Mesmo com pouca potência, esse caçula dos esportivos ingleses
provou que boas sensações podem vir em pequenos frascos
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
A definição de carro esporte é um daqueles conceitos controversos, em que cada especialista tem sua opinião. Há quem associe esportividade a motores potentes e altas velocidades, como há quem requeira apenas uma direção divertida, desde que o automóvel deixe de lado qualquer recurso de conforto — e não falta quem prefira uma definição elástica, que compreenda quase tudo.
A inglesa Morris Garage ou MG, fundada em Oxford em 1923, foi reconhecida como fabricante de carros esporte dentro da segunda daquelas definições: nem sempre potentes, às vezes um tanto comedidos em desempenho, mas certamente focados em transmitir ao motorista a diversão ao dirigir. Esse conceito está presente em modelos clássicos, como a série T produzida entre 1945 e 1955, e em produtos posteriores como o MG A, o MG B e o MG C.
O Midget surgiu como uma variação do Austin-Healey Sprite, do mesmo grupo;
havia tampa de porta-malas, mas capota e janelas tinham montagem manual
No começo de sua história, em 1928, a MG produziu o roadster M-Type ou Midget (anão em inglês), nome que se repetiu nos modelos das linhas D e J. O nome foi abolido quando eles saíram do mercado, em 1934, mas voltou a aparecer após a Segunda Guerra Mundial na série T. Depois que o último deles — o TF — se foi em 1955, a fábrica, agora sob o guarda-chuva da British Motor Corporation, viu-se produzindo o pequeno Austin-Healey Sprite e percebeu que, com uma reestilização, o pequeno esportivo se tornaria uma interessante reedição da proposta original do Midget.
Com apenas 43 cv no motor de 948 cm³, era “um roadster atrevido e de alta rotação que se manuseava como um kart”, escreveu a Consumer Guide
O novo Midget era apresentado em 1961 com a mesma carroceria então adotada pelo Sprite, sem os “olhos de sapo” que o caracterizavam até ali. Era um conversível de dois lugares simples e harmonioso, com capô longo, cabine recuada, portas sem maçanetas externas ou janelas (havia só cortinas plásticas) e capota de aplicação manual — podia também receber uma cobertura sobre os bancos e o painel para quando estivesse estacionado.
Atrás dos bancos individuais havia um assento inteiriço, opcional, mais voltado à colocação de bagagens que de passageiros. Uma nova conveniência era a tampa convencional para o diminuto porta-malas, que acomodava o estepe. As diferenças entre o MG e o Austin eram limitadas a grade e detalhes de acabamento. Compacto, o Midget media 3,48 metros de comprimento, 1,37 m de largura e 2,03 m entre eixos e pesava 715 kg.
A série Mk II mantinha o interior essencial, mas evoluía na suspensão traseira;
o motor de 950 cm³ já havia passado ao de 1,1 litro, com 13 cv adicionais
Sob o capô estava a conhecida unidade de quatro cilindros e 948 cm³ do Sprite, com comando de válvulas no bloco, potência de 43 cv e torque de 7,2 m.kgf, associado a um câmbio manual de quatro marchas (sem sincronização na primeira) com tração traseira. A simplicidade era a nota dominante da mecânica, com suspensão dianteira independente por braços sobrepostos com molas helicoidais, traseira de eixo rígido com feixes de molas e freios a tambor.
Como esse conjunto se comportava? “Muito parecido com seu antecessor Sprite: um pequeno roadster atrevido e de alta rotação que se manuseava como um kart, não era muito rápido e tinha o espaço justo para dois adultos”, definia o livro The Great Book of Sports Cars, dos editores de automóveis da Consumer Guide.
Em seu primeiro teste, a revista inglesa Autocar observou: “A suavidade do motor impressiona: 5.000 rpm podem ser usadas sem aspereza ou ruído excessivo. A estabilidade direcional em velocidade é muito afetada por ventos laterais, mas a direção tem excelente precisão e, com apenas 2,5 voltas entre batentes, requer só pequenos movimentos para controlar o carro. Sua característica em curvas é sobresterçar; contudo, em pouco tempo o motorista torna-se apto a atirar o Midget nelas e obter plena vantagem de sua direção para corrigir tendências de sair de traseira. Em estradinhas sinuosas, este MG está realmente em casa”.
