São coisas simples, no dia a dia e na manutenção, que podem tornar mais confiável (mais feliz?) esse bom companheiro sobre rodas
“Ei, você!
Sim, você mesmo. Não, não é o celular chamando, nem ninguém do carro ao lado. Sou eu mesmo, seu automóvel, que resolveu tomar coragem e falar com você.
Duvido que saiba, mas esta sexta-feira 13 de maio é meu dia: o Dia do Automóvel. Não é invenção minha: foi Getúlio Vargas quem criou essa data comemorativa, em 1934, para incentivar o uso da primeira estrada pavimentada do Brasil, inaugurada em 1926 entre Xerém, no município fluminense de Duque de Caxias, e a cidade turística de Petrópolis.
Pois eu gostaria de aproveitar a data para conversar um pouco sobre nossa relação.
Eu gosto mesmo é de pegar estrada, quando você me leva para conhecer outras regiões ou para sentir o ar da serra rumo à praia
Todos os dias eu o levo para lá e para cá, silencioso, sem me fazer notar mais que pelo ruído do meu coração (que vocês chamam de motor, como se eu não tivesse vida), pelo rolar dos meus pneus ou pelas músicas que saem do meu rádio. Noto que por muitos dias você mal me percebe: trata-me como um ser inanimado, um mero objeto. Aperta um botão, eu destravo a porta, você entra, senta e gira a chave para me acordar — às vezes em uma manhã gelada de inverno, quando o que eu mais queria era dormir mais um pouco. Seria respeitoso me tratar com carinho nesses primeiros minutos, sem me forçar a batimentos cardíacos (que vocês chamam de rotações) muito altos.
Mas não é só do começo do dia que quero falar: é do dia inteiro. Sabe aquela sua mania de passar rápido em ruas esburacadas para não sentir desconforto? Pois é, quem sente em dobro sou eu. E aquele jeito estranho de passar em lombadas, meio de lado? Se ela não for alta o bastante para eu raspar a barriga, isso não traz vantagem — e força mais meu monobloco quando uma roda trabalha de cada vez. Veja, só estou pedindo cuidados úteis para que eu viva mais e melhor: nada de medidas desnecessárias ou que só meus antepassados exigiam.
Eu gosto mesmo é de pegar estrada, quando você me leva para conhecer outras regiões ou para sentir o ar da serra a caminho da praia. Mas fique atento: em vez de pisar por tanto tempo no freio, que tal reduzir uma marcha ou duas na descida? Usando o freio-motor você poupa meus freios e evita que eles esquentem demais.
Por falar em esquentar, quando faz muito calor você liga meu ar-condicionado no máximo. Mas há quanto tempo não verifica se tenho água e aditivo na medida certa no sistema de arrefecimento para me refrescar também? Se precisar completar, não use água da torneira: ela contém minerais que fazem mal para meu coração. A certa é desmineralizada, vendida em postos e lojas de autopeças. E meu ar-condicionado funciona melhor quando estou com filtro de cabine novo, limpo.
Cuidados com a saúde
Desculpe cobrá-lo assim, mas para manter a saúde em dia eu preciso de atenção. A cada 15 dias, antes de me acordar ou uns 10 minutos depois de me estacionar, peço que confira o nível do meu sangue — aquele que vocês chamam de óleo lubrificante. Não faça isso tão logo desligue meu coração, pois o sangue precisa de algum tempo para descer: medindo antes, você pensa que ele está em falta e adiciona sem precisar, o que me faz mal. Na hora de trocá-lo, observe qual o tipo mais adequado para mim.
Quando for ao posto me alimentar, não pense só no seu bolso: comida (que vocês chamam de combustível) de qualidade nem sempre é barata e, escolhendo pelo preço, você pode me causar uma indigestão. O custo do conserto, depois, pode ser indigesto para você também. E peço para não me dar alimento em excesso: o ideal é parar quando a bomba se desliga de forma automática. Encher “até a boca” pode me fazer engasgar se o excesso de combustível encharcar meu filtro de vapores, o cânister.
De tempos em tempos, precisarei ir ao médico para procedimentos mais detalhados: consulte o manual e tudo dará certo
Aproveite a visita ao posto, uma vez por mês, para verificar a pressão dos meus pneus — de preferência ainda frios, sem que eu tenha rodado muito. Não acredite nas “30 libras em todos” que o frentista recomendar: quem sabe a pressão certa é minha mãe, que me fabricou. Ela colocou as instruções no meu manual e em mais algum lugar, como na coluna da sua porta ou na portinhola do tanque. Você verá ali que essa pressão deve ser maior se houver mais pessoas e bagagem dentro de mim. E devo avisá-lo para não aceitar coisas de estranhos… como frentistas. É chato dizer, mas eles recebem comissão para vender produtos de que eu e você não precisamos, como aditivos para o óleo e o combustível.
A cada 10 mil quilômetros, leve-me a uma boa oficina para refazer o alinhamento e o balanceamento de rodas. Você gostaria de andar arrastando os pés ou dando pulinhos por falta desses cuidados? Aproveite e peça para conferirem quanto ainda tenho de material nas pastilhas de freio: se ele acabar, vou lixar os discos com elas e dar-lhe um prejuízo que seria simples evitar.
De tempos em tempos, precisarei ir ao médico… ops, ao mecânico para alguns procedimentos mais detalhados. Pode ser uma troca de velas, a substituição da correia dentada do comando de válvulas ou a do lubrificante da transmissão automática. Quanto tempo? Mais uma vez, quem sabe é minha mãe: consulte o manual e tudo dará certo. É melhor que ir na conversa de quem ganha pelos serviços ou, por outro lado, me tratar como um carro qualquer e acabar negligenciando uma tarefa importante para minha saúde.
E tem mais uma coisa: assim como você, eu gosto de aparecer bonito e arrumado para meus amigos. Uma lavagem de vez em quando cai bem — e não precisa gastar a preciosa água para isso, já que existem produtos para limpeza a seco. A cada três meses, um enceramento ajuda minha pintura a resistir ao sol intenso, ao sereno e à maresia e repelir a poeira. E se eu tiver bancos revestidos de couro, um produto hidratante será muito bem-vindo.
Como você viu, não estou pedindo muito: só um pouco de cuidado todos os dias e algum tempo de vez em quando. Em troca, prometo ser seu fiel companheiro nos congestionamentos da cidade, nas boas esticadas pela estrada e nos passeios em família. E, quando eu estiver velhinho e chegar o dia de nos separarmos, você terá a consciência tranquila de saber que tratou bem seu bom amigo automóvel.”
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