
Fabricados por 17 anos, os grandes sedãs ofereciam espaço e maciez ao rodar que nunca foram superados
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação*
Que carro nacional representou o máximo em conforto em todos os tempos? Para muitos conhecedores, a resposta será a linha composta por Ford Galaxie, LTD e Landau. Esses sedãs de origem norte-americana, lançados em 1966 e produzidos até 1983, marcaram época como poucos automóveis brasileiros.
O primeiro Galaxie apareceu nos Estados Unidos em 1959 como o Ford de grande porte. Oferecia seis modelos, com destaque para o conversível Skyliner, cujo teto rígido alojava-se no porta-malas em 60 segundos. Como era praxe na época, ostentava muitos cromados e aletas (“rabos de peixe”) nos para-lamas traseiros. As opções de motores passavam por um seis-cilindros de 3,65 litros, o V8 de 4,8 litros e o V8 de 5,7 litros com até 300 cv (potência bruta, como todas as citadas neste artigo).
O primeiro Galaxie nos EUA, e 1959 (ilustrações em cima), e o modelo 1966 em versões cupê e sedã hardtop, que não chegaram aqui
O modelo 1960 crescia e no ano seguinte aparecia o V8 390 (6,4 litros) de até 375 cv. Esse motor dava lugar em 1962 ao de 406 pol³ (6,6 litros) e até 405 cv. O famoso 427 (7,0 litros) chegava um ano depois com 410 cv. A reformulação para 1965 deu ao Galaxie as linhas com que o conhecemos no Brasil, com faróis sobrepostos.
Havia 17 versões, incluindo sedãs normais e hardtop (sem coluna central), perua, cupê e conversível, e cinco motores do seis-cilindros de 4,0 litros ao V8 de 7,0 litros e 425 cv. No ano seguinte somava-se o V8 de 428 pol³ mais “manso”, com 345 cv. Essa linha foi mantida até o modelo 1967 — uma nova geração de estilo mais esportivo, mas menos potente, aparecia para o ano seguinte. Em 1974 a empresa deixava de produzir a linha Galaxie.
O primeiro automóvel da Ford
A Ford instalou-se no Brasil em 1°. de maio de 1919 para a montagem de automóveis Modelo T e caminhões TT com peças importadas da matriz. Entretanto, quando o GEIA (Grupo Executivo da Indústria Automobilística) iniciou a implantação da indústria automobilística nacional, definiu-se que tanto a Ford quanto a General Motors produziriam apenas caminhões. O primeiro modelo da Ford fabricado no país, em agosto de 1957, era um F-600 para seis toneladas com motor V8 a gasolina e 40% de nacionalização. A picape F-100 começava a ser feita em outubro.

O Galaxie 500 estreava em 1967 com linhas iguais às do norte-americano: era o maior carro então fabricado no Brasil
Foram precisos 10 anos para que a Ford passasse a produzir aqui um carro de passageiros. E, apesar da escassa motorização dos brasileiros, o modelo escolhido não era econômico e acessível, mas luxuoso e caro: o Galaxie 500, baseado no que os EUA fabricavam desde 1965. Cercada de grande expectativa, a novidade fazia sua aparição no 5°. Salão do Automóvel em 26 de novembro de 1966 no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Produzida a primeira unidade em 16 de fevereiro de 1967, o lançamento ao mercado dava-se em 2 de abril, um momento histórico para a Ford — e para a indústria nacional.
Construído sobre chassi, o Galaxie já trazia carroceria com deformação programada na frente e na traseira e opção de direção com assistência hidráulica
Externamente o Galaxie brasileiro era muito semelhante ao norte-americano, com porte avantajado (5,3 metros de comprimento, 2 m de largura, 3,02 m entre eixos), enorme balanço traseiro e o predomínio de linhas retas. Os robustos para-choques, as calotas, frisos, grade e o retrovisor eram cromados, seguindo a tendência da época. De cada lado da ampla grade vinham dois faróis circulares sobrepostos; as lanternas traseiras eram retangulares. Na publicidade a Ford grafava Gálaxie, com acento, para ensinar a pronúncia correta do nome.
O espaçoso interior acomodava com folga até seis pessoas em dois bancos inteiriços (o dianteiro com encosto fixo), permitidos pela montagem da alavanca da transmissão manual de três marchas na coluna de direção. O painel tinha escalas horizontais nos instrumentos e diversas luzes-piloto. Duas delas indicavam motor frio e superaquecido, em vez de um marcador de temperatura analógico (ambas apagadas em temperatura normal); outra apontava o uso do freio de estacionamento, acionado por pedal e liberado por alavanca. Integrado ao conjunto estava um rádio ainda não transistorizado.

