Um pouco do que acontece no corpo enquanto o piloto acelera forte sua moto ou se coloca em situações de risco
Desde que o Homem inventou a roda, não pensa em outra coisa a não ser em como ir mais rápido e melhor. Vieram a tração animal — que deu origem ao cavalo-vapor, que tanto adoramos —, o motor a combustão, os motores elétricos. Tudo para andar mais rápido e melhor. Portanto, esse namoro com a velocidade vem desde a Idade da Pedra. Felizmente já chegamos ao mundo depois do motor a combustão, que deu um gás — literalmente — em nossa paixão. Só que velocidade vicia.
Na verdade, fisiologicamente falando, o que vicia é a adrenalina (ou endorfina) proveniente da velocidade. Nosso corpo produz duas enzimas: a endorfina, conhecida como a “droga do prazer”, e a adrenalina, conhecida como a “droga do medo”. As duas são naturais e causam dependência, sim, mas têm suas vantagens: você é o consumidor e o traficante ao mesmo tempo e elas não têm contraindicação.
Uma das atividades que mais encharcam o cérebro de endorfina é andar de moto — para quem gosta e não sente medo, claro
Vou começar pela endorfina. Segundo os fisiologistas, psicólogos e outros especialistas, a endorfina é secretada quando sentimos prazer — por exemplo, quando fazemos amor, quando comemos uma refeição deliciosa, nos inundamos de cachaça ou qualquer droga que dá barato. Essa sensação de bem-estar cria dependência e é o mecanismo de indução de todos os vícios, inclusive do cigarro. Como a endorfina é um vasodilatador, reduz a pressão arterial e dá aquela molezinha gostosa depois de ficar encharcado pela enzima.
Até aí, sem problemas: uma das atividades que mais encharcam o cérebro de endorfina é andar de moto — para quem gosta e não sente medo, naturalmente.
Eu mesmo fiz essa experiência. Instalei um Holter (aparelho que monitora o coração) e percebi que, ao rodar de moto na estrada, meus batimentos cardíacos chegam a menos de 60 bpm. É como se estivesse dormindo! Depois fui dar uma volta de carro no trânsito de São Paulo e a média subiu para 80 bpm, a pressão foi lá para as alturas e, se continuasse, acho que enfartaria.
Já a adrenalina é a enzima do medo, do estresse. Quando nos colocamos diante do perigo nosso corpo recebe uma descarga de adrenalina, que é um vasoconstritor, ou seja, reduz o diâmetro das artérias para o sangue chegar mais rápido aos membros. Resumindo, a endorfina preserva sua saúde, mas a adrenalina o leva mais rápido para a UTI cardíaca.
E a velocidade?
Aí é que está a questão. Quando um piloto vai para a pista e faz várias voltas no limite, em alta velocidade, está liberando endorfina, porque é um grande barato! Até que algo dá errado e perde o controle da moto — aí libera a adrenalina com propósito de preparar o corpo para a pancada. Já na estrada, quem anda em alta velocidade joga muito mais adrenalina no sangue do que endorfina, porque são inúmeras variáveis que podem levar ao acidente.
Costumo dizer que só há dois tipos de motociclistas que não sentem medo: o louco e o mentiroso. O medo faz parte e está muito mais presente em vias públicas do que em uma pista (de asfalto, cross, enduro, etc.), principalmente para quem vai na garupa, a milhão, como se fosse uma interminável montanha-russa. Em suma, na moto, quem vai mais devagar vive mais e com mais prazer.
Ainda existe quem acredite que frenagem é uma grandeza expressa apenas em metros, mas ela também é calculada pelo tempo
Uma das coisas que infernizam a vida é ver os maníacos do asfalto que correm o tempo todo, em qualquer lugar, e se esquecem de uma regra matemática chamada média. Fico louco quando vejo motociclistas me passando a 90 km/h em uma rua de São Paulo e depois estão parados em um semáforo. Correr na rua por prazer é de uma burrice astronômica, porque no fundo a velocidade média será praticamente a mesma, mas a exposição ao risco é exponencialmente maior.
Outra equação matemática de que pouca gente se lembra é da frenagem. Ainda existe quem acredite que frenagem é uma grandeza expressa apenas em metros, mas ela também é calculada pelo tempo, incluindo o chamado “tempo de reação”. Mais um esquecimento: a frenagem nada mais é do que uma aceleração negativa.
Como ensinaram nossos professores, a unidade de grandeza da aceleração é exponencial: metros por segundo ao quadrado. Portanto, se uma moto consegue frear em 35 metros a 100 km/h, isso não significa que quando estiver a 200 km/h ela vá parar em 70 metros, porque não é uma simples regra de três. Na verdade, vai percorrer quase 150 metros!
Pense nisso na hora de acelerar, porque tudo que corre uma hora precisa parar.
Coluna anteriorGeraldo Tite Simões é jornalista e instrutor de pilotagem dos cursos Abtrans e Speed Master
A coluna expressa as opiniões do colunista e não as do Best Cars