Toyota e Volkswagen investiram em modelos que ainda não tiveram
êxito no Brasil, apesar de tão diferentes em proposta: o que deu errado?
Automóveis fracassados do ponto de vista comercial são assunto interessante para os aficionados, a ponto de termos reunido dezenas deles em recente artigo de curiosidades. O investimento de centenas de milhões de dólares em um projeto — mesmo que se trate de implantar a produção local e adaptar um modelo existente no exterior — justifica-se apenas a partir de certo volume de vendas, que varia conforme o segmento e o mercado.
Se esse volume não for alcançado, a empresa vê-se em uma difícil situação. Carros vendidos com descontos afetam os lucros da fábrica e das concessionárias. Precisa-se de bem mais tempo que o previsto para amortizar o investimento, o que não agrada aos acionistas e pode dificultar a aprovação de novos projetos. Em casos de segmentos de grande volume, a marca pode sofrer perda expressiva de participação no mercado, o que afeta sua imagem como um todo e chega a afetar as vendas de outros produtos. Uma reação em cadeia com resultados desastrosos.
No mercado brasileiro de hoje, dois automóveis chamam a atenção pelo risco de entrarem para a lista de fracassados: Toyota Etios e Volkswagen Up. É curioso que isso aconteça com modelos tão diferentes em origem e proposta.
A rejeição ao Etios começou assim que a estimativa
de preços foi divulgada — correções de rota se
fizeram necessárias, com redução de até R$ 5 mil
O Etios, como se sabe, surgiu para países em desenvolvimento. Embora tivesse na manga um hatch pequeno para mercados exigentes — o Yaris —, a Toyota preferiu enxergar em nosso país características similares às da Índia, onde ele entrou em produção em 2010, dois anos antes de ser fabricado em Sorocaba, no interior paulista. Pode-se imaginar o que passava pela cabeça dos japoneses. Se a Renault havia obtido boa aceitação por aqui com o Logan, era natural que um produto parecido com ele em simplicidade estética e mecânica, associado à reputação de qualidade da Toyota, se tornaria um sucesso. Só que não funcionou.
A rejeição começou assim que a estimativa de preços foi divulgada pela empresa, antes mesmo do lançamento — estratégia oposta ao usual, justificada pelo interesse em testar a aceitação do público a tempo de corrigir a rota. Correções que se fizeram necessárias: semanas mais tarde apareciam os valores definitivos, mais baixos em R$ 5 mil na versão de entrada e R$ 3,5 mil na de topo.
Foi o bastante? Não. Quando o mercado conheceu o carro, simplório, com um estranho painel central — de mostradores enormes, marcador de combustível minúsculo e três difusores de ar diante do passageiro — e linhas pelas quais nem os indianos devem suspirar, a recepção foi gelada. Só com polpudos descontos as concessionárias conseguiam desovar os Etios, algo inesperado para quem sempre vendeu com facilidade o Corolla por salgados preços.
De lá para cá, a Toyota fez pouco para reverter o fracasso inicial. Lançou uma versão “aventureira” Cross que chega a ofender pelo mau gosto, buscou um ar sofisticado (!) com a edição especial Platinum, focou nos taxistas em campanhas publicitárias que destacam o custo de manutenção. Mas os números não escondem a dificuldade de emplacar no Brasil um carro popular indiano ao preço de competidores mais desejáveis.
Entre janeiro e julho, apenas 20 mil hatches Etios (números arredondados) ganharam as ruas, ante 108 mil unidades do Gol, 98 mil do Palio, 81 mil do Onix, 75 mil do Fiesta e 70 mil do Uno. O próprio Sandero, derivado do Logan que de certa forma inspirou a Toyota, vendeu mais de 52 mil. Abaixo do Etios estão, em geral, modelos em fim de produção — Clio, Agile, 207 — ou de faixas de preço superiores como C3 e 208. A situação do sedã não é mais promissora: 14 mil carros, uma fração do que vendem os concorrentes Siena (64 mil), Prisma (47 mil) e Voyage (45 mil). Também aqui a vantagem da Renault é consistente, com 25 mil Logans.
Novas reduções de preço, alterações nos pontos mais criticados — como o painel — e investimento em publicidade ainda podem fazer do Etios um modelo bem-aceito, pois o projeto tem qualidades e a marca desfruta elevada reputação. Mas surpreende que um fabricante tão experiente com carros populares, que analisa esse setor do mercado nacional desde o século passado, tenha conseguido mirar tão distante do alvo.
