O desinteresse de nosso Poder Público pela preservação da história, no caso de nossa indústria automobilística, ameaça fazer mais uma vítima. O Museu Nacional do Automóvel, em Brasília, DF, obra pessoal do jornalista especializado Roberto Nasser, foi lacrado hoje (20) de manhã e está em vias de ser extinto. Antes do ocorrido, Nasser explicou nos termos abaixo a situação que pode pôr a perder todo seu esforço:
“A proposta do Ministério dos Transportes em fechar o Museu Nacional do Automóvel e aproveitar suas boas instalações para abrigar, como justifica, ‘o arquivo morto de órgão extinto’, por mais esdrúxula e inadequada possa parecer, cresce insidiosamente. Após as contestações, recursos, agravos, um nunca acabar de contatos no âmbito do judiciário e político nos estamentos federal e distrital, pensei que a situações estivesse calma, à espera de uma solução administrativa ou de uma pacificação política.
Paulo Dubois, administrador do Parque da Cidade, individualizou prédio sem uso e capaz de ser rapidamente adequado a sediar o Museu. Toda a documentação foi encaminhada ao Governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, para a assinatura do necessário Decreto de mudança de destinação da área. No campo jurídico, a Advocacia Geral da União, após constatar que ninguém assumiria a responsabilidade de tomar conta do acervo, sua riqueza, veículos únicos e a biblioteca, maior do País, propôs apresentar um plano de mudança para o Museu.
Em paralelo, a Ministra Chefe do Gabinete Civil enviou Aviso à Adocacia Geral da União recomendando providências para uma solução amigável. Ocorre que o Decreto do Governador não surgiu; a AGU descobriu que, fosse fácil transferir o Museu isto já teria sido feito, e do Aviso da Ministra não se considerou. Assim, a AGU reconheceu a dificuldade da remoção do acervo e solicitou ao Juiz da 5ª. Vara Federal que mandasse lacrar o Museu.
Eu estava fora do país quando informado, abortei minha viagem, mudei agenda, cancelei palestra que faria em São Paulo, para acompanhar o negócio de perto. A Secretaria de Patrimônio da União, onde meu pedido transitou durante 10 anos, recebeu ordem do citado Juiz para apor o lacre.
Redigi um pedido de Reconsideração, e fui recebido para despacho com o Juiz que, aparentemente, não se mostrou interessado em analisar as razões, sequer o pedido para manter o Museu funcionando até a Sentença na Ação. Até agora trabalha-se sobre uma Liminar, cujos fundamentos foram afastados pelo pedido da mesma AGU. O Chefe da Fiscalização da Secretaria do Patrimônio da União agendou o lacre para terça-feira (18), mas não teve agenda, nem quarta.
Lacrar o Museu significa fechá-lo. O acervo fica mais ou menos protegido, entre paredes, mas não pode ser limpo, mantido, ou os motores serem funcionados. Ou seja, é o início da catástrofe que todos assistimos no Museu Paulista de Antiguidades Mecânicas, em Caçapava, SP. A entrada no prédio pode ser feita pelo pessoal do Museu apenas para retirar itens pessoais.
Na prática do inexplicável, a solução nada serve às partes. Nem entrega o imóvel ao Ministério dos Transportes para ali guardar as preciosidades alegadas do ‘arquivo morto de órgão extinto’, como explica na petição inicial – aliás, este entulho elegante está guardado no Rio de Janeiro –, nem deixa o Museu cumprir sua missão social, estar aberto ao público.
Solicitei uma audiência com o Governador, outra com a nova Ministra da Cultura, a senadora Marta Suplicy, que tomou posse com discurso sobre a importância dos museus. São as duas autoridades objetivamente ligadas ao tema. Estou ao aguardo de ambos com expectativa de resolução.
Sou um otimista, embora de pouca paciência para convívio com a ignorância institucional. A importância do tema para a cidade tem gerado manifestações de apoio de antigomobilistas e de gente que não é do ramo, mas entende a importância do existir um equipamento como este.
