Países nos quatro cantos do mundo fabricam e exportam automóveis de marcas que, na origem, são estrangeiras
Quando você compra um Fiat, espera levar para casa um carro fabricado no México? E se for um BMW ou Mercedes-Benz, imagina que seja feito nos Estados Unidos? Ou um Honda na Inglaterra, um Mini na Áustria, um Porsche na Finlândia, um Audi na Hungria, um Chevrolet na Bélgica, um Volkswagen na Eslováquia?
Pode parecer estranho para muitos, mas é corriqueiro na indústria automobilística que fábricas estabelecidas em um país fora da terra natal da marca forneçam veículos a outros mercados. Em muitos casos um modelo é produzido apenas naquele local para consumo mundial; em outros, a unidade fabril atende a consumidores da região ou complementa a principal fábrica. Há também situações em que a produção do veículo é terceirizada para uma empresa especializada, até mesmo por limitações de capacidade do fabricante original.
Marcas de outras origens fabricam carros na América do Norte, em vários casos como principal — ou única — fonte do modelo para todo o globo

Assim, vêm do México os Fiats 500 e Freemont vendidos no Brasil. O primeiro ganhou produção lá para atender aos Estados Unidos com uma versão específica, que difere da europeia (feita na Polônia) já na estrutura por força dos padrões norte-americanos de segurança em impactos. O outro, como se sabe, é uma variação do Dodge Journey. Trazidos de lá, ambos ficam isentos do Imposto de Importação de 35% — mesma razão para termos outros mexicanos como Ford Fiesta Sedan e Fusion, Nissan Kicks e Sentra, Ram 2500 e VW Golf Variant, Jetta e Fusca.
Outras marcas de origem japonesa, europeia ou sul-coreana fabricam carros na América do Norte, seja para abastecer o grande mercado local, seja como principal — ou única — fonte do modelo para todo o globo. É o que ocorre na BMW com os utilitários esporte X3, X4, X5 e X6 feitos em Spartanburg, na Carolina do Sul, e na Mercedes com GLE (e o antecessor ML) e GLS que saem de Vance, no Alabama. Como os norte-americanos são os maiores compradores desse tipo de veículo, faz todo o sentido fabricá-los lá mesmo, para exportação inclusive. Nos dois casos os estados concederam benefícios expressivos às empresas para obter as fábricas, em uma “guerra fiscal” sempre controversa pelo custo de cada vaga de trabalho aberta.
O caso da Honda em Swindon, na Inglaterra, é peculiar: a fábrica japonesa estabeleceu-se nos anos 90 no Reino Unido — mais ou menos na mesma época de Nissan e Toyota — para contornar as restrições europeias a carros importados do Japão. Hoje tal unidade torna-se responsável por fornecer o Civic hatch para os EUA, onde complementará a linha de sedãs e cupês canadenses.
Alemão da Finlândia

Enquanto nipônicos fazem carros ingleses, britânicos às vezes recorrem unidades estrangeiras, como a Mini do grupo BMW. Seus modelos Paceman e Countryman são produzidos em Graz pela austríaca Magna Steyr, empresa independente que já forneceu carros a diferentes marcas, como o primeiro X3 para a BMW, o Classe G para a Mercedes (ainda fabricado lá) e o Grand Cherokee para a Jeep, que chegamos a receber dessa origem. Outro exemplo de terceirização foi o do Porsche Boxster, que de 1997 a 2011 saiu das linhas da Valmet Automotive em Uusikaupunki, Finlândia. Isso mesmo, uma marca conhecida por seus tratores fazendo carros esporte de respeito mundial. A Valmet fabricava também o Calibra para a alemã Opel, diversos modelos para a sueca Saab e ainda complementa a produção alemã do Mercedes Classe A.
Dentro da Europa, como em outras regiões, é comum os fabricantes estabelecerem fábricas em países com mão de obra mais barata. É a provável razão para serem feitos em Györ, na Hungria, os Audis TT (desde a primeira geração) e A3 (em complemento à Alemanha), assim como os Mercedes Classe B e CLA em Kecskemet, no mesmo país. Parece um bom negócio, pois a marca da estrela anunciou em julho a construção de uma segunda fábrica na cidade para automóveis maiores.
Bratislava, na Eslováquia, que fazia modelos da Skoda, tornou-se fornecedora exclusiva dos utilitários esporte VW Touareg, Audi Q7 e Porsche Cayenne
Certo, mas… Chevrolet belga? Esse é um caso diferente: a Opel manteve em Antuérpia, na Bélgica, de 1924 a 2010 uma unidade que produziu modelos como o Astra de primeira geração trazido entre 1995 e 1996 ao Brasil, onde recebia o emblema da gravata-borboleta. Da mesma forma tivemos um Chevrolet espanhol (o Tigra, esportivo derivado do Corsa) e um australiano (o Omega importado em duas gerações de 1998 a 2012, que na origem se chamava Holden Commodore). Também da Bélgica recebemos o Ford Mondeo em duas gerações, de 1993 a 2006, e os atuais Volvos V40, S60 e XC60. Já o primeiro sedã S40 e a perua V40 da marca sueca vinham de Born, na Holanda, uma unidade compartilhada com a Mitsubishi.
O Volkswagen eslovaco rende outra história curiosa. Bratislava, que fica desse lado da antiga Checoslováquia, abrigava desde 1971 a Bratislavské Automobilové Závody (BAZ), que fazia modelos da Skoda, marca sediada em Mladá Boleslav no lado checo. A VW assumiu em 1991 o controle da BAZ e passou a produzir Passats ali até que, em 2002, a unidade se tornasse fornecedora exclusiva dos utilitários esporte VW Touareg, Audi Q7 e Porsche Cayenne (este concluído em Leipzig, na Alemanha).
Os exemplos citados estão longe de encerrar essa complicada teia: há carros em fabricação mundo afora em países que não são os da origem da marca — como ocorre, aliás, com os produzidos no Brasil. Já recebemos modelos espanhóis da Citroën (C4 Picasso e Grand C4 Picasso), da Ford (Fiesta 1995) e da Nissan (Frontier 2007), um austríaco da Peugeot (RCZ), norte-americanos da Mitsubishi (Eclipse) e da Subaru (Tribeca), um português da VW (o conversível Eos) e até um tailandês da Mitsubishi (Pajero Dakar, hoje nacional e apenas Pajero). Por outro lado, produzimos e enviamos carros com marcas estrangeiras para todo canto do globo, de VW Gol para a Rússia e Golf para o Canadá a picapes Chevrolet Montana e Ford Courier para a África do Sul.
É a globalização aplicada, cada vez mais, à produção de automóveis.
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