Projetado em cooperação com a Mazda, o cupê esportivo
precisou passar por uma mudança de estratégia antes de nascer
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
“Se não pode vencer seu inimigo, una-se a ele”. Esse provérbio foi seguido por vários fabricantes dos Estados Unidos na década de 1980, quando a invasão de seu mercado pelas marcas japonesas ganhou proporções expressivas. Sem meios de oferecer produtos tão atraentes ao público quanto os das adversárias do Oriente, as “três grandes” — General Motors, Ford e Chrysler — buscaram associar-se às nipônicas, formando cooperações como as da GM com a Toyota, a Isuzu e a Suzuki; a da Ford com a Mazda e a da Chrysler com a Mitsubishi.
A participação dos norte-americanos na Mazda começou já em 1979, com a aquisição de 7% de suas ações pela Ford, em um processo gradual que chegaria a 33,3% em 1996. Uma fábrica — a AutoAlliance International — foi construída em Flat Rock, no estado de Michigan, para produzir os modelos 626 e MX-6 da japonesa e um derivado deste último a ser vendido pelas concessionárias Ford. A intenção da empresa com esse projeto era ambiciosa: substituir o Mustang.
Por mais surpreendente que pareça hoje aos fãs do “carro-pônei”, naquele começo dos anos 80 a Ford pretendia descartar a fórmula tradicional de motor V8 e tração traseira em favor de um conjunto mais eficiente e adequado aos novos tempos de petróleo caro, com motor de quatro ou seis cilindros e tração dianteira. Havia rumores de que a GM seguiria o mesmo caminho até o fim da década para seus concorrentes ao Mustang, o Chevrolet Camaro e o Pontiac Firebird — o que nunca se concretizou, para alívio dos entusiastas.
As versões I, III e V da série de conceitos Probe, revelada entre 1979 e 1985 com ênfase na
aerodinâmica, que cedeu seu nome para o esportivo de produção lançado em 1988
Propostas de desenho com base na plataforma do 626 foram elaboradas pela Mazda, mas recusadas pela Ford, que pediu uma redefinição com linhas mais ousadas e perfil mais baixo e esportivo. Em dezembro de 1983 os japoneses chegavam a formas que agradaram aos norte-americanos — embora contrariassem suas próprias preferências — e o projeto seguiu adiante. Contudo, assim que a notícia chegou ao público, a Ford se deparou com um empecilho: insatisfeitos com a perspectiva de que seu carro fosse substituído por um projeto japonês com tração dianteira, os admiradores do Mustang protestaram e as vendas do veterano esportivo se reergueram.
Comparado a seis modelos, o Probe GT cativou pelo torque, que “se traduz em velocidade sem esforço e grandes sorrisos a quem está ao volante”
Abortar o projeto com a Mazda não seria viável, mas lançá-lo como sucessor do “carro-pônei” se revelou uma estratégia equivocada, sobretudo depois que o petróleo baixou de preço e a procura pelos clássicos V8 voltou a crescer. A Ford então passou a buscar outro nome para sua versão do MX-6 e encontrou a solução em uma série de carros-conceito de linhas aerodinâmicas, com cinco versões apresentadas entre 1979 e 1985: Probe.
Em maio de 1988 surgia no Salão de Chicago o Probe de produção, um cupê esportivo com linhas típicas dos carros japoneses de seu tempo: perfil e base do para-brisa baixos, linhas arredondadas —”orgânicas”, como se dizia à época — , vidros rentes à carroceria, maçanetas embutidas. Os faróis eram escamoteáveis, recurso comum nos anos 80, e dos para-lamas nasciam carenagens para os retrovisores. Na traseira, as lanternas vinham interligadas por cima da placa de licença e um defletor estava incorporado ao desenho da grande terceira porta na versão GT, que trazia também rodas de alumínio. Como os vidros ficavam por fora das colunas, a sensação visual era de que formassem uma só peça ligando as janelas das portas pela traseira.
Mesmo a Ford tendo pedido à Mazda um redesenho, o Probe surgiu com linhas típicas
dos carros japoneses, que incluíam faróis escamoteáveis e carenagens para os retrovisores
No interior o Probe mantinha os padrões nipônicos, com um painel baixo que transmitia a sensação de espaço e destacava o quadro de instrumentos com até seis mostradores; havia opção por um conjunto digital na versão LX, mais luxuosa, enquanto a de entrada GL e a esportiva GT vinham só com o analógico. O volante de três raios tinha desenho peculiar e os difusores de ar laterais vinham montados nas portas. Equipamentos de conforto não faltavam, com oferta de ar-condicionado, controlador de velocidade, computador de bordo e diversos controles elétricos. A Ford o anunciava como sucessor do EXP, um esportivo derivado do Escort local — falar em substituir o Mustang, nem pensar.
O motor transversal era uma unidade Mazda de quatro cilindros e 2,2 litros com comando no cabeçote e três válvulas por cilindro, outro recurso típico do Japão no período. As versões GL e LX desenvolviam potência de 110 cv e torque de 18 m.kgf, enquanto a GT recebia turbocompressor Mitsubishi com resfriador de ar para obter 145 cv e 26,2 m.kgf. O câmbio era manual de cinco marchas, com um automático de quatro marchas como opcional nas versões aspiradas, e a suspensão independente usava o conceito McPherson em ambos os eixos. No GT vinham freios a disco nas quatro rodas com sistema antitravamento (ABS), amortecedores com regulagem de bordo entre três padrões e pneus 195/60 R 15.
