos parâmetros. Fora, poluíam. Em exame, não.
Caminhada
Anunciada a descoberta, a VW mundial não discutiu nem tergiversou: fez um mea culpa no mercado dos EUA e outro comunicado ao mundo pedindo desculpas, destinou metade de sua previsão de lucros em 2015 — 6,5 bilhões de Euros para correções e compensações —, suspendeu a venda de carros a diesel nos EUA, autorizou recall para correções de impossível fazer em curto prazo — trocar 11 milhões de chips de injeção, e tal quantidade não é disponível, sequer foi fabricada.
Apesar do imediatismo da resposta, não esvaziou a questão: suas ações caíram 20% em valor e o Conselho Supervisor declarou sua desconfiança sobre Winterkorn. De autoridade ao aguardo da renovação do contrato, restou-lhe dizer-se surpreendido, sem nada saber, assumir a falha, renunciar.
Mas o negócio saiu do caminho automobilístico, entrou no ecológico e no político. O mundo do diesel como combustível foi atingido. Estudos e especialistas apareceram e demandas questionam o uso do diesel — não dos motores diesel VW —, com alegações técnicas assemelhadas: em suas emissões, na prática a teoria é outra.
Entidades do meio ambiente de todo o mundo querem aferições em seus países. No varejo, outras marcas, ante a oportunidade de aproveitar vendas eventualmente decrescentes para a marca alemã, instigam governos a protestar e auditar VWs. E existirão multas mundiais. Nos EUA fala-se em US$ 18 bilhões. No Brasil o único diesel VW é da picape Amarok e não se sabe se o Ministério do Meio Ambiente mandará reaferi-lo.
Vendas diminuirão? Tempo dirá. Este é o segmento final. Afinal, a base do conceito mundial de Volkswagen é de carro resistente, confiável, durável, com liquidez para revenda, e estas qualidades continuarão existindo ao motorista do Volkswagen, do Porsche, do Seat, do Sköda, com ou sem motor diesel.
No Brasil isto ocorreu pioneiramente há duas décadas, na interface para a mudança entre o carburador e a injeção. A Fiat aplicava carburador apto a gastar e poluir menos, controlando-o por certa Econo-Box. Depois de aferido e homologado, descobriu-se: ao perceber a sequência do protocolo, alterava a regulagem e enquadrava o motor no parâmetro legal. Na operação normal, poluía. A Fiat, após muito discutir, assinou um TAC, termo de ajustamento de conduta, fez compensação ao meio ambiente. E as vendas não caíram.
Nas mudanças o novo CEO para a VW AG, a holding, será possivelmente Matthias Müller, 59, presidente da Porsche. CEO da marca VW Herbert Diess, recém-vindo da BMW, deve ser barrado pelo conservadorismo alemão. Não parece, mas a grande e internacional VW é uma empresa familiar.
O Prof. Dr. Martin Winterkorn vai para casa, viajar, abrir negócio próprio, diferente do ramo — um ex-presidente da Daimler tem hoje pequena cervejaria na Baviera —, ou talvez lhe sugiram usar seu talento para viabilizar a maior questão europeia de hoje: receber e acomodar os milhões de sírios deixando seu país e buscando sobreviver na Europa.
Qualquer seja a opção, levará uma dúvida: o que futucou a EPA a auditar os motores diesel VW foi o dedo verde da preocupação ecológica… ou não?
A atual cara do mercado
Bom portal Auto Data ouviu observação de Rafael Barros, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC: vendas de automóveis não caíram, mudaram o foco. E levantou números de venda e mercado nos oito primeiros meses do ano para conferir. Sindicalista estava numericamente certo: queda de vendas em veículos não foi de 20,4%, como sugerem quantitativos absolutos indicados pelos fabricantes e seus distribuidores, mas apenas 2,2%.
Raciocínio seguinte: o setor não se limita às vendas dos carros novos, mas inclui usados. No conceito aritmético, em 2014 as vendas de novos e usados estiveram estáveis. Em 2015, caiu a dos novos, mas a procura pelos usados cresceu. Assim, comparando os números totais das vendas de novos + usados, a diferença é mínima.
Razão para a mudança de comportamento é, imagina-se, disparada de preços para os carros do primeiro degrau do mercado dos novos, os antes abaixo de R$ 30 mil, agora inexistentes, exceto Palio Fire e importados chineses, tipo Chery QQ e Geely J2.
Fabricantes fomentaram preços, mudaram o mercado, aumentando a distância entre o consumidor e o bem. E plantaram a cizânia no setor com vendas muito sólidas às locadoras de veículos. Estas consomem 12,5% das vendas de veículos leves. Comprados a preços inacreditavelmente baixos, tais veículos têm uso mínimo, não esquentam a vaga de garagem, e logo são vendidos como seminovos, concorrentes dos 0-Km ao se apresentar com baixa quilometragem, preço e financiamento. Sugerem observadores, maior parte do lucro da operação está em vender o seminovo por preço superior ao pago nos 0-Km.
Sem alcançar o 0-Km, a solução é chegar-se ao usado. Surge aí outra característica evidente: há como indutor o perceptível ganho de qualidade na construção dos veículos, sua maior capacidade de oferecer uso sem grandes problemas, e até as garantias muito aumentadas nos recentes anos. Na prática, significa comprar um veículo melhor equipado, possivelmente com motor mais forte relativamente aos carros 1,0-litro dos primeiros degraus na escala dos carros novos, ainda na garantia.
