Do Romi-Isetta ao novo Honda Civic, do carro número 1 aos 73 milhões, uma história de êxitos e percalços
Texto: Fabrício Samahá* – Fotos: divulgação
O automóvel chegou ao Brasil ainda no século 19, mais precisamente em 1891, quando o Pai da Aviação Alberto Santos Dumont começou a circular por São Paulo com um Peugeot. Não foi esse, porém, o primeiro carro emplacado no País: a placa número 1 foi atribuída ao do conde Francisco Matarazzo em 1903, quando já havia outros rodando em Campinas (SP), no Rio de Janeiro e na Bahia. Os primeiros táxis apareciam em 1906, e o Automóvel Club do Brasil, um ano mais tarde. Com o Circuito de Itapecerica, em São Paulo, o Brasil tinha sua primeira competição automobilística.
O promissor mercado não demorou a receber unidades de montagem de conjuntos importados, com a Ford em 1919 e a General Motors em 1925, mas o Brasil chegou à metade do século 20 sem produção local de veículos — além da montagem, havia apenas algum trabalho de encarroçamento de caminhões e ônibus. O consumo de divisas para importação passava a causar preocupação no fim da década de 1940.
As metas desenvolvimentistas do presidente Getúlio Vargas, das quais resultaram a Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda e a Fábrica Nacional de Motores, ambas no estado do Rio de Janeiro, acentuaram-se quando Vargas — deposto em 1945 — voltou à presidência pelo voto direto em 1950. Com o suicídio do presidente, em 1954, seguiu-se um período de grande instabilidade política, que se prolongou mesmo após a eleição no ano seguinte de novo presidente: Juscelino Kubitschek de Oliveira.
Linhas do montagem do Ford Modelo T, o primeiro em 1919, e da General Motors em 1940: até o pós-guerra, apenas conjuntos importados eram montados aqui
JK não demorou a dar rumos decisivos à implantação da indústria automobilística no Brasil. Tomou posse em 31 de janeiro de 1956 e já em 16 de maio criava, pelo decreto nº 39.412, o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia), coordenado pelo idealista Almirante Lúcio Meira, ministro de Viação e Obras Públicas. Na época a frota brasileira mal passava de 800 mil veículos, havia enorme demanda reprimida por automóveis e o país necessitava de caminhões. O Geia estabeleceu as diretrizes para a vinda da indústria automobilística por meio de incentivos vinculados a metas de nacionalização ambiciosas: após quatro anos, 90% para caminhões e 95% para automóveis, em peso.
A Romi começava a fabricar o Romi-Isetta em 5 de setembro de 1956, data considerada o marco inicial de nossa indústria; a perua DKW Universal vinha em novembro
O plano para fabricar caminhões aprovou seis projetos: FNM, Ford, GM, International, Mercedes-Benz e Scania-Vabis. Na sequência eram aprovados programas para jipes da DKW-Vemag, Land Rover (não concretizado), Toyota e Willys-Overland, depois as peruas Vemag e Volkswagen Kombi e, por último, automóveis FNM (2000 JK), Simca (Chambord), Vemag, VW (sedã, o Fusca) e Willys (Aero e Dauphine). Mesmo antes do plano, porém, algumas empresas se anteciparam à implementação administrada pelo governo.
A Vemag Veículos e Máquinas Agrícolas S.A. começou a montar caminhões Scania-Vabis (que teriam fábrica autônoma em 1959) e automóveis Studebaker em 1946, enquanto a Brasmotor iniciou a montagem do Volkswagen em 1951, ambas em São Paulo. A Willys chegava em 1952 e a VW e a Daimler-Benz abriam suas filiais um ano depois — as três em São Bernardo do Campo, SP. O bloco de motor para um caminhão Mercedes em dezembro de 1955 era o primeiro fundido na América Latina.
O primeiro certificado do Geia; logo começava a fabricação de carros, jipes e caminhões
Em Santa Bárbara d’Oeste, SP, a fábrica de tornos Indústrias Romi começava a fabricar o Romi-Isetta em 5 de setembro de 1956, data considerada o marco inicial de nossa indústria. A Mercedes passava a produzir o caminhão L-312 em seguida, no dia 26, e a Vemag, a perua DKW Universal em 26 de novembro. Em 1957 foram fabricadas 30 mil unidades; cinco anos depois já eram 191 mil por ano; em 10 anos, 225 mil; quinze, 622 mil; vinte, em 1977, 921 mil. No ano seguinte atingimos um milhão pela primeira vez: 1,064 milhão.
Em 1982 houve queda para 859 mil, reflexo da crise econômica. Em 1987 voltamos ao patamar de dez anos antes, com 920 mil unidades; em 1992 era 1,073 milhão. Com a estabilização da economia e o benefício fiscal para modelos de até 1.000 cm³ veio expressivo crescimento e, em 1997, rompemos nova barreira com 2,069 milhões. A marca dos três milhões vinha em 2008 (3,216 milhões), mas em 2015 descemos para 2,453 milhões — novamente o patamar de dez anos antes. A produção acumulada até o ano passado superava 73 milhões de veículos.
Pelos dados de 2015 somos o nono produtor mundial, atrás de China, Estados Unidos, Japão, Alemanha, Coreia do Sul, Índia, México e Espanha. Temos 65 fábricas em 11 estados, que somam a capacidade instalada de 4,5 milhões de veículos por ano, e cerca de 5.500 concessionárias. O Brasil exporta cerca de 22% de sua produção e a indústria emprega diretamente 126 mil pessoas.
O sonho da indústria automobilística brasileira tornou-se realidade. Nas próximas páginas, um breve histórico do caminho que percorremos em 60 anos.
Próxima parte* Bob Sharp participou do texto de 2006 que deu origem a este artigo
Atualização em 12/9: correção da informação sobre o primeiro carro no Brasil, o Peugeot de Alberto Santos Dumont, em 1891, e não o Daimler de seu irmão Henrique, dois anos depois