Em vez de nomes, diversos fabricantes denominam seus carros
com letras e números, às vezes combinados de formas incoerentes
Encontrar um bom nome para um novo automóvel, como se sabe, não é tarefa fácil. Os fabricantes precisam ser criativos — até por questão de direitos de marca — e pensar em nomes de fácil pronúncia, que soem bem nos idiomas de cada país em que o carro for vendido e que se identifiquem com o modelo. Em muitos casos é preciso ainda seguir padrões, como a letra inicial (quase todo Ford atual começa com “f”) ou a final (a maior parte da linha Opel alemã termina em “a”).
Quando se usam siglas ou apenas números, tudo fica mais simples — mas não tanto quanto parece à primeira vista. Continuam a existir regras, direitos de terceiros e a necessidade de compor a identidade da marca. Assim, cada fabricante acaba por definir um critério… ou alguns deles.
Uma das mais longevas nessa tarefa é a Peugeot, que desde a década de 1920 usa combinações de três algarismos com o zero no meio. O primeiro dígito refere-se ao porte do carro e sua posição dentro da linha, de modo que o 408 está acima do 308, e este, do 208. O último, iniciado em 1 e que está hoje em 8, tem subido a cada geração e mostra que um 308 é o sucessor do 307, que substituiu o 306. Contudo, existiu nos anos 80 um 309 e, ao desenhar uma nova geração para o 308, a marca manteve a designação.
Nos anos 70 a BMW adotou o padrão com um
dígito para o porte do modelo e dois para a
cilindrada, mas logo as versões fugiram à regra
Também na Mercedes-Benz as siglas e números vêm desde antes da Segunda Guerra Mundial, mas os padrões variaram de tempos em tempos. No passado era habitual que os números indicassem a cilindrada do motor (180 para 1,8 litro, 300 para 3,0 litros e assim por diante), mas não faltaram exceções, como o 300 SE 6.3 e o 450 SEL 6.9. Nos anos 80 o sedã médio 190 manteve a designação para toda a linha, mesmo em versões de 2,3 e 2,6 litros.
As letras após os números identificavam os modelos e carrocerias, como SL para o conversível esportivo, E para sedãs intermediários, SE para os maiores, SEL para os ainda mais luxuosos e SEC para o cupê derivado desses. Em 1993 as letras passaram a vir antes deles, o que levou a padrões como C para o menor sedã (C 200, C 280) e S para o maior (S 320, S 500), no que hoje conhecemos como as classes da marca. Curioso é que o E da atual linha intermediária surgiu para versões com Einspritzung, injeção de combustível.
Nos últimos anos a Mercedes deixou, cada vez mais, de vincular os números à cilindrada. O uso do motor de 1,8 litro em diferentes níveis de potência nas versões C 180, C 200 e C 230 foi um bom exemplo, que se espalhou pela marca e hoje toma conta dela. Com o emprego de turbo em quase todo Mercedes atual, os motores diminuíram em cilindrada, mas a empresa preferiu não abaixar a numeração para evitar a sensação de que oferece algo inferior ao vendido antes. Agora, até mesmo o C63 AMG — que já não tinha 6,3 litros, mas 6,2 — usa motor de 4,0 litros.
Caso semelhante é o da BMW. Nos anos 50 a marca usava números como 501, 503 e 507, mas na década de 1970 adotou o padrão com um dígito para o porte do modelo e dois para a cilindrada. Assim, 320i era o menor sedã com motor de 2,0 litros, 535i o intermediário de 3,5 litros, e 750i, o maior com um V12 de 5,0 litros. Logo surgiram versões fugindo à regra, como o primeiro 745i (na verdade um 3,2-litros com turbo), o 750i (que não mudou de logotipo após passar a um 5,4-litros) e o 850 CSi, de 5,6 litros.
Como na Mercedes, os antigos patamares de cilindrada tornaram-se mera referência de desempenho nos últimos anos com a difusão dos turbos — hoje temos o 320i de 1,6 litro, o 528i de 2,0 litros e o 750i de 4,4 litros, entre outros. Mesmo em modelos denominados com outros padrões, como o roadster Z4 e os utilitários esporte X3 e X5, os números das versões já não seguem a cilindrada, de modo que um X3 XDrive 35i tem apenas 3,0 litros e não 3,5 como se espera.
Há menos tempo a BMW introduziu a regra de primeiro dígito par nos cupês, conversíveis e nos “cupês de quatro portas”, formando siglas como 228i, 435i e 650i Gran Coupe. Quanto à letra que sucede os números, o “i” que um dia identificava injeção de combustível foi mantido para a distinção dos motores a gasolina dos movidos a diesel, que usam “d”, como em 320d. Quando a tração é integral surge um “X” adicional, caso de 325iX.
Na Volvo, assim como na BMW, grande parte dos modelos foi designada com três dígitos numéricos, mas o significado era outro. Desde a série 140, de 1967, usava-se um algarismo para o modelo, outro para o número de cilindros e o terceiro para diferentes fins, como 2 para versão de duas portas e 5 para perua. Isso levava a combinações como 145 (modelo 1, quatro cilindros, perua), 164 (modelo 1, seis cilindros, sedã), 242 (modelo 2, quatro cilindros, duas portas), 850 (modelo 8, cinco cilindros, sedã) e 760 (modelo 7, seis cilindros, sedã). Como sempre, havia exceções: 440, 460 e 480 eram na verdade as carrocerias de hatch cinco-portas, sedã e hatch esportivo para a mesma série, assim como 780 era um cupê do modelo 7.
