Modelos fabricados há mais tempo trazem vantagens convidativas, mas sua escolha requer pesar outros fatores
Imagine que você saiu à procura de um novo carro, em concessionárias, para conhecer melhor as opções depois de se informar sobre elas nas avaliações do Best Cars e no Teste do Leitor. Então, depois de ver os lançamentos que a marca destaca no centro do saguão, encontra lá no fundo, quase escondido, um modelo que você imaginava já ter saído de produção. Chega mais perto, consulta a lista de equipamentos e o preço… Convidativo! E agora?
São comuns os carros de projeto antigo que permanecem no mercado, às vezes por mais de 10 anos, ao lado daqueles que pretendiam ser seus sucessores. Quem não se lembra do caso do Fiat Uno original, renomeado Mille? Apesar da estreia do Palio em 1996, o “quadradinho” manteve-se firme e só nos deixou em 2013, após um convívio de 17 anos. Houve também o Chevrolet Classic, o Corsa de primeira geração, que “enterrou” o segundo modelo em 2012 e seguiu por mais quatro anos.
Como esses há outros, aqui e ali, que propõem a pergunta: vale a pena comprar um automóvel “veterano”, em produção há muito tempo ou prestes a ser substituído?
Entre os atrativos dos carros com longo tempo de produção, problemas de projeto e inadequações ao uso brasileiro em geral já foram detectados e corrigidos
Escolher um desses modelos tem suas vantagens. A maior costuma ser o preço: como os custos de desenvolvimento (engenharia do projeto, testes, ferramental de estamparia, treinamento de assistência técnica, entre outros) estão pagos há anos, o fabricante pode cobrar menos pelo carro ou acrescentar equipamentos para o manter competitivo. Com isso, não é raro que o modelo concorra com outros de um segmento inferior e de menor porte.
Vimos acontecer com o Hyundai Tucson de primeira geração, um SUV que no passado competiu com Kia Sportage, mas no fim de produção custava cerca de R$ 75 mil, bem mais barato que um Ford Ecosport, ambos com transmissão automática. No caso, quem não importasse com o desenho de quase 15 anos do Tucson — e com outros fatores que abordarei — levaria um carro mais espaçoso para ocupantes e bagagem e com motor de 2,0 litros e 146 cv, ante o de 1,5 litro e 137 cv do Ecosport.
Outro exemplo é o do Volkswagen Fox, em produção desde 2003 na mesma geração, que custa hoje R$ 51 mil na versão Connect de 1,6 litro. São cerca de R$ 8 mil a menos que o valor do Polo MSI 1,6 (ambos com caixa manual), mas o Fox tem de série rodas de alumínio, sensor de estacionamento e outros itens ausentes do “irmão mais novo”, além de ser bastante espaçoso. E usamos aqui os preços sugeridos: na prática, é comum que os carros veteranos sejam vendidos com maior desconto, pois não estão em plena divulgação e a demanda tende a ser menor.
Preço à parte, existem outros atrativos nos carros com longo tempo de mercado. Em geral, problemas de projeto já foram detectados e corrigidos. Não apenas aqueles defeitinhos típicos das primeiras séries, mas também inadequações ao uso brasileiro e outras falhas que demandam tempo para o fabricante solucionar. Um carro com 10 anos em produção é um projeto amadurecido.
Existem vantagens também em manutenção. Seja em um reparo de colisão, seja em serviços feitos na rede de concessionárias ou fora dela, um carro veterano tem maior chance de encontrar peças disponíveis à pronta entrega. Além disso, ao comprar você já conhece sua aceitação no mercado de usados e sua taxa média de depreciação.
Tecnologia de outros tempos
Até aqui, parece uma opção interessante. E quais os inconvenientes?
O primeiro é claro: um projeto antigo é um projeto antigo. Não apenas tem menor apelo visual, pelo estilo defasado ou cheio de reestilizações, mas também impõe restrições de conforto, eficiência e segurança inerentes à tecnologia de outros tempos. Não se pode esperar de um Renault Duster o ambiente interno agradável de um SUV bem mais moderno, nem que o citado Tucson seja econômico em combustível com motor antigo e caixa automática de quatro marchas. Ou que Mille e Classic, voltando no tempo, oferecessem a mesma proteção aos ocupantes em colisões de modelos duas ou três décadas mais novos.
É fato que os carros não ficam parados no tempo — pelo menos não a maioria. Alguns veteranos ganham motores e transmissões similares às de novos carros, como o Duster com o 1,6-litro e a caixa CVT iguais aos do Captur. Outros passam por melhorias em segurança: recebem controle eletrônico de estabilidade e tração, caso do mesmo Duster, ou reforços estruturais, como Chevrolet Onix e Ford Ka depois de maus resultados nos testes de colisão do Latin NCap.
Projeto antigo não apenas tem menor apelo visual: também impõe restrições de conforto, eficiência e segurança inerentes à tecnologia de outros tempos
Contudo, os projetos antigos são mais limitados e, em alguns casos, a fábrica pode concluir que não compensa atualizar certas áreas. Bom exemplo foi na linha compacta da Ford, em que Ka e Ecosport receberam o motor de 1,5 litro e três cilindros e caixa automática, enquanto o Fiesta manteve o 1,6 de quatro cilindros e a transmissão de dupla embreagem que rendeu tantos problemas. A solução natural, aplicar o mesmo trem de força — ao menos a caixa — ao Fiesta, acarretaria custos de desenvolvimento, testes e homologação. Diante da expectativa de vida útil do modelo, que está saindo de linha, a Ford disse não.
Como último ponto, a tendência é que um carro produzido na mesma geração desde 2005 ou 2010 se despeça de nós antes que, digamos, um lançado em 2015 (embora tenha havido exceções, como o citado Classic). Quando isso acontecer, a tendência é seu valor de mercado cair um pouco, pois muitos receiam dificuldades com peças de reposição. Dependendo de quando você pretende vendê-lo, esse detalhe pode fazer diferença no bolso.
Esclarecidos os principais argumentos de um lado e de outro, cabe a cada comprador fazer sua opção: dar chance ao “veterano” ou apostar em um “calouro”. Depois de informar-se sobre os prós e contras, você pode escolher o melhor caminho com propriedade.
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