A revista Car and Driver comparou o Probe GT a seis modelos: Acura Integra GS-R, Eagle Talon TSi, Honda Prelude Si, Isuzu Impulse RS, Nissan 240 SX SE, Toyota Celica GT-S e Volkswagen Corrado G60. Mediano em desempenho (acelerou de 0 a 96 km/h em 7,2 segundos, atrás de Talon, Integra e Impulse), o Ford cativou pelo torque em médias rotações, que “se traduz em velocidade sem esforço de curva a curva e grandes sorrisos a quem está ao volante”. Destacou-se também por ser o mais barato, mas foi criticado pelo esterçamento por torque, o ruído do motor em alta rotação, a direção leve demais e os bancos que apoiavam pouco em curvas. Ficou em quinto lugar, empatado com o Corrado.
Os vidros pareciam formar uma só peça que contornava o carro por trás; o painel
baixo trazia sensação de espaço e podia vir com instrumentos digitais no LX
O Probe obteve êxito imediato, com 100 mil encomendas no primeiro mês desde a apresentação no salão. Ao lado de pequena reforma visual, o modelo 1990 da versão LX trazia a alternativa de um coração norte-americano: o tradicional Ford Vulcan V6 de 3,0 litros e duas válvulas por cilindro, com 140 cv e 22,1 m.kgf, que movia o Taurus (chegou a equipar sua primeira geração vendida no Brasil) e a Ranger. Com farto torque em rotações muito baixas, o V6 não era oferecido no MX-6, sendo de certa forma uma distorção do conceito original do carro projetado pelos japoneses.
A esse tempo as duas marcas já trabalhavam na segunda geração do Probe e do MX-6, dessa vez com participação mais efetiva da Ford no desenho da carroceria e do interior, enquanto à Mazda cabia projetar motor e chassi. Apresentado em agosto de 1992, o novo Probe estava 10 centímetros mais longo e 5 cm mais largo e, ainda assim, cerca de 55 kg mais leve. Embora os conceitos de estilo fossem semelhantes — como os faróis escamoteáveis e os vidros que circundavam a carroceria por fora das colunas —, as linhas ficaram bem mais arredondadas e suaves, com um mínimo de vincos e adornos.
O painel ganhava formas mais convencionais, com a seção central voltada ao motorista, e deixavam de existir os instrumentos digitais. Teto solar, bancos de couro com ajuste elétrico no do motorista e rádio/toca-CDs eram oferecidos. Sob o capô, dessa vez, apenas motores Mazda eram empregados: um quatro-cilindros de 2,0 litros nas versões básica e SE, com 118 cv e 17,1 m.kgf, e um V6 de 2,5 litros na GT com 164 cv e 21,5 m.kgf, ambos dotados de duplo comando e quatro válvulas por cilindro, mas sem opção de turbo. O V6 usava coletor de admissão de geometria variável e o câmbio automático permanecia disponível. Essa geração foi vendida de 1994 em diante também na Europa, onde representava o sucessor do Capri.
Modernizada por fora e por dentro, a segunda geração trazia apenas motores Mazda;
um V6 de 2,5 litros com 164 cv permitia à Ford deixar de oferecer a versão turbo
A revista inglesa Car comparou o Probe V6 ao Celica GT, ao Vauxhall (Opel) Calibra V6 e ao Corrado VR6. Embora perdesse em desempenho para o VW, o Ford venceu os demais (acelerou de 0 a 96 km/h em 7,7 segundos) e foi elogiado pelo funcionamento suave e o bom comportamento dinâmico: “Embora não tão preciso quanto o Corrado, seus grandes pneus 225/50 R 16 e a suspensão garantem-lhe excelente aderência. Bem depois que o Calibra perde sua pose, o Ford continua a oferecer grande estabilidade. Se a palavra ‘precisão’ não vem à mente nas curvas com ele, ‘competência’ e ‘segurança’ vêm”. Ao fim do confronto, o Probe foi considerado o segundo melhor, atrás do VW.
Apesar de seus atributos (a revista Motor Trend o definia como “um formidável carro esporte pequeno, divertido de dirigir e com um belo som” no motor V6), a segunda geração teve uma aceitação fria pelos norte-americanos, que caiu ainda mais com a renovação do Mustang para 1994. Diante de tantos esportivos japoneses (alguns fabricados lá mesmo nos EUA, como o Mitsubishi Eclipse e suas versões para a Chrysler) e europeus, o público parecia não ser atraído por um “Ford japonês”, mesmo com os retoques de aparência do modelo 1995, preferindo a receita clássica do grande V8 despejando potência nas rodas traseiras. Em março de 1997 era anunciado o fim de sua produção.
Não que a fábrica do oval azul pretendesse abandonar esse segmento — apenas desistiu da associação à Mazda para desenvolver seu sucessor. A Ford europeia, com sua tradição em carros com notável comportamento dinâmico, foi a parceira escolhida para criar o sucessor do Probe a partir da plataforma do Mondeo, o sedã que já estava em fabricação nos EUA com os nomes Ford Contour e Mercury Mystique. Dessa vez, porém, quem recebeu a tarefa de vender o cupê — chamado de Cougar, como o “primo” do Mustang de tempos passados — foi a divisão Mercury; apenas a versão para a Europa recebia o logotipo Ford.
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