Jeep deveria ser um carro rural, mas os urbanoides é que se encantaram por ele
O dia 4 de abril é uma daquelas excelentes sacadas de marketing. Considerado pela marca o Dia Mundial do Jeep (4/4 ou, na leitura livre, 4×4), os aficionados pelo lendário veículo multiuso cheio de história para contar reúnem-se, a fim de contar suas próprias histórias. O que é uma marca senão uma história bem-contada? Neste caso específico, seríamos injustos não classificando o Jeep em si como um membro honorário da história mundial do automóvel.
O lendário, primaz, aquele carrinho tacanho de dimensões diminutas, frente ostentando um bigodinho hirsuto de fendas verticais entre dois faróis redondinhos, que trepava ou mergulhava lépido em todas as barreirinhas e barreironas. Foi veículo de guerra. Viveu as mais diversificadas atrocidades, como protagonista ou testemunha. Inquebrável.
Cada vez menos a indústria alimenta o interesse por carros rápidos, mas terrenos ruins são mais fáceis de se conseguir — e os SUVs nadam de braçada nessa onda
Isso criou uma aura que transcende o normal, passa ao supranormal; cultos aos feitos do tal veículo são alimentados pelos amantes do carro que, se não era um primor em modernidade, adequava-se perfeitamente ao que se esperava dele — coragem, atrevimento. São os adjetivos que recheiam a marca do bigodinho. É desses adjetivos que se fartam os compradores desse tipo de veículo ou, ao menos, suas cópias.
Não há muitos lugares diferentes em que um veículo possa andar, além de estradas pavimentadas e não pavimentadas — e autódromos, claro. Ocorre que cada vez menos a indústria parece alimentar o interesse do consumidor por carros rápidos, pela óbvia razão de que rua não é lugar de andar a 200 km/h, por mais que o carro possa. Já terrenos ruins são mais fáceis de se conseguir, bastando ao proprietário se deslocar alguns quilômetros afora do centro urbano. Os carros de imagem funcional, ou seja, aqueles que são reconhecidos por características específicas, hoje nadam de braçada nessa onda mais recente.
Não quero entrar novamente naquele ramerrão da era dos utilitários esporte (SUVs). No entanto, uma característica marcante dessa fase de mercado em que vivemos é a intensa urbanização da sociedade. Incrível, não é? Seria o normal consumirmos mais veículos desse tipo, como os Jeeps, quando mais rurais fôssemos, mas o raciocínio parece mesmo estar ao contrário. Justamente pelo efeito “carro de imagem”.
Liberdade disputada
O comprador típico de veículo com esses predicados não compra carro — compra liberdade, ou ao menos a ideia da liberdade no sentido lato. Nos centros urbanos a liberdade é o bem mais disputado. Nessas cidades mornas e sem diversão, nesses carros tão prosaicos em que andamos e que mal aguentam um dia de chuva, histórias incríveis de superação tornam esses Jeeps uma verdadeira ode ao que, em inglês, se denomina breakaway, algo como fuga ou escapadela.
Em função de uma fila de espera enorme (bem urbana, por sinal), não pude dirigir o Wrangler, lançamento da marca, de visual abrutalhado e com aquela cara de veterano de guerra. Mas fiz questão de colocar nas provas fora de estrada um Renegade Willys, série especial baseada na versão Trailhawk e equipada com motor turbodiesel de 2,0 litros e 170 cv, associado a uma transmissão automática de nove marchas.
Nessas cidades mornas e sem diversão, em carros que mal aguentam um dia de chuva, histórias incríveis de superação tornam os Jeeps uma ode à fuga
Com tração nas quatro rodas e um pacote de assistências eletrônicas para trilhas mais saidinhas, o motorista sente-se em pleno controle e com a certeza de que não ficará pelo caminho. Mesmo se ficasse, estaria confortável, em ambiente climatizado, isolado, com som de ótima qualidade e com insetos e passarinhos enxeridos onde devem estar: do lado de fora. Seu por R$ 150 mil. Um autêntico carro de imagem.
Se tivesse um, jamais meteria em um lamaçal daqueles! Diz a lenda que a esmagadora maioria de proprietários de carros 4×4 jamais acionou o sistema. Eu, menino de cidade e sem 150 mil dando sopa por aí, sei bem o porquê. A Jeep também sabe e fez para nós um Renegade de tração dianteira, com motor Fiat flexível e que é líder em vendas. Um pouco obeso para a capacidade do motor e, provavelmente, tenha dificuldades em lidar com uma rampa de garagem mais íngreme. Não tem problema. Queremos mesmo é andar de Jeep e fazer fita. É para isso que serve um carro de imagem.
Coluna anteriorA coluna expressa as opiniões do colunista e não as do Best Cars