Como são feitas as avaliações, um dos principais serviços da
imprensa para quem gosta de automóveis ou pretende comprar um
Testar automóveis, analisando-os do ponto de vista do consumidor bem informado e exigente, é uma das funções mais tradicionais e importantes das publicações do gênero, sejam impressas ou digitais como um site. No Best Cars, realizamos — eu próprio e colaboradores diversos — essa tarefa desde 1998, um ano após a fundação do site. Em 16 anos e meio, estimo que passaram por nossas mãos cerca de 800 carros, sem incluir os eventos de lançamento.
Os testes da imprensa foram, durante décadas, uma das poucas formas para o consumidor conhecer um carro que lhe interessasse comprar. Os testes de direção (test-drives) só passaram a ser oferecidos regularmente pelas concessionárias há cerca de 20 anos. Antes, caso não se tivesse acesso à matéria com o modelo desejado ou um amigo que o emprestasse para uma volta, o jeito era comprar com base no que se via e na tradição do fabricante. Sem dúvida, o advento desses testes fez muito para implodir a fidelidade a marcas que tantas pessoas mantinham — o que foi bom para umas e negativo para outras.
É preciso atenção: olhos, ouvidos e tato
do avaliador devem ficar antenados a
como o carro se comporta em cada situação
Entretanto, mesmo podendo dirigir os carros antes da compra, o consumidor moderno ainda tem uma série de dúvidas. Primeiro porque o leque de opções é muito mais amplo que há 20 ou 30 anos — o mercado brasileiro tem uma das maiores variedades de marcas do mundo e não raro encontram-se seis, oito modelos na mesma categoria e faixa de preço. Segundo, que experimentar carros de concessionárias costuma ter restrições de tempo e espaço que, em muitos casos, tornam a avaliação insuficiente para o julgamento. Por último, nada como contar com a opinião de um especialista. É aqui que começa nosso papel.
Como é feito um teste do Best Cars? Ao contrário do que alguns imaginam (e chegam a sugerir eventos nos quais os leitores possam acompanhar uma avaliação), não corre qualquer adrenalina em pelo menos 99% do tempo que passamos com os carros. Até certo ponto é tudo muito parecido com o uso normal que qualquer pessoa faria do automóvel, só que com algumas diferenças.
Um desses elementos diferenciais é a atenção: olhos, ouvidos e tato do avaliador devem ficar antenados a como o carro se comporta em cada situação. Vez ou outra, enquanto rodo com a família em um carro de teste (e procuro mesmo usá-los tanto e de forma tão variada quanto possível, para acumular o máximo de sensações ao volante), alguém pergunta sobre meu silêncio. A resposta, não raro, vem na forma de comentário sobre como a suspensão atuou em certa irregularidade, como o motor ou o câmbio foi ágil ou lento na resposta a uma solicitação, ou sobre determinado ruído ou vibração. Ou seja, não há limites de dia ou horário para analisar o carro.
A atenção vai apurando a sensibilidade, que para alguns testadores faz toda a diferença. É conhecido no setor um termo que vou amenizar para “traseirômetro”, referente à maior capacidade que alguns teriam em certa parte posterior do corpo para detectar sutis oscilações, vibrações, tendências de comportamento do veículo. Grandes acertadores de chassi, seja nas fábricas, seja nas equipes de competição, costumam ter esses sensores bem apurados.
Não é uma escala de cinza
Há também o fator da experiência, que vem com longa quilometragem ao volante, em variedade de automóveis e condições de uso, mas não prescinde do conhecimento de como as coisas funcionam. Bom exemplo é a análise do comportamento de uma suspensão.
É comum ao leigo classificar a suspensão apenas em uma escala de cinza, de dura a mole, como se tudo se resumisse a um componente que pudesse ser calibrado com diferentes graus de rigidez. Na verdade, existe ali um conjunto complexo com molas (ou outro elemento elástico, a exemplo de barras de torção), amortecedores, estabilizadores (se existentes), buchas, além do indiscutível papel dos pneus. A definição de cada um desses elementos afeta de maneira distinta o comportamento dinâmico e o conforto de marcha do automóvel.
Os grandes acertos de chassi são os que combinam as definições ideais de cada componente, tendo em vista a categoria e as principais finalidades de uso do modelo. Use carga demais nos amortecedores e você terá um carro estável, mas que “copia” as oscilações do piso a ponto de incomodar. Tente compensar com molas mais macias, e a estabilidade em curvas pode ir para o vinagre. Deixou de usar estabilizadores por economia? Isso implica adotar molas mais duras para compensar a maior inclinação da carroceria em curvas, o que sacrifica o conforto. Errou nas buchas da suspensão, duras em excesso? Até com pneus “aventureiros” o carro parecerá usar o perfil baixo de um Lamborghini. E assim por diante.
Com tudo analisado, medido e fotografado,
nosso teste termina com uma ficha
que esmiúça cada detalhe do automóvel
Além da experimentação dinâmica, nossos testes envolvem outras tarefas, como as medições de desempenho e de consumo (conheça a metodologia). As primeiras são feitas em local apropriado, fechado ao tráfego, mas infelizmente sem a extensão necessária para medirmos velocidade máxima (quem sabe no futuro?). Embora forneçam dados objetivos que falam por si, gostamos de acrescentar impressões obtidas nas provas, como a atuação do câmbio e a motricidade do chassi — sua capacidade de transmitir a potência ao solo.
Já para as provas de consumo usamos vias públicas, mas em condições tão controladas quanto possível: o trajeto urbano exigente, por exemplo, simula o tráfego congestionado por meio de um para-anda em bairro tranquilo, com percurso e velocidade média iguais para todos os carros. Engarrafamentos reais, que nunca são idênticos, levariam a resultados menos precisos.
Com tudo analisado, medido e fotografado, o teste termina com o preenchimento de uma ficha de quatro páginas — além de espaço para anotações, embora hoje a maior parte delas seja gravada em voz — que esmiúça cada detalhe do automóvel, da presença de função um-toque para cada controle elétrico de vidros às conexões do sistema de áudio. As fichas preenchidas desde 1998 permanecem arquivadas para fácil comparação a modelos evoluídos e concorrentes.
Depois, em geral com o carro já devolvido ao fabricante ou importador (os empréstimos duram em regra de sete a 10 dias, embora se estendam a 30 para a seção Um Mês ao Volante), é hora de escrever. O que o leitor gostaria de saber sobre o modelo? Que sensações ao volante foram mais relevantes ou inesperadas? Como ele se comporta em cada situação de uso? Questões a serem respondidas no singular ou no plural, caso seja um comparativo.
Como escrevi, é raro haver adrenalina nos testes do Best Cars — salvo quando surge oportunidade de colocar na pista algo especial, do calibre da Audi RS6 Avant da última edição de aniversário. Mas é uma tarefa prazerosa para nós, e que espero que tenha grande utilidade para balizar a compra de seu próximo carro.
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