O cupê de linhas sinuosas, que depois se tornaram retas, foi um passo dos sul-coreanos rumo a modelos mais dinâmicos
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
A sul-coreana Hyundai Motor Company, fundada em 1967, começou sua produção de automóveis com o Cortina feito sob licença da Ford inglesa e lançou o primeiro modelo próprio em 1975: o Pony, com desenho de Giorgetto Giugiaro e tecnologia Mitsubishi na mecânica. O tempo abriu oportunidade para começar a se dedicar a carros mais esportivos, caso do pequeno cupê Scoupe, apresentado em 1988 com base no Pony/Excel e motor de 1,5 litro. Foi um primeiro passo, mas os anos 90 trouxeram espaço para algo mais ambicioso.
Lançado no Salão de Genebra em março de 1996, o Hyundai Coupe (seu nome no Brasil, na Europa e no Oriente Médio), Tiburon (Estados Unidos, Austrália e África de Sul) ou Tuscani (Canadá, Cingapura e Coreia do Sul) usava a plataforma do sedã médio Elantra, sobre a qual aplicava uma interessante carroceria de linhas arredondadas, desenhada por Giugiaro e inspirada no carro-conceito HCD-II Epoch de 1993.
O conceito HCD-II Epoch de 1993 inspirou as formas do Coupe, sobretudo na frente
A frente quase sem grade que admitia ar para o motor pelo vão do para-choque, os vincos pronunciados que criavam “músculos” nos para-lamas e a traseira compacta pareciam justificar um de seus nomes: tiburón é tubarão em espanhol. Os faróis baixos tinham refletor elipsoidal. Com 4,34 metros de comprimento e 2,47 m de entre-eixos, ele pesava 1.150 kg. O interior mostrava linhas fluidas, com o painel voltado ao motorista, e opções como bancos revestidos em couro e teto solar. A ampla terceira porta dava acesso ao compartimento de bagagem.
Mais equilibrado e agradável, o estilo do segundo Tiburon abria mão das curvas e mostrava certa inspiração no Ferrari 456 GT
Três motores foram oferecidos na primeira geração, todos de quatro cilindros com quatro válvulas por cilindro: de 1,6 litro com potência de 111 cv e torque de 14,6 m.kgf (restrito a alguns mercados), de 1,8 litro com 130 cv e 17,4 m.kgf (por apenas dois anos) e de 2,0 litros com 140 cv e 18,3 m.kgf. Com o mais potente ele acelerava de 0 a 100 km/h em cerca de oito segundos e superava 200 km/h.
A transmissão podia ser manual de cinco marchas ou automática com quatro, sempre com tração dianteira. Nas suspensões independentes (dianteira McPherson, traseira multibraço), a engenharia da Porsche contribuiu para a calibração. Freios com sistema antitravamento (ABS) eram opcionais. Em um tempo em que a Hyundai usava o baixo preço como argumento para vencer a resistência do consumidor e ganhar mercado, era uma válida alternativa mais acessível a Acura Integra, Mitsubishi Eclipse e Toyota Celica.
O Tiburon somava interior esportivo, motores de até 140 cv e suspensões com acerto da Porsche; o conversível foi estudo de 1997 que não chegou às ruas
Testado pela revista Motor Trend nos EUA, o Tiburon 2,0-litros com caixa automática revelou potência adequada desde baixas rotações e “comportamento competente, com um equilíbrio entre conforto e estabilidade que a maioria vai apreciar. Em função e forma, fornece empolgação muito além do que esperávamos do nome Hyundai”. Uma versão conceitual conversível era apresentada em 1997 sem entrar em produção.
O esportivo passava por uma discutível reformulação em 1999. Ao aplicar-lhe quatro faróis ovalados, ressaltos no capô para destacar os faróis internos (maiores que os externos), grandes lanternas traseiras e saídas de ar no para-choque posterior, a Hyundai deixava-o com linhas um tanto estranhas. O quadro de instrumentos era refeito, mas não havia alterações mecânicas.
“O efeito é tão dramático quanto poderia ser por US$ 15 mil. Para uma marca coreana que ainda luta por aceitação nos EUA, você faz o que pode para chamar atenção. O Tiburon é bem acertado, mas o competidor direto Ford Escort ZX2 desempenha tão bem quanto ele por preço similar e vem com um logotipo bem reputado”, observou a também norte-americana Car and Driver, sinalizando uma rejeição aos carros daquela origem que se desfaria com o tempo.
Fase controversa: quatro faróis, ressaltos no capô, lanternas traseiras grandes e baixas
Essa série foi produzida por apenas dois anos até que ficasse pronta a segunda geração do cupê, apresentada em 2001. O novo estilo elaborado pela própria Hyundai, mais equilibrado e agradável, abria mão das curvas em favor de linhas retas e simples. Os quatro faróis circulares (outra vez com baixos elipsoidais) vinham atrás de lentes únicas, os para-lamas usavam vincos mais discretos e os dianteiros traziam saídas de ar — guelras de tubarão?
