Ditadas pela aerodinâmica, as formas dos carros da época
conseguiam agradar mais que as de muitos modelos de hoje
Peguei-me hoje de manhã admirando a foto de abertura da história do Ford Probe em destaque em nossa página inicial. O elegante cupê parecia posar diante de esboços de estilo, como que dizendo a seus projetistas: “Parabéns. Vocês me fizeram tão bonito quanto eu poderia desejar”. Estamos falando de um carro lançado em 1992 — mais de 20 anos atrás —, mas que a meu ver conserva um desenho atraente até nossos dias.
De vez em quando, olho para automóveis do passado recente — em particular da década de 1990 — e sinto saudades dos conceitos de estilo que vigoravam na época. Exemplo típico é o do Opel/Chevrolet Vectra de segunda geração, apresentado aqui em 1996 e que obteve enorme sucesso, em parte pela elegância de suas linhas.
Ao contrário do que alguns carros-conceito faziam esperar, os automóveis não se tornaram misturas de berinjelas com naves espaciais
Embora houvesse no Vectra peculiaridades como os retrovisores que “nasciam” no capô, muito daquilo que o fazia belo a nossos olhos era comum a outros modelos contemporâneos. Dos mesmos anos 90, merecem ser mencionados a título de exemplos Alfa Romeo 147 e 156, Audi A3 e A4, BMW Série 3, 5 e 7, Citroën Xsara, Fiat Bravo (o três-portas de 1995), Ford Focus, Honda Civic (o cupê e o hatchback de 1992), Opel Calibra, Peugeot 206, Porsche Boxster e Volkswagen Golf IV.
Eficiência aerodinâmica era um assunto muito em voga naquele período — na verdade, desde os anos 80, quando os efeitos das crises do petróleo levaram a indústria a buscar esse caminho como uma das fórmulas para reduzir o consumo de combustível. No entanto, ao contrário do que alguns carros-conceito faziam esperar (como o Ford Probe V, mostrado na mesma matéria do Probe de série), os automóveis lançados dali em diante não se transformaram em misturas de berinjelas com naves espaciais.
Pelo contrário: em nome da fluidez da passagem do ar pela carroceria, adotaram-se linhas suaves e agradáveis aos olhos. Os vidros ficaram mais curvos e inclinados, as frentes mais baixas, os faróis se estreitaram, os vincos e ângulos quase desapareceram. Os tempos de formas retilíneas dos anos 70 e 80 ficaram para trás sem deixar saudades. O ar fluía pelos carros dos anos 90 com tanta harmonia quanto nossos olhos quando os víamos passar.
Blindados de guerra
O que aconteceu depois? Alguém veio com a ideia de deixar os desenhos mais “robustos” pela aplicação de ângulos, vincos, arestas. Os vidros tornaram-se menores, com uma linha de cintura cada vez mais alta, e a carroceria assumiu outras proporções com maior área de chapa. O motivo da tendência é desconhecido, mas pode ter havido indicações em pesquisas de público de que as pessoas queriam carros de aparência sólida, intimidadora, como blindados de guerra para enfrentar o agressivo mundo exterior. O crescimento do mercado dos utilitários esporte desde então parece corroborar essa tese.
Com mais chapa e menos vidros, as carrocerias ganharam volume e as frentes tiveram de ser erguidas, o que levou a faróis e grade maiores (há influência aqui das normas europeias de proteção a pedestres, que requerem um vão mínimo entre o capô e os órgãos mecânicos ou rígidos abaixo dele, mas o fato é que a tendência afetou mesmo carros que jamais colocarão seus pneus no Velho Mundo). Em muitos casos, rodas e pneus cresceram várias polegadas em diâmetro para manter uma proporção harmoniosa com a carroceria. Onde isso não aconteceu, o resultado foi trágico, dando origem a “elefantes de patins”.
Perdemos as linhas suaves e agradáveis: hoje, grades imensas parecem transpostas de uma picape pesada para um hatch compacto sem ajustes
Nem tudo está perdido: ainda existem novos e belos desenhos no mercado, sobretudo em modelos que apelam mais à forma que à função, como os “cupês de quatro portas” ou sedãs de perfil esportivo já produzidos por numerosas marcas. Mas minha sensação é de que, na média do que existe à venda, perdemos muito das linhas suaves e agradáveis que conquistavam nossos olhos nos anos 90.
É a sensação que tenho ao ver grades imensas, que parecem transpostas de uma picape pesada para um hatch compacto sem o ajuste das dimensões. Ao ver faróis que lembram olhos esbugalhados, às vezes com elementos internos em preto — a famosa “máscara negra”, descrita como item adicional, embora custe menos que a comum cromada — para disfarçar o equívoco que o projetista cometeu. Ao ver janelas de perfil tão baixo que mais parecem fendas e, em parte como consequência de seu uso, áreas tão grandes de chapa nas laterais que fazem rodas de 16 pol parecerem o mínimo para um carro pequeno.
O estilo não é o único a perder com essa tendência. Há tempos, os lançamentos não mais se destacam pelo coeficiente aerodinâmico (Cx), que em muitos casos é pior hoje que em carros similares do passado (como exemplo, é de 0,37 no Chevrolet Agile, ante 0,34 do Corsa cinco-portas de 1995 e 0,32 do Kadett, um carro desenhado em 1984 na Europa). O uso de rodas e pneus maiores traz consequências técnicas indesejadas, como maior massa não suspensa e maior inércia do conjunto para acelerar e frear, o que também acarreta freios mais potentes e, no fim das contas, resulta em aumento de peso do carro.
Alguns diriam que sou apenas um saudosista que nada entende de desenho de automóveis. Pode ser. Mas, diante de muitos carros que a indústria tem apresentado, minha reação continuará a ser a de saudades dos velhos e bons anos 90.
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