Afinal, reúne raridades, duas exclusividades mundiais, quatro unidades tombadas pelo patrimônio público de São Paulo, já recebeu mais de 120 mil visitantes. As assinaturas à Petição Pública na internet têm aumentado, as mensagens nas redes sociais divulgado a situação. Amplo leque de manifestações positivas. O tricampeão Nelson Piquet, do exterior, mandou mensagem se disponibilizando para levar o tema às autoridades. O Museu do Caramulo – o mais importante de Portugal – quer saber como auxiliar! A bobagem vaza.
O descrédito do Brasil no cenário mundial será chaga difícil de fechar. Cerrar equipamento cultural às vésperas dos eventos internacionais, e quando os turistas já têm chegado à Capital. Brasília nada tem investido para a Copa do Mundo de Futebol exceto o estádio, de desconhecido uso posterior ao evento. Sem ampliar as opções turístico-culturais, ainda fecha um ponto importante de atração para a cidade. Além do apoio de gente esclarecida, a disputa tem parceiro importante.
O Ministério Público do DF baixou Procedimento para que o governo local e secretarias criem uma solução para impedir o fechamento, eis que vedado pela Lei Orgânica do DF. Mas, neste país que nos desorienta, uma instância recomenda solução para impedir o fechamento. Outra, federal, manda fechar.
Acredito numa solução rápida e positiva. São muitos os argumentos favoráveis e apenas um em contrário. Vejo os advogados da AGU e o Magistrado como pessoas de extremada coragem. Nestes tempos de redes sociais, bullying, comunicação imediata, suas ações pró-fechamento serão comentados por largo tempo pela lamentável vitória em fechar um Museu e expor o país e suas autoridades maiores. Esta imagem profissional de insensibilidade com o país irá acompanhá-los em toda análise para promoção.
Um outro aspecto que não se deve desconsiderar é o período pré-eleitoral. A divulgação dos atos ou omissões de dois governos do PT, o federal e o brasiliense, é carga adicional que os candidatos do partido dispensam neste momento de julgamento do Mensalão e de desgaste de imagem.
Enfim, reitero a certeza que, com tantos argumentos, apoios, ajudas de pessoas que sequer conheço, estamos fazendo uma barreira sólida para evitar um resultado que em nada interessa, desde o aluno de primeiro grau à Presidente da República.
Entretanto, quero tranqüilizar meus amigos: todos sabem, gosto de automóveis, sua história, mantenho minha convicção que em nossa passagem por aqui devemos construir e não apenas gastar e usufruir, tenho crença na obrigação social de dividir conhecimentos. Todavia, o que pode se chamar generosidade não se confunde com desvario ou falta de noção. Se o governo do País nas esferas federal e distrital entendem que museus são desnecessária frescura, que o obscurantismo é melhor que a luz, paciência. Fecharei o Museu, exportarei o acervo, venderei a biblioteca e, talvez, ainda agradeça aos agentes da justiça e da política ter-me poupado dos continuados esforços, da aplicação de tempo, recursos, emoções, e lamentarei ter nascido no país errado.
Você acha que pode ajudar? Proteste, fale, coloque nas redes sociais, escreva aos políticos de sua região, proteste junto ao gabinete da Presidente, ao governador do DF, à Ministra da Cultura, ao Advogado-Chefe da União.
Melhores saudações antigomobilistas do Roberto Nasser, curador”
O site do museu é www.museudoautomovel.org.br e contatos com Nasser podem ser feitos pelo e-mail curador@museudoautomovel.org.br .
Assinar esta petição pública pode ser uma forma de cada aficionado por automóvel manifestar sua opinião e contribuir para tentar reverter essa situação de desrespeito à nossa história automobilística.
(Foto: o Willys Itamaraty presidencial, uma das raridades do Museu)