Seja para versões, motores ou diferenciais técnicos, a
designação usada pelas fábricas nem sempre segue a lógica
Meu amigo Márcio é um cara bem de vida, que — como qualquer um de nós — gosta muito de automóveis e — como nem todos de nós — pode comprar e manter carros que para a maioria não passam de sonhos. Claro que ele é leitor assíduo do Best Cars, mas a proximidade entre nós permite que tire dúvidas e peça conselhos diretamente comigo sempre que pensa em adquirir um novo carro.
Há pouco tempo ele veio me perguntar sobre as versões do Mercedes-Benz Classe C e, com surpresa, percebeu que a designação de cada uma delas não mais representa sua cilindrada. “O C 180 é o 1.8, certo?”, ele perguntou. Minha resposta: “Não, esse agora tem motor de 1,6 litro”. “Ok, mas e o C 200, ainda é 2.0?”. Respondi: “Não. Esse é 1,8”. Desconfiado, Márcio mandou esta: “Só falta me dizer que o C 250 é 2.3 e não 2.5…”. Eu não poderia responder diferente: “Errou de novo. Esse tem o mesmo 1,8 do C 200, mas com 20 cv a mais”.
Assim como a Mercedes, a BMW há tempos deixou de lado a precisão germânica quando se trata de identificar na versão a cilindrada do motor
O C 63 AMG não passa pelas opções de compra do amigo (com algum carro ele ainda só pode sonhar!), mas talvez o decepcionasse saber que nem mesmo nesse caso o número reflete a real cilindrada: 6.208 cm³ devem ser arredondados para 6,2 litros, segundo as regras da matemática, e não os 6,3 que aparecem no logotipo dos para-lamas. Em modelos da série AMG que adotaram um V8 biturbo de menor cilindrada, como o S 63 AMG, o 63 está ainda mais distante dos verdadeiros 5,5 litros. E o que dizer do A 45 ou o CLA 45 AMG, com um 2,0-litros que parece mais que duplicado na designação?
Cada fabricante tem seus critérios para designar modelos e versões, mas esses métodos nem sempre são os mais lógicos. Assim como a Mercedes, a BMW há tempos deixou de lado a precisão germânica quando se trata de identificar na tampa do porta-malas a cilindrada do motor. Em outros tempos era fácil: um 325i era um Série 3 de seis cilindros e 2,5 litros; um 540i, um Série 5 com o V8 de 4,0 litros; e um 750i, um Série 7 com um V12 de 5,0 litros. E hoje?
Hoje os dois algarismos finais informam apenas a posição da versão dentro de cada linha, ou série, sem ligação à verdadeira cilindrada. O atual 328i tem o mesmo motor do 320i, um turbo de 2,0 litros e quatro cilindros, mas com maior potência — razão para ser denominado da mesma forma que o antigo 328i de seis cilindros e 2,8 litros. No 335i o seis-em-linha não tem 3,5 litros, mas sim 3,0: é que já existia o 330i, de igual cilindrada, e era preciso ressaltar o desempenho superior da versão com turbo. Nos carros de maior porte, o 650i e o 750i não usam motor de 5,0 litros, mas de 4,4, e existe um 740i com os mesmos 3,0 litros do 335i. Ao menos no topo de linha 760i o número ainda se refere a um V12 de 6,0 litros.
Para cima ou para baixo?
Nesses casos não se trata de arredondamento indevido, que acontece com bastante frequência. No Honda Fit de 1.339 cm³ e no JAC J3 de 1.332 cm³, deve-se arredondar para baixo (1,3 litro) ou usar o valor intermediário (1,35 litro), mas os fabricantes divulgam 1,4. Na Fiat o recurso é comum, como no motor Fire de 1.242 cm³, anunciado como 1,3-litro, e no E-Torq de 1.747 cm³, que se torna 1,8. Há outros casos do gênero, como o Mercedes 6,2 citado acima, o antigo V8 de 6.814 cm³ da mesma marca que equipava o 450 SEL 6.9, o Aston Martin V12 de 5.935 cm³ (anunciado como 6,0-litros) e o antigo Ford V8 302 de 4.942 cm³, usado em nossos Landau e Maverick, mas também em Mustangs com o logotipo 5.0.
É compreensível que o fabricante queira fazer parecer que a cilindrada seja um pouco maior do que de fato é, motivado pelo departamento de marketing. Há também razões como arredondar para o próximo litro, nos casos de Ford e Aston, e reprisar uma cilindrada clássica na marca — a Mercedes brilhou nos anos 60 com o 300 SEL 6.3, um dos sedãs mais velozes da época.
