Das versões práticas às mais esportivas, o sucessor do Fusca mostrou
em 30 milhões de unidades como atender aos anseios do público
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Com toda sua popularidade mundial, o Volkswagen Sedã — nosso conhecido Fusca — levou 50 anos para atingir o marco de 20 milhões de unidades produzidas. Um de seus descendentes precisou de apenas 26 para fazer o mesmo e continua girando o hodômetro da produção a grande velocidade, tendo já superado o marco de 30 milhões: o Golf, um sucesso da marca que completou em maio 40 anos de mercado.
No início da década de 1970, sob comando de Kurt Lotz e mais tarde de Rudolf Leiding, a fábrica alemã revia alguns conceitos. A fórmula de motor arrefecido a ar na traseira e suspensão por barras de torção, tão defendida por seu presidente até 1968, Heinrich Nordhoff, já não convencia grande parte do público, interessado no conforto dos motores de arrefecimento a líquido e de suspensões com molas helicoidais. O insucesso de projetos como o do Tipo 4, no fim dos anos 60, havia deixado claro que Wolfsburg precisava evoluir.
O primeiro Golf seguia conceitos técnicos do Passat em um tamanho menor;
à direita, o estudo EA-276, de 1969, que previu algumas de suas soluções
A VW havia desenvolvido em 1969 o projeto EA-276 (EA significa contrato de desenvolvimento em alemão), com linhas que lembravam um pouco as de nosso Brasília, motor e tração dianteiros — mas ainda vindos do Fusca. Em vez desse caminho, a marca optou por seguir a concepção já em uso pela Audi, adquirida por ela em 1966, e lançada em 1970 em um VW com o K 70, projeto herdado da NSU. Daquele ponto em diante, motor dianteiro arrefecido a líquido, tração à frente e molas helicoidais se tornariam padrões nos automóveis desenvolvidos pela marca.
No GTI o motor de 1,6 litro usava injeção
mecânica e, com 110 cv, levava o carro de apenas
800 kg a acelerar de 0 a 100 em 9,2 segundos
O primeiro a estrear foi o Passat, em 1973 (no ano seguinte no Brasil). Para suceder ao Fusca, a empresa encomendou mais um projeto ao italiano Giorgetto Giugiaro. Em maio de 1974 começava a produção do Golf, fruto do projeto EA-337, seguindo-se ao esportivo Scirocco derivado da mesma plataforma. Com nome associado a um esporte, assim como outros Volkswagens posteriores (Polo, Derby, o Gol brasileiro), ele seguia os princípios mecânicos do Passat com a adição da montagem transversal do motor, que permitia uma frente mais curta. Ao contrário do Fusca, tinha porta traseira (hatchback) e a opção de cinco portas.
Ambos partilhavam a distância entre eixos de 2,40 metros, mas o novo carro era 37 centímetros mais curto com seus 3,70 m; seu peso partia de apenas 790 kg. As linhas criadas pelo célebre Giugiaro mostravam-se simples e funcionais. Os traços retos mantinham a robustez do desenho do Passat, ao qual se assemelhava também nos faróis circulares. As colunas traseiras largas, que transmitiam solidez, se tornariam uma marca do Golf através das décadas.
No interior funcional, espaço bem superior ao do Fusca com o mesmo
entre-eixos; havia opção por três ou cinco portas e motores 1,1 a 1,5-litro
Era um carro moderno também em segurança: zonas de deformação dianteira e traseira em caso de colisão, coluna de direção retrátil, encostos de cabeça dianteiros (de 1976 em diante), cintos de três pontos na frente (atrás em 1979). Contudo, a versão básica nem mesmo freios a disco dianteiros ou pneus radiais tinha. O motor de 1,1 litro, o mesmo do Audi 50, desenvolvia potência de 50 cv e torque de 7,8 m.kgf; estava disponível também o 1,5 de 70 cv e 11,4 m.kgf do Audi 80. Em setembro de 1975 chegava a versão GLS, com motor 1,6 de 75 cv e 11,9 m.kgf opção de câmbio automático. Como no Passat, a suspensão dianteira era independente McPherson, a traseira recorria ao eixo de torção — ambas com molas helicoidais — e a geometria de direção incluía raio negativo de rolagem.