Outro fator a turbinar o comportamento é a elevação do nível de exigência do cliente do carro de entrada. 0-Km mais caro e menos equipado deu lugar a usado completo. Carro popular, diz com síntese o Ministro Afif Domingos, agora é o carro usado.
Teoria não é nova, mas curioso não ter tido movimentos dos fabricantes para corrigir o curso do mercado. Há tempos, lembra Márcio Stefani, um dos esteios do Auto Data, Herbert Demel, o então presidente da Volkswagen no Brasil, recebeu a determinação de produzir o Polo no Brasil. Demel tentou convencer a matriz do fato de o Polo, embora sendo de alcance popular na Europa, não o seria para o comprador brasileiro. Sem êxito. Tomou coragem, e com algum aval não explícito, mandou desenvolver o Fox — última aventura da independência da VW do Brasil, única das filiais da controladora alemã com produtos próprios, Brasília, SP2, Gol, Fox…. — para ser o carro popular da VW.
Como fica
Se impossível produzir carros usados, fabricantes devem focar na equação conteúdo x preço, para reconquistar a clientela, antes da piora da situação. A constatação mingua eventuais pedidos e pressões para renúncias fiscais em favor da venda dos 0-Km. É um objetivo novo e desafiante.
Roda a Roda
Dubai boys – Focando em clientes com capacidade e gosto por diferenças, Cadillac deixou para apresentar seu novo crossover XT5 no Dubai Motor Show, em novembro. Foca começar ante à maior faixa de renda e compradores de Audi Q5, BMW X5 e Mercedes M, agora GLE.
Independência – Posição arejada diz-se consequência da mudança da sede da empresa, do centenário endereço em Detroit para Nova York. Decorado pela Public School, etiqueta de moda, foco do XT5 é aproveitar a onda migratória dos sedãs para os crossovers e utilitários esporte.
Avant garde – Quanto tempo leva moda estrangeira a impregnar-se no Brasil? Estofamento claro em carro escuro é moda há 25 anos nos EUA, e aqui somente agora começa a ser aceita. Entretanto, temos recorde no tema substituir sedã por utilitário esporte. Mal começa no exterior, já adotada aqui.
Caminho – O carro oficial da Presidente Dilma é o Ford Edge. Talvez siga o então comandante Chávez, da Venezuela, cujo automóvel de representação não era execrado produto dos EUA, sólido Mercedes, mas rústico Toyota Hilux SW4.
Civic 2016 – Honda EUA apresentou o novo Civic: 3,5 cm maior entre eixos, maior porta-malas, mais baixo e com ganho em aerodinâmica, suspensão traseira multibraço. Usa nova plataforma mundial.
Aqui – Grandes ganhos em conteúdo para manter crescimento, e deu-lhe trato para ocupar o teto da categoria. Versões de entrada com motor 2,0-litros e superiores novo 1,5 turbo. Câmbio manual de seis marchas, automático e CVT. Diz, nova plataforma permite melhor sensação de condução, em rolagem e silêncio no habitáculo.
E? – Lá, neste ano. Aqui, segundo semestre de 2016 e não confirma se características chegarão ao produto nacional.
Opção – Ford montou teste charmoso. Quem o fizer com o novo Focus Fastback concorrerá a viagem com acompanhante para percorrer pista no Principado de Mônaco e na Atlantic Ocean, Noruega. Inscrições até 28 de outubro. Mais: www.ford.com.br/fastbackdrive.
Próximo – Ford Ecosport com motor Sigma de 1,6 litro e 130 cv e câmbio de dupla embreagem Powershift, para ser o mais barato na faixa de exigências, antecipado pela Coluna, tem data para lançamento: primeira semana de outubro.
Mais – Principal diferença, a transmissão, é alvo de interesse do Procon de Minas Gerais, subordinado ao Ministério Público. Quer saber o porquê de seus constantes problemas nos novos Fiestas: faz barulhos, trava marchas e outros inconvenientes, e a fábrica tenta reparar. Aparentemente não atingiu a causa. MP quer entrar no negócio para organizar responsabilidades.
Acordo – Matriz GM nos EUA fez acordo com a Justiça para encerrar questões e ações com relação a danos, prejuízos e indenizações de ferimentos e 124 mortes causadas pela irresponsabilidade criativa de simplificar interruptor de ignição de carros da marca. Pagará US$ 900 milhões para encerrar a questão.
Caminho – Ociosa reação dos motoristas de táxi contra os outros, usuários de plataformas eletrônicas como o Uber. Briga contra avanço tecnológico é perdida, e virão com ou sem assembleias estaduais querendo bloquear a concorrência. Barrar a tecnologia é briga desde a industrialização inglesa, e o ludismo, a oposição à evidência, perde há dois séculos.
Registro – Da internet: sabe qual a cidade brasileira sem táxis? Uberlândia…
Gente – Carlos Galant, engenheiro, criador do Clube Simca em Porto Alegre, passou. Leva extenso conhecimento pela marca. Ausência sentida pela generosidade com que transmitia seus saberes aos simcófilos.
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