O curioso é que as mesmas marcas às vezes adotam sem constrangimentos a cilindrada “incomum”, como a Fiat com o motor 1050 (de 1.049 cm³) do 147 e do Uno ou, em sua subsidiária Alfa Romeo, a clássica denominação 1750 da década de 1960, repetida anos atrás no motor de 1.742 cm³ do sedã 159 (no Brasil tivemos o 2150, evolução do FNM 2000 JK). Às vezes tais empresas até arredondam para baixo, como aconteceu com o Marea de 2.446 cm³, que a Fiat considerava um 2,4-litros, e o Mercedes do parágrafo anterior, com efetivos 6.332 cm³. E não há como esquecer o “seis e três quartos”, o V8 de 6,75 litros empregado durante mais de 40 anos pela Rolls-Royce e a Bentley. Que graça ele teria se anunciado como 6,8?
Ainda em relação à cilindrada, não eram poucos os que admiravam o Willys 1093, lançado no Brasil em 1964, e imaginavam que a versão esportiva do Gordini tivesse motor de 1.093 cm³, aumento expressivo sobre os 845 cm³ do modelo original. Conclusão lógica, mas incorreta: na verdade o número 1093 vinha do código de projeto, R1093, assim como R1090 era o Dauphine e R1091 designava o Gordini. A cilindrada era a mesma nos três.
Nem todo Volkswagen 4Motion é igual e nem todo Audi Quattro opera da mesma forma, mas pode haver um 4Motion idêntico a um Quattro
A confusão não está limitada a identificações numéricas — veja-se o caso das famílias de motores da Ford. A linha Zetec apareceu na Europa nos anos 90 com a novidade das quatro válvulas por cilindro, mas no Brasil o nome foi mantido em um motor mais simples e de duas válvulas, o Zetec Rocam. Mais tarde veio a família Duratec, com unidades de 2,0, 2,3 e 2,5 litros (também 1,8 para os europeus), que repetia a denominação lançada anos antes com os V6 de 2,5 litros do Mondeo e de 3,0 litros do Taurus.
Na década passada a Ford passou a adotar o nome Duratec em motores anteriores, como o Zetec Sigma de 1,25 litro, o 2,5-litros de cinco cilindros da Volvo e até o Zetec Rocam 1,6 quando usado no Ka europeu. Hoje a designação estende-se a todas as unidades a gasolina no Velho Continente e boa parte das que movem seus carros nos Estados Unidos (até o V6 de 3,5 litros do Edge). Nem o 1,2-litro da Fiat escapou de ser chamado de Duratec ao equipar o Ka polonês, fabricado em paralelo ao 500 da marca italiana em uma associação. E, embora a linha Zetec pertença ao passado na Europa, o nome é tão forte por lá que ainda identifica uma versão de acabamento do Focus.
A salada não é menor com os modelos da Volkswagen e da Audi com tração integral. A primeira usa sempre o nome 4Motion, e a outra, a palavra em italiano Quattro, mas existem dois sistemas bem diferentes. Em um deles, aplicado a carros com motor transversal (como Golf, Passat atual e A3), a tração traseira é acionada apenas quando se detecta perda de aderência das rodas dianteiras. O outro, instalado em modelos de motor longitudinal (A4, A6, o Passat da geração de 1996), usa diferencial central e mantém todo o tempo as quatro rodas tracionando, em alguns casos com maior parcela do torque enviado à traseira para um comportamento mais esportivo.
Não seria natural que cada sistema recebesse um nome? Sim, mas não é o que acontece. A VW usa um e outro, chamando a ambos de 4Motion, e a Audi faz o mesmo, denominando qualquer um deles de Quattro. Portanto, nem todo 4Motion é igual e nem todo Quattro opera da mesma forma, mas pode haver um 4Motion idêntico a um Quattro. Confuso?
É também a Audi que causa surpresa a quem veja o logotipo V6 T nos para-lamas ou o V6 TFSI aplicado à cobertura do motor V6 de 3,0 litros de vários modelos, como o S5 que avaliamos no ano passado. Qualquer um apostaria se tratar de turbo, mesmo porque a marca é das mais tradicionais em seu uso e sempre o identificou pela inicial. Contudo, o V6 na verdade recebe um compressor do tipo Roots. Segundo a Audi, a letra T passou a designar qualquer tipo de superalimentação, por menor lógica que essa estratégia possa ter.
Editorial anterior |