A revista Car inglesa comparou o novo VW ao Opel Kadett City (similar ao Chevette hatch brasileiro) e ao Renault 5: “Seu desempenho chega a ser impressionante para sua cilindrada: ele vai de 0 a 96 km/h em menos de 15 segundos, girando com mais disposição e suavidade. O Golf é muito flexível e, embora não tão econômico quanto o Renault, é bastante frugal. Ele faz curvas com menos inclinação que o R5 e mostra-se ágil e agradável. Bitolas largas, tração dianteira e suspensão bem projetada resultam em aderência potente. O interior é espartano, mas com desenho eficiente”. Outros concorrentes eram Fiat Ritmo, Ford Escort e Simca 1100.
Precursor de uma geração
O Golf logo conquistou seu espaço no mercado, empurrando lentamente o Fusca para o fim, que chegaria na Alemanha em 1977. Em março de 1976 já eram 500 mil carros produzidos. Em junho a VW lançava uma versão que se tornaria lendária: o esportivo GTI (gran-touring injection ou grã-turismo injeção), precursor da geração de hatches de alto desempenho. Conta-se que o GTI nasceu de forma casual quando um engenheiro de desenvolvimento de Wolfsburg resolveu preparar um Golf. Os resultados impressionaram a ponto de levar ao estudo de uma versão esportiva, no Salão de Frankfurt de 1975, que daria origem ao carro de série logo depois.
Motor de 1,6 litro com injeção e 110 cv, pneus e suspensão revistos, detalhes
internos esportivos: o GTI surgia em 1976 para inaugurar uma categoria
O caráter do GTI estava evidente no defletor dianteiro, nas molduras nos para-lamas, nas faixas laterais e na grade com friso vermelho. As cores se limitavam a prata e vermelho, com o preto aparecendo anos depois. A suspensão, mais baixa, recebia estabilizadores nos dois eixos e os pneus eram 175/70 R 13. O interior ganhava revestimento dos bancos e volante mais esportivos e o pomo do câmbio (de apenas quatro marchas) em forma de bola de golfe seria visto muitas vezes dali em diante — mas o trunfo do GTI estava sob o capô.
O motor de 1,6 litro do Audi 80 GT usava injeção mecânica Bosch K-Jetronic e, com 110 cv e torque de 14 m.kgf, levava o carro de apenas 800 kg a acelerar de 0 a 100 em 9,2 segundos e atingir 182 km/h de máxima. A revista Autosport escreveu sobre ele: “O motor é tão isento de vibrações que seria difícil adivinhar quantos cilindros ele tem… A aceleração é muito rápida. O GTI é tão surpreendente que não há nada sério para criticar. Ele combina desempenho com refinamento, curvas extremamente rápidas com estabilidade aos ventos laterais, velocidade com segurança”.
A Motorsports concordava: “Sua aceleração não parece surpreender até você descobrir que a velocidade alcançada nas três primeiras marchas traz o tipo de desempenho encontrado em sedãs BMW de 3,0 litros. Contudo, não há tamanho adicional para carregar e os freios são excelentes”. A demanda pelo pequeno esportivo foi tão grande que a previsão de 5.000 unidades no primeiro ano só não foi muito superada (ficou em 6.067) por falta de sistemas de injeção. A VW lançou então a publicidade: “O Golf GTI vende, por si só, mais rápido do que nós podemos produzi-lo”.
O conversível era construído pela Karmann, antiga parceira dos tempos do
Fusca; a edição Driver, uma das muitas oferecidas, seguia o visual do GTI
A francesa L’Auto Journal comparou o esportivo ao Kadett GT/E e ao Renault 5 em versões Alpine e Alpine Copa. O GTI acelerou junto do Opel, à frente dos R5, e mostrou qualidades: “Potente, elástico, com bom torque, seu motor 1,6 comporta-se como um autêntico 2,0-litros e consegue excelente desempenho em um circuito sinuoso. Ele tem um câmbio rápido e muito preciso e a direção é suave em todos os casos. Em curvas é claramente subesterçante, mas se consegue que a traseira realize derrapagens controladas”.
O Golf chegava aos Estados Unidos em julho de 1978, com o nome Rabbit e adaptações ao gosto e às normas locais (leia quadro na página 2), e logo surgia por lá a picape Caddy (veja na página 4), que só chegaria à Europa depois de três anos. O câmbio de cinco marchas vinha em 1979, assim como o motor 1,5 a diesel de 50 cv e 8,2 m.kgf, pioneiro na categoria. A revista inglesa What Car? confrontou o Golf GLS ao Citroën GSA Pallas, ao Vauxhall Astra GL (Opel Kadett) e ao Volvo 345: “A estrela da VW não mais tem uma clara margem de superioridade sobre os rivais. Mesmo assim, nós ainda o recomendaríamos. O Golf tem melhores câmbio, direção e conforto de suspensão e um motor mais suave”.
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