Não era preciso ter muita boa vontade para encontrar a inspiração do meio para trás no Ferrari 456 GT. As dimensões aumentavam para 4,39 e 2,53 m com peso a partir de 1.235 kg. O interior estava mais sóbrio e refinado e as versões superiores vinham com rodas de 17 pol, sistema de áudio Kenwood e bolsas infláveis laterais. Mais rígida e segura em colisões, a plataforma era compartilhada com o Elantra e o futuro Tucson.
Se o motor de 2,0 litros (agora com 136 cv e 18,2 m.kgf) permanecia como principal opção, a superior passava a ser o V6 de 2,7 litros, 172 cv e 25 m.kgf conhecido dos maiores Sonata e Santa Fe com opção de seis marchas na caixa manual (o 2,0 mantinha a de cinco) e seleção manual no caso da automática de quatro marchas. A versão mais apimentada atingia 220 km/h e cumpria o 0-100 em 8,2 s. Um 1,6 de 105 cv e 14,7 m.kgf era oferecido em alguns mercados.
O desenho próprio da segunda geração era harmonioso e lembrava um pouco o do Ferrari 456 GT; com interior mais refinado, oferecia motor V6 de 172 cv
A avaliação da Road & Track com o V6 destacou o motor “com torque bem melhor que os do Celica e o do Acura RSX e potência suave, embora não tão macio e potente quanto o do Eclipse V6. Ele tem potência em todo lugar, mas nunca uma tonelada dela. O carro é muito estável em alta velocidade e em estradas sinuosas comporta-se bem, com excelente comunicação pela direção. É um prazer atirá-lo nas curvas. Com um GT V6 bem-equipado abaixo de US$ 20 mil, é uma genuína bagatela de desempenho”.
A Car and Driver não se empolgou tanto e o V6 foi quarto colocado, à frente do Volkswagen New Beetle Turbo S, mas atrás do Eclipse GTS, do Celica GT-S e do vencedor RSX Type-S: “Tudo funciona razoavelmente bem, mas o Tiburon não é excelente em nenhuma tarefa. Sua aceleração fica para trás, a aderência lateral só supera a do Mitsubishi. É um carro de sabores não refinados, talvez inevitável em um jovem fabricante. O interior enche-se de ruídos em vez de música mecânica, a direção não tem vida e a transmissão requer esforço”.
A exemplo do primeiro, esse Coupe ganhou versão conversível de conceito: o CCS de 2003, com teto rígido retrátil formado por estruturas laterais metálicas e vidro, que se guardava sob a tampa do porta-malas por um mecanismo automático. Mesmo quando fechado, permitia aproveitar o sol. A elegante versão incluía rodas de 18 pol e interior marrom até no painel, mas também não chegou ao mercado.
O conceito CCS de 2003 sugeria um cupê-conversível com teto rígido retrátil; embaixo a versão TS III 2008 com a renovação de estilo do ano anterior
Leves alterações visuais — para-choques, faróis escurecidos, lanternas traseiras — vinham no modelo 2005 do cupê. Dois anos mais tarde ele ganhava faróis mais modernos (ainda com quatro refletores circulares), grade de perfil mais baixo e lanternas traseiras menores. As “guelras” davam lugar a saídas de ar mais discretas. Por dentro, novos bancos e iluminação azul nos instrumentos. Controle eletrônico de estabilidade e tração estava disponível pela primeira vez.
Apesar das atualizações, o Coupe já não estava tão competitivo. Teste da inglesa Auto Express com a versão TS III de 2,0 litros indicou que o motor era “lento e inadequado a suas pretensões esportivas. Em altas rotações, enche a cabine com um ruído desagradável. O TS III roda bem a maior parte do tempo, mas pelo preço ele está no território de hot hatches como Honda Civic Type R e VW Golf GTI, carros que mordem tão bem quanto latem”.
O primeiro Coupe foi vendido no Brasil entre 1997 e 2001 com o motor de 2,0 litros, processo iniciado na fase anterior à representação da Hyundai pela Caoa, que vem desde 1999. A segunda geração esteve no mercado apenas em 2002 e 2003 com o V6 e caixa manual ou automática. O Tiburon, Coupe ou Tuscani ficou em produção até 2009, quando a Hyundai optou por dois caminhos para sua sucessão: um cupê menor e mais barato, o Veloster, e um maior com tração traseira e motores mais potentes, o Genesis Coupe. O tubarão asiático acabou ficando sem substituto direto.
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