Nos anos 90 a marca sueca mudou o padrão e passou a identificar apenas o modelo, em uma ordem de numeração referente ao tamanho, precedido por uma letra diferente conforme o tipo de carroceria: S40, S70, S80 e depois S60 para sedãs; V40, V70, mais tarde V50 e V60 para peruas; C30 para hatch; C70 para cupê e conversível. Os utilitários esporte ganharam a sigla XC, de Cross Country, iniciada em 1997 com a perua V70 XC, o que levou ao XC60 e ao XC90. Ficou em caso à parte o atual V40, um hatch que ganhou a inicial das peruas.
Outra que usa números para distinguir os tamanhos de carroceria é a Audi, que adota sua inicial “A” nos automóveis, do A1 ao A8, e um não explicado “Q” para os utilitários esporte Q3, Q5 e Q7. O supercarro R8 segue regra específica, sendo a origem mais provável a palavra alemã Renn (corrida), pois o nome vem de um modelo de competição. Já TT originou-se da prova Isle of Man TT, ou Tourist Trophy, disputada desde 1907 na Ilha de Man. Antes desse padrão os Audis eram identificados como 80, 90, 100 e 200 como referências de porte e enquadramento de mercado.
Na Ferrari, cilindrada unitária
A Ferrari tem uma história peculiar nessa questão de como denominar os carros. Por décadas desde sua fundação, em 1947, a cilindrada unitária dos motores V12 — ou seja, quantos cm³ caberiam em cada cilindro — era a origem de números como 166, 250, 330 e 365, seguidos por letras como GTB para Gran Turismo Berlinetta (cupê) e GTS para Spider (conversível). O último a seguir tal regra foi o 456 GT de 1994, com 5,5 litros. O 400 Superamerica de 1959 abriu a primeira exceção com seu V12 de 4,0 litros projetado por Colombo, que precisava ser diferenciado do concebido por Lampredi, e o sucessor 500 Superfast seguiu pelo mesmo caminho.
Com o lançamento de modelos da série Dino, veio outro padrão: dois dígitos para a cilindrada e um para o número de cilindros, como em 206 e 246 GT (2,0 e 2,4 litros, na ordem, e seis cilindros). A Ferrari parece ter gostado da nova regra e não apenas a manteve nos carros subsequentes de oito cilindros — 308, 328 e 348 —, como a aplicou aos de 12 cilindros horizontais opostos. Assim, o 512 Berlinetta Boxer de 1976 demonstrava ter 5,0 litros e 12 cilindros.
Com o lançamento do F355, em 1994, o dígito final foi trocado para 5 para destacar o número de válvulas por cilindro do motor V8, mas o método ficou restrito a tal modelo. Em seus sucessores 360 Modena e F430, assim como nos 550 Maranello e 575 M de motor V12, os números citavam apenas a cilindrada (3,6, 4,3, 5,5 e 5,75 litros, na ordem), enquanto o mais recente 458 Italia retomou o padrão de destacar os 4,5 litros e oito cilindros. No 599 GTB Fiorano, contudo, os dígitos se referiam apenas à cilindrada de 5.999 cm³.
O Ferrari 400 Superamerica abriu a exceção
com seu V12 de Colombo, que precisava
ser diferenciado do concebido por Lampredi
Em uma arquirrival da Ferrari, a Lamborghini, as siglas costumavam indicar somente a cilindrada: 3,5 litros no 350 GT, 4,0 litros nos 400 GT, Miura P400 e Countach LP 400 ou 2,5 litros no Urraco P250. O “P” significava posteriore, motor (central) traseiro, e o “L”, longitudinale ou longitudinal em italiano — que o Miura não usava, pois seu V12 era transversal —, regra mantida até hoje. Nos carros mais recentes, porém, os números referem-se à potência (560 cv no Gallardo LP 560-4 ou 700 cv no Aventador LP 700-4) e o dígito após o traço identifica a tração integral. Assim, a série especial Valentino Balboni do Gallardo era 550-2 por ter tração apenas traseira.
Não se pode falar em Ferrari e Lamborghini sem citar a Porsche. Alguns de seus modelos de rua foram designados pelo código de projeto, como o pioneiro 356, o 550 Spyder, o 959 e o 911 — na verdade 901, tendo a rápida alteração sido feita após protesto da Peugeot por causa do zero no meio. Mas houve combinações da geração do modelo com o número de cilindros, como 924, 944 (ambos de quatro cilindros) e 928 (com motor V8).
Ainda hoje as séries do 911 são conhecidas pelos códigos de projeto, como 964, 993 e a atual 991, mesmo que nada disso apareça nas carrocerias, ou 930 para o primeiro 911 Turbo, de 1974. Os aficionados pela marca também identificam assim as gerações de modelos vendidos com nomes, como o Boxster (séries 986, 987 e 981) e o Cayenne (955, 957 e 958).
Como se vê, números e siglas nem sempre seguem a ordem cronológica ou se mantêm coerentes à medida que novos modelos são adicionados às linhas. Mas complicado mesmo é se familiarizar com as confusas denominações da Lincoln, marca de luxo da Ford nos Estados Unidos, que usa MKC e MKX para utilitários esporte, MKS e MKZ para sedãs e MKT para uma perua… ou será o contrário?
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