O Up que anda para baixo
O VW Up pode ser considerado o oposto do Etios. Não foi projetado para mercados emergentes, mas para a Europa desenvolvida. Não se baseia na simplicidade e sim em soluções criativas no interior e em eficiência, com um dos mais modernos motores da indústria nacional. Não vem de um fabricante especializado — ao menos por aqui —em carros médios e maiores, mas da marca que há 60 anos sabe vender automóveis do segmento de entrada aos brasileiros.
Sabe mesmo?
O Up nacional surgiu, mesmo que por infelicidade do destino, com a dura missão de substituir o Gol de segunda geração. A VW entendeu que não compensaria aplicar freios antitravamento (ABS) e bolsas infláveis frontais ao velho G4, um modelo de 1994: melhor descartá-lo e deixar a escolha entre o Up, menor e mais barato, e o Gol de terceira geração, sucessor natural do carro que saía de linha. Manter dois modelos no lugar de um só nome trazia o risco de perda de mercado para o Gol, o que se confirmou: este ano ele abriu mão da liderança de vendas em vários meses — até para a Strada — e ao fim de julho, embora se mantivesse em primeiro, tinha sobre o Palio uma vantagem de menos de 10% no total acumulado.
E o Up, o que conseguiu? Depois de um início tímido a ponto de preocupar o fabricante, tem alcançado a média mensal de 6 mil unidades, abaixo de quase todo o segmento — os três mais vendidos giram na faixa de 12-15 mil cada e há mais quatro modelos acima da marca do VW estreante. Até julho (com a ressalva de ter chegado em fevereiro), os 29 mil carros são o que o Gol vende em dois meses.
Seria preciso uma vantagem financeira para
estimular a opção pelo Up, que só por teimosia do
fabricante foi homologado com cinco lugares
O Up tem suas qualidades, é agradável de dirigir e bastante econômico, mas em alguns fatores a VW certamente errou para que a recepção do mercado fosse tão fraca.
Em primeiro lugar, o número de veículos por família no Brasil é baixo, diferente da Europa, e para muita gente é inviável ter um modelo tão pequeno quanto ele como único carro em casa. Seria preciso uma vantagem financeira para estimular a opção por um hatch de 3,60 metros de comprimento e que só por teimosia do fabricante foi homologado com cinco lugares, pois se vê com clareza que deveria ter quatro.
Não apenas falta essa vantagem, como em muitos casos há desvantagem: o Up é caro. Esqueça os preços de entrada, sem os equipamentos que todos procuram hoje. Ar-condicionado só vem de série na última versão (que se divide em três, diferenciadas nas cores), direção assistida aparece da terceira em diante e controles elétricos de vidros e travas são cobrados à parte até na segunda. Ou seja, a VW deixou como opcional aquilo que o consumidor deseja e vários concorrentes oferecem de série — como o novo Ford Ka, que traz os quatro itens citados como padrão em toda a linha.
Nas opções superiores o Up busca um jeito charmoso, com elementos internos na cor da carroceria e diversos cromados, mas custa mais de R$ 40 mil — valor próximo ao de modelos superiores em espaço, desempenho e conteúdo — e supera R$ 45 mil com câmbio automatizado e os demais opcionais. Difícil convencer.
Seria tudo uma questão de preço? Não. A meu ver existe outra pedra no sapato da VW, relacionada a sua imagem no mercado. Basta comparar a aparência de um Gol à de um Palio, em qualquer geração, para perceber a ênfase que os alemães sempre deram à sensação de robustez. Não importa qual deles resiste melhor ao solo brasileiro: você tem a impressão de que o Gol é mais sólido ao primeiro olhar. Assim, a VW começa a disputa em vantagem no convencimento do público acerca de qualidade e durabilidade, cabendo à Fiat demonstrá-las para não ficar para trás.
Voltamos ao Up, e o que vemos? Um carro com aparência quase de brinquedo — curto, estreito e alto, com um para-brisa que começa lá adiante e uma traseira dentro da qual não parecem caber malas. Além dessa arquitetura à qual os brasileiros não estão acostumados, seu aspecto fica longe de transmitir a solidez do Gol. Caso se tratasse de um novo Fiat, tudo estaria no lugar, mas para um VW isso é começar do jeito errado.
Como no caso do Etios, há saídas para o Up. Equipamentos podem ser adicionados, o preço tem como ser reduzido — de forma oficial ou mediante promoções — e o mercado pode acabar se convencendo de que é um bom carro. No entanto, se o erro da Toyota na escolha já surpreende, é ainda mais espantoso que um fabricante tão experiente em Brasil quanto a VW tenha se equivocado ao decidir o que colocar no lugar do velho Gol.
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