Grupo investe pesado em mídia de massa, para revitalizar a combalida marca chinesa e conquistar compradores
“O que é, o que é? Antes custava R$ 40 mil e ninguém ligava para ele. Hoje custa até R$ 70 mil e todos estão loucos por um.”
A resposta é fácil: Chery Celer. O hatchback chinês começou a ser fabricado no Brasil em 2015, encontrou poucos interessados e saiu de cena quase sem ser percebido. Em seu lugar na linha de produção de Jacareí, SP, está praticamente o mesmo carro com nova frente, suspensão elevada e preço bastante, digamos, reforçado: o Tiggo 2, hatch “aventureiro” que a propaganda chama de SUV.
Ainda não pude dirigi-lo, nem encontrei qualquer avaliação completa do carro em sua versão com transmissão automática, a que vai de fato para a briga nesse momento de mercado. Fica a sensação de ser uma estratégia da marca, não liberar unidades dessa opção para avaliações da imprensa especializada, a fim de evitar questionamentos técnicos que possam prejudicar a procura do carro pelo consumidor, justo quando a marca tem investido maciçamente em publicidade para tornar o produto bem conhecido.
Com palavreado exagerado e pouca modéstia, sem o logotipo da Chery, teria a impressão de que era um anúncio da Hyundai nos tempos de Caoa a todo vapor
Resolvi falar do Tiggo 2 justamente porque, como você, tenho sido muito impactado pela propaganda. Esse assunto é amplamente dominado pela Caoa, desde a época em que era a única empresa a representar a Hyundai no Brasil — hoje existe o fabricante sediado em Piracicaba, SP. E não é sem critério que pode se afirmar: a Hyundai tornou-se a marca aspiracional de hoje, no País, graças ao vultuoso dinheiro aplicado nisso.
Quando abri os dois principais jornais nacionais nesse domingo lá estavam anúncios imensos, de página inteira, mostrando os predicados do Tiggo 2. Raridade, nos dias de hoje. Quase nenhuma marca anuncia carros dessa forma atualmente, seja pelo declínio da chamada mídia tradicional, seja pelo preço proibitivo desse tipo de ação numa época de mercado estagnado e alternativas digitais, pretensamente mais econômicas e de melhor efetividade.
Com sinceridade, se tapasse o logotipo da Chery, teria a impressão de que era um anúncio da Hyundai nos tempos de Caoa a todo vapor. O palavreado exagerado nos advérbios — “maior”, “melhor”, “maiores do mundo” — e expressões de pouca modéstia, como “a maior concentração de qualidade e tecnologia por cm²”, passam autoconfiança exagerada.
Talvez essa autoconfiança tenha feito falta quando a solitária Chery desembarcou por aqui, cheia de planos, e ergueu uma fábrica desavisadamente em Jacareí. Se tivesse um bom conselheiro, teria segurado o dinheiro e esperado um melhor momento. Bom para Caoa, o empresário, que com seu conhecido tino de oportunidade enxergou a possibilidade de fazer as coisas de seu jeito, encampando por um valor competitivo uma estrutura pronta e na mais completa barafunda.
Rei dos SUVs
A estratégia de publicidade intensa parece estar dando resultados. Os números de venda não são nada modestos para um carro de uma marca novata com estigma chinês, sem atributos de confiabilidade e assistência comprovados — sabemos como o preconceito dos brasileiros é forte quando o assunto é automóvel. Com quase 50 concessionárias, basicamente concentradas em grandes centros, vender essa quantidade de carros (foram 1.054 Tiggos 2 em outubro) parece um feito e tanto em poucos meses de operação conjunta.
A JAC Motors, que conta com pouco mais de prestígio por conta da maior quilometragem rodada no País e da persistência em se manter viva mesmo com anos de Inovar-Auto, patina para chegar a números relevantes como esse, a despeito do maior portfólio de produtos. Por isso sou levado a pensar que a ampla publicidade, no caso da Caoa Chery, é mesmo o fator determinante da estilingada inicial.
A Chery abandonou os desenhos genéricos, desistiu de copiar estilos dos outros (como os primeiros QQ e Tiggo) e tem apresentado carros com certa personalidade
O Caoa empresário ficou conhecido por aqui como o “rei dos SUVs”, por apostar fortemente nessa categoria numa época em que sedãs, hatches e até minivans tinham maior representação no mercado brasileiro do que hoje. De fato, uma estratégia de visão. A Hyundai era também conhecida por automóveis de desenho genérico e sem inspiração. A consolidação de uma filosofia própria de estilo e a guinada da percepção de qualidade de construção, aliadas à publicidade maciça pelas mãos da Caoa, fizeram o que a Hyundai é hoje por aqui.
A Chery, internacionalmente, vive momento parecido ao que a sul-coreana viveu naquela época. Abandonou os desenhos genéricos, desistiu de copiar estilos dos outros (como o QQ e o Tiggo originais) e tem apresentado ao mundo carros com certa personalidade, caso dos novos SUVs da série Tiggo e do sedã Arrizo 5. A renovação do portfólio, se bem explorada, trará consistência ao fôlego inicial e pode consolidar uma rede de concessionárias disposta a investir — condição fundamental para dar ritmo às vendas e consolidar a assistência técnica, o que leva à construção da imagem. Eliminar da lista carros inconsistentes, como foi feito com o Celer, e criar um catálogo com produtos de alto valor agregado demonstra ser a estratégia de sucesso para a Caoa Chery.
De coração, desejo sorte. Não é fácil começar uma empreitada dessas. Para não sair do âmbito sino-brasileiro, o Grupo SHC — que representa a JAC — está combalido diante de tamanha instabilidade desse setor, mas demonstra força de vontade em manter o cronograma de lançamentos. O T40 me deixou a boa impressão de que já é hora de estudar um chinês como opção relevante. A Caoa Chery, se comprovar no mundo real as maravilhas anunciadas pela propaganda, em breve popularizará essa máxima.
Coluna anteriorA coluna expressa as opiniões do colunista e não as do Best Cars