Velocímetro horizontal, rádio integrado ao painel, transmissão na coluna; com bancos inteiriços, ele levava até seis pessoas
O sistema de ventilação forçada, raro no mercado, promovia alguma renovação de ar (não havia saídas de ar de cabine) e o desembaçamento do para-brisa. Os quebra-ventos eram movimentados por pequenas manivelas e, nas portas, molas limitadores de posição permitiam mantê-las abertas em dois ângulos, 45° e total. Tão extenso era o porta-malas (embora um tanto raso) que, à frente de toda a bagagem, ainda cabia o enorme estepe em posição horizontal. No começo, uma falha era a ausência de trava de direção e tranca para o bocal do tanque de combustível.
Motor de picape
O Galaxie era construído sobre chassi de longarinas (de desenho perimetral e não tipo escada), solução hoje abandonada nos automóveis em favor do monobloco, e já trazia carroceria com deformação programada na frente e na traseira, um fator de segurança. As suspensões tradicionais empregavam molas helicoidais bastante macias, em benefício do conforto, e só precisavam de lubrificação a cada 50 mil quilômetros. Os freios a tambor nas quatro rodas tinham regulagem automática e, pela primeira vez no País, o de estacionamento era acionado por pedal. Havia opção de direção com assistência hidráulica.
Próxima parteA ambulância

Embora o Galaxie não tenha sido oferecido no Brasil em versão perua, como as norte-americanas, a Ford local fez pelo menos um desses carros. Era o Galaxie 500 ambulância, apresentado em 1969 como trabalho da própria fábrica. Segundo a empresa, ela foi desenvolvida por seu centro de estilo em horários de folga.
Além da extensão do teto até perto do limite da traseira, a perua — que manteve as quatro portas — usava o para-choque traseiro da similar feita nos EUA. Os vidros da coluna central para trás eram opacos. No compartimento dianteiro a ambulância era como o Galaxie de série, mas com couro e vinil brancos aplicados a bancos, painel, painéis de porta e até ao volante.

Na parte de trás havia uma ampla maca, que corria sobre trilhos no assoalho plano, e banco para um acompanhante no lugar do banco traseiro original. Essa parte era separada da área do motorista por um vidro corrediço. A tampa traseira abria-se em duas partes, o vidro para cima e a seção inferior para baixo — arranjo muito usado em peruas norte-americanas. Na parte mecânica, para lidar com a diferente distribuição de peso, a fábrica aplicou molas traseiras reforçadas, amortecedores e freios redimensionados e o diferencial da picape F-100.
Não se sabe se a Ford chegou a usar a ambulância (provavelmente feita em exemplar único) para transporte de feridos na fábrica. Seu emprego mais conhecido, como mostram fotos de época, era apoio a competições da Fórmula Ford na década de 1970, onde a utilidade acrescentada a um dos mais luxuosos carros nacionais ganhava apelo especial. A perua foi leiloada no encontro de carros antigos de Águas de Lindoia, SP, em 2001 e depois restaurada às condições originais.
* Agradecimento ao Cadastro Nacional do Galaxie por imagens e informações usadas neste artigo