O melhor Cx de seu tempo consagrou o cupê derivado do Vectra, que
teve interessantes versões turbo, V6 e com tração integral
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Vários fabricantes europeus têm como tradição desenvolver cupês — modelos de duas portas com perfil diferenciado, mais leve e esportivo — com base nas plataformas de sedãs de grande volume de produção. Na Opel alemã, que desde 1931 está sob controle da General Motors dos Estados Unidos, essa tradição rendeu modelos como o pequeno GT, lançado em 1967 com base no Kadett; o médio Manta, que surgiu em 1970 sobre a plataforma do Ascona; e o maior Monza, de 1978, com arquitetura comum ao sedã Senator.
O Manta foi produzido por duas gerações e, quando a segunda estava em estágio avançado do ciclo de produção, a Opel partiu para o desenvolvimento de seu sucessor. Dessa vez o “doador” da plataforma tinha um novo nome — Vectra —, o que justificou rebatizar também o cupê. Escolheu-se Calibra, palavra sem significado sugerida pelo estúdio de Manfred Gotta, mesmo autor do nome do sedã.
Perfil suave, faróis de perfil baixo, uma borda na tampa traseira:
o estilo do Calibra, lançado com motor de 2,0 litros em duas versões
Apresentado no Salão de Frankfurt em setembro de 1989, o Calibra impressionou. Suas formas suaves e favoráveis ao deslocamento do ar pareciam as de carros-conceito da época, não de modelos de produção. O mesmo valia para seu coeficiente aerodinâmico (Cx), 0,26, o melhor já visto em um carro de série e que assim permaneceria por 10 anos (em 1999, o Audi A2 e o Honda Insight alcançaram 0,25). O valor aplicava-se apenas à versão básica, pois as demais tinham diferenças como rodas, pneus e tomadas de ar que levavam o número a 0,29.
O Calibra ganhava desempenho à altura no
Turbo 4×4, com 204 cv e câmbio de seis
marchas: acelerava bem e atingia 245 km/h
Um dos destaques era o baixíssimo perfil dos faróis (7 centímetros), permitido pelo então raro emprego de refletores elipsoidais. As janelas das portas dispensavam moldura, como deve ser em um cupê. Na extremidade da tampa traseira, que se erguia com o vidro para amplo acesso ao compartimento de bagagem, uma borda sugeria a solução que o BMW Série 3 do ano seguinte (geração E36) tornaria grande tendência entre os sedãs dos anos 90.
Embora comprimento (4,49 metros), largura (1,69 m) e distância entre eixos (2,60 m) fossem próximos aos do Vectra, o cupê era bem mais baixo, com 1,32 m ante 1,40 m do sedã. O peso variava de 1.120 a 1.405 kg, incluídas versões posteriores. O interior de quatro lugares tinha linhas modernas, materiais de acabamento de alta qualidade e a funcionalidade típica dos carros alemães, mas decepcionava quem esperasse por uma identidade visual: as formas eram iguais às do Vectra.
A plataforma vinha do Vectra, mas com suspensão traseira independente;
também o interior reprisava o do sedã, o que lhe rendeu críticas
O aproveitamento da plataforma do sedã impôs que o Calibra usasse motor transversal e tração dianteira, não as melhores soluções para um carro esportivo — o Manta havia escapado à tendência por usar a arquitetura do segundo Ascona, ainda de tração traseira. Em contrapartida, a Opel tomou o cuidado de aplicar-lhe uma suspensão posterior independente com braço semiarrastado — mesmo princípio do Omega e de modelos da BMW até então —, mais elaborada que o eixo de torção do sedã.
De início estavam disponíveis duas versões do motor quatro-cilindros de 2,0 litros: com duas válvulas por cilindro, potência de 115 cv e torque de 17,3 m.kgf, e com duplo comando, quatro válvulas, 150 cv e 20 m.kgf. A mais potente não era brilhante em aceleração (de 0 a 100 km/h em 8,5 segundos), mas surpreendia em velocidade máxima: 223 km/h. Dois anos depois, no modelo 1992, vinha a opção de tração integral com o sistema que havia estreado em 1989 no Vectra, aplicável apenas com caixa manual. Ele mantinha o torque nas rodas dianteiras até detectar perda de aderência, quando um acoplamento viscoso passava a tracionar também o eixo traseiro.
A revista inglesa Car confrontou o 16V da Vauxhall — marca local da GM — ao Toyota Celica e ao Volkswagen Corrado G60, que mostraram desempenho muito semelhante. “O Calibra tem o melhor som de motor do trio. Seu limite de aderência em curvas é o mais baixo; ele subesterça forte, mas tem bom comportamento. O interior tem excelentes bancos e ergonomia, acabamento atraente e bem feito; o painel bonito e eficiente é o mesmo do Cavalier (Vectra)”, observou. O Celica, porém, mostrou-se a melhor opção.
