Do Dino 308 GT4 ao 458 Italia, uma linhagem de esportivos de
motor central que conquistou pelo estilo, carisma e desempenho
Texto: Marcelo Ramos e Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Quando Enzo Ferrari construiu seu primeiro carro, o 125 S de 1947, nasceu um conceito de identidade baseado na carroceria vermelha, o logotipo do cavalinho empinado e motores V12. Assim, quando o comendador lançou o Dino 246 GT, em 1967, muitos o renegaram pelo fato de ter apenas um V6. Heresia ou não, o Dino marcou a ruptura de uma tradição de 20 anos e abriu caminho para uma série de experiências que levariam a Ferraris antológicos, como os que compõem a série de entrada da marca com motor V8 central-traseiro — seus modelos de maior sucesso.
Tudo começou com o Dino 308 GT4, um cupê de 2+2 lugares lançado em 1973 no Salão de Frankfurt. Sucessor do 246 GT, apresentava linhas retilíneas bem definidas, desenhadas pelo estúdio Bertone — pela primeira vez na marca —, que seguiam a tendência lançada pelo 365 GT4 BB de 1971. Do Berlinetta Boxer o 308 também herdava os faróis escamoteáveis de forma retangular, a grade sobre o capô para o radiador e o desenho afunilado do nariz, estilo tubarão.
Em vez das formas sinuosas do 246 GT, o Dino 308 GT4 trazia linhas
retas elaboradas por Bertone com faróis duplos escamoteáveis
O requinte técnico estava no chassi tubular (o mesmo do 246 GT, mas com maior entre-eixos) que conferia boa rigidez à torção, na suspensão independente nas quatro rodas com braços sobrepostos e no inédito motor V8 central-traseiro transversal de 2,95 litros, que seguia o diâmetro de cilindros e o curso de pistões do V12 da série 365. Com duplo comando de válvulas em cada cabeçote — quatro árvores de comando, origem do “4” da designação — e quatro carburadores duplos Weber, ele produzia potência de 255 cv e torque de 28,9 m.kgf.
Fioravanti, responsável pelo 365 “Daytona” e
o Berlinetta Boxer, criou um dos mais
carismáticos Ferraris de todos os tempos
Velocidade máxima de 250 km/h e aceleração de 0 a 100 km/h em pouco mais de sete segundos consistiam em excelente desempenho para a época, sobretudo para um carro de quatro lugares. Os modelos destinados aos Estados Unidos, além de receber para-choques mais resistentes de estética discutível, tinham a potência reduzida a 205 cv pelas restrições a emissões poluentes.
Com quase 4,4 metros de comprimento e distância entre eixos de 2,55 metros, o 308 GT4 era capaz de abrigar a cabine com quatro bancos e o conjunto motor-transmissão na seção central, um feito raro. O interior mantinha a filosofia da marca, com muitos instrumentos e nada de supérfluos, nem mesmo rádio. O conforto se resumia aos bancos revestidos em couro.
Interior simples, sem concessões ao conforto, em um carro de técnica
apurada: oito cilindros, quatro comandos e 255 cv para 250 km/h
O teste da revista inglesa Car descreveu-o como “um carro impressionante e muito desejável, que se distingue por seu rodar excepcional, seu estilo e o desenvolvimento cuidadoso, a notável elasticidade do motor e, claro, seu sólido desempenho. Você pode considerá-lo um válido substituto para o Dino, ainda mais agradável de dirigir, ou uma alternativa mais sofisticada e refinada a ‘corredores de rua’ como o Porsche Carrera ou até como uma versão do meio dos anos 70 para o Lamborghini Miura: não tão potente, nem tão feroz e exigente, mas um bom negócio, mais refinado e prático”.
O Dino vendeu bem: de 1973 a 1980 foram 2.826 unidades, número expressivo para os padrões da marca — nos últimos quatro anos o nome Dino foi omitido, fazendo dele um legítimo Ferrari. Uma versão 208 GT4 com motor de 2,0 litros e 180 cv foi desenvolvida para mercados nos quais a cilindrada acima de 2.000 cm³ colocava o carro em categoria de maior tributação, como na própria Itália, e somou mais 840 exemplares.
O 308, um marco de desenho
O Dino 308, porém, ainda não era o que a Ferrari queria. Ela precisava de um carro esporte com desenho moderno e que ocupasse um lugar entre o 365 GT4 — um 2+2 pouco atraente, lançado em 1972 — e o Berlinetta Boxer, superesportivo com o lendário boxer de 12 cilindros e 420 cv, topo de linha da marca. Para isso foi convocado o estúdio Pininfarina, tradicional parceiro e responsável por muitas das formas mais belas do mundo do automóvel.
Para criar o 308 GTB a Ferrari chamou Pininfarina, que produziu
um estilo irretocável; os primeiros eram feitos de plástico e fibra de vidro
Grande parte das soluções mecânicas foi mantida, como motor, câmbio, tipo de chassi e suspensão. No estúdio de estilo, Leonardo Fioravanti — também responsável pelo 365 “Daytona”, o Dino original e o Berlinetta Boxer — dedicou-se a criar um dos mais carismáticos Ferraris de todos os tempos, um cupê para dois ocupantes com motor entre eixos. O resultado foi apresentado em 1975 e é considerado, até hoje, objeto de pesquisa e referência para estudantes de desenho.
Com linhas musculosas que uniam elementos nostálgicos e modernidade, o 308 GTB causou furor. A sigla significava Gran Turismo Berlinetta, este o termo italiano para cupê que significa pequeno sedã (berlina). A carroceria feita em plástico reforçado com fibra de vidro, com capô de alumínio, seria já no ano seguinte substituída por uma de aço, o que elevaria o peso de 1.090 para 1.155 kg. Os para-lamas dianteiros protuberantes remetiam às formas do Dino 246 GT. Também neste foram inspiradas as tomadas de ar, em forma de seta, que seguiam das portas até os para-lamas traseiros.
Próxima parte |
Os conceitos
A série de modelos V8 passou por diferentes interpretações por estúdios de estilo, algumas atraentes, outras nem tanto. No Salão de Turim de 1976 o estúdio Bertone revelava o 308 GT Rainbow (acima), baseado no Dino 308 GT4. Com linhas retas, trazia um teto rígido que podia ser guardado atrás da cabine — como se veria no 458 Spider, mas com remoção manual. O motor era o original do modelo.
Já em 1977 era apresentado o 308 GTB Speciale, feito em exemplar único pela Pininfarina para o Salão de Genebra, com novos defletor e aerofólio, para-lamas de alumínio e faróis auxiliares. Alguns detalhes apareceriam mais tarde no 288 GTO. O 328 ganhou sua versão Spider — também única — em 1986 pela empresa de Sergio Scaglietti, construtora de carrocerias especiais. Na época a Ferrari oferecia os esportivos V8 com teto targa, mas não conversíveis de verdade.
Outro exemplar único, embora não para exposição, foi o 360 Barchetta (barquinho, nome comum para pequenos conversíveis italianos), elaborado por projetistas da Ferrari em 2000 como presente de casamento para o presidente da marca Luca di Montezemolo. Atrás dos encostos de cabeça do conversível prateado vinham pequenos domos e o câmbio era manual.
A própria Ferrari mostrava em 2008, no Salão de Detroit, um F430 conceitual apto a consumir álcool em teor de 85%, o chamado E85. O Spider Biofuel (acima à direita) ganhou 10 cv, para 500, mas o projeto não teve continuidade.
Próxima parte |