O Calibra Turbo 4×4: motor de 204 cv, câmbio de seis marchas e
tração integral para acelerar de 0 a 100 em 6,8 segundos
O 4×4 avaliado pela Autocar & Motor, também britânica, revelou “excelente aderência, ótimo uso de espaço e baixo consumo”, embora fosse criticado pelo desempenho, o rodar áspero e o interior igual ao do sedã. “A razão de existir do 4×4 é evidente em sua grande aderência e a impressionante estabilidade. O motor de 150 cv precisa de mais potência para lidar com o peso adicional do sistema de tração. Para seu preço, o desempenho desaponta”, notou a revista.
O Calibra ganhava desempenho à altura de seu visual esportivo em março de 1992: chegava a versão Turbo 4×4, com o 16-válvulas turboalimentado para obter 204 cv e 28,5 m.kgf, em pacote que incluía câmbio manual Getrag de seis marchas, sem opção de automático, e rodas de 16 pol com pneus 205/50. Acelerava muito bem — de 0 a 100 km/h em 6,8 segundos — e atingia 245 km/h. A linha completava-se para 1993 com um V6 de 2,5 litros, também comum ao Vectra, com quatro válvulas por cilindro, 170 cv e 23,1 m.kgf, suficientes para 0-100 em 7,8 s e máxima de 237 km/h. Embora oferecesse a opção de caixa automática, o V6 tinha tração apenas na frente.
No comparativo da Car ao Ford Escort RS Cosworth e ao Corrado VR6, o Calibra Turbo venceu o VW em desempenho, ficando atrás do Ford. “O motor é potente, disposto e suave, embora ruidoso. Seu interior é funcional, mas poderia ser mais apelativo. O Calibra precisa ser esterçado com mais vigor nas curvas para não subesterçar. Sua aderência é forte”, observou a revista, que deu a vitória ao Cosworth.
O V6 de 170 cv associava bom desempenho e câmbio automático;
o conversível foi feito pela Valmet para estudos, mas não produzido
De início fabricado na própria Opel em Rüsselsheim, Alemanha, o cupê ganhava em paralelo a produção pela Valmet Automotive em Uusikaupunki, Finlândia, em 1991. No Reino Unido foi vendido pela divisão Vauxhall; na Austrália, pela Holden; na África do Sul e em países da América Latina como o Brasil, pela Chevrolet, mas sempre com o nome original do modelo (isso não ocorreu com outros Opels como o Corsa, que era Nova para os ingleses e Barina para os australianos, e o próprio Vectra, chamado de Cavalier na terra da rainha).
O mercado brasileiro recebeu-o em setembro de 1993, mesma época do lançamento do primeiro Vectra nacional, em versão única de 16 válvulas e câmbio manual. Desestimulada pela alta do Imposto de Importação para 70% em 1995 — descumprindo o programa de redução paulatina previsto no início da década —, a GM não importou outras versões e manteve o carro no mercado até o ano seguinte.
A modernidade de desenho do Calibra permitiu que ele passasse sete anos em produção com alterações mínimas. O motor aspirado de 16 válvulas passava por evolução em 1993: agora era da linha Ecotec, com menores emissões poluentes (padrão Euro 2), o que levou a uma calibração mais “mansa” e fez cair a potência (de 150 para 136 cv) e o torque (de 20 para 18,9 m.kgf), embora em regimes mais baixos. O V6, em contrapartida, subia de 23 para 23,4 m.kgf com a mesma potência. Bolsas infláveis frontais eram adotadas no mesmo ano. Em meados de 1994 vinham grade dianteira com o emblema da Opel (antes colocado no capô), novas rodas e grafia dos instrumentos.
As séries Keke Rosberg (foto maior) e DTM Edition ligavam o cupê de
rua à versão do DTM (à direita), que foi campeã no ITC em 1996
O Calibra foi oferecido em diversas edições limitadas, entre as quais se destacaram a DTM Edition (1995), em alusão ao Campeonato Alemão de Carros de Turismo; a Keke Rosberg Edition (mesmo ano), em homenagem ao piloto finlandês que competia na categoria; e a Last Edition ou última edição (1997), um Turbo que recebia rodas BBS de 16 pol, defletores da preparadora Irmscher, bancos de couro creme e suspensão esportiva. Outras foram Classic, Classic II, Cliff Motorsport e Young. Consta que dois conversíveis foram construídos pela Valmet para estudos; vários outros resultaram de adaptações.
Embora o Calibra V6 em uma específica versão 4×4 tenha participado do DTM desde a temporada de 1994, em substituição ao Omega com motor de 3,0 litros, sua participação só foi mesmo bem-sucedida em 1996, quando Manuel Reuter foi campeão entre os pilotos no Campeonato Internacional de Carros de Turismo (ITC) e a Opel faturou o título de construtores. O ITC era um braço internacional do certame alemão.
Ao sair de produção, em junho de 1997, o Calibra acumulava 239.118 unidades produzidas. Depois dele, a Opel não mais teria cupês derivados do Vectra ou de seu sucessor Insignia — houve apenas uma versão cupê do Astra, em 2000, e hatches de três portas mais esportivos das duas gerações subsequentes desse modelo.
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