O motor de 1,3 litro e 64 cv era a atração do Midget Mk III, revelado em 1966;
agora a capota era conversível, fixa ao carro, em vez de montada e retirada
E concluiu: “É um amável carro pequeno com grande desenvoltura pelo trânsito denso, fácil e seguro de dirigir, e certamente próximo do ideal para o mercado que pretende atender”. Do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, a Car and Driver comemorou: “É como se o TD reencarnasse! O carro tem a mesma sensação de controle da série T, mas com mais itens funcionais, motor pouco mais potente e uma estrutura monobloco sólida e livre de ruídos. Ele tem todas as qualidades de um carro esporte e, com os equipamentos de desempenho disponíveis, deve obter boa atuação em circuitos”.
As primeiras evoluções vinham em 1962, quando o motor passava a 1.098 cm³, com 56 cv e 8,6 m.kgf, e freios a disco substituíam os tambores na frente. Dois anos mais tarde aparecia o Midget Mk II (a designação Mark, ou marco, é usual entre os ingleses para séries e gerações), que adotava janelas descendentes nas portas, para-brisa mais alto e substituía, na suspensão traseira, os feixes de quarto de elipse pelo mais comum tipo semielíptico, o que reduzia a tendência ao sobresterço em curvas rápidas.
Na série seguinte, a Mk III lançada em 1966, o motor crescia para 1.275 cm³ — similar ao do Mini Cooper S —, o que levava a potência a 64 cv e o torque a 10 m.kgf. O Mini tinha 75 cv, mas sua unidade exigia medidas custosas como um virabrequim forjado, o que o grupo quis evitar no pequeno roadster. Outra novidade era a capota conversível, que se recolhia na parte traseira da cabine em vez de ser removida. Dois anos depois, as normas norte-americanas de segurança levavam à adoção de painel acolchoado e coluna de direção retrátil.
Juventude e liberdade eram associadas ao MG pela publicidade, que anunciava:
“Você pode comprá-lo enquanto ainda é jovem o bastante para curti-lo”
No teste da Autocar, o Midget Mk III revelou velocidade máxima pouco mais alta (151 km/h), com alguma perda em aceleração pelo uso de transmissão mais longa (0 a 96 km/h em 14,1 segundos). “Associado a bons freios e estabilidade em pisos regulares, seu desempenho é mais que suficiente para dar diversão ao motorista. Ele tem arrancada o bastante para estar à frente na maioria das situações do tráfego. O motor está sempre bem disposto e, apesar da rotação máxima recomendada de 6.300 rpm, sente-se feliz em girar ainda mais. O comportamento dinâmico é muito seguro”, elogiou a revista.
Nos EUA, em um teste de 1967, a Road & Track também aprovou sua estabilidade: “O Midget é bem equilibrado, com divisão de peso 50:50, e ainda há certo sobresterço que traz a grande diversão de fazer curvas um pouco de lado. Há várias virtudes em seu tamanho, como a facilidade de dirigir e manobras confiáveis em ruas estreitas, mas também penalidades: o interior é muito pequeno e se torna inviável para motoristas de mais de 1,80 metro”.
Já por três anos sem a companhia do Sprite, o Midget chegava à quarta edição em 1974 trazendo novos para-lamas traseiros e tanque de combustível maior. Como nos EUA — seu maior mercado desde o início — os dispositivos para reduzir emissões poluentes impunham perdas de potência, a MG adotou nele o motor de 1.493 cm³ do Triumph Spitfire, com maior torque, embora não mais que 55 cv (na Europa, livre das restrições, chegava a 65).
O motor de 1,5 litro trazia mais torque ao modelo 1974, mas a potência caía e os
para-choques em plástico preto destoavam das linhas simples do roadster
A primeira marcha enfim vinha sincronizada, mas o visual perdia harmonia com a adoção de grade e para-choques plásticos e salientes, além da maior altura de rodagem para atender aos requisitos de altura dos faróis na América. Os ingleses chamavam tais para-choques de Sabrinas em alusão ao busto farto da atriz britânica Norma Ann Sykes, que usava tal nome artístico. Foi uma fase de declínio para o Midget, que já não escondia sua desatualização, mesmo com toda a publicidade repleta de jovens na praia ou praticando esportes radicais.
O Mk III foi o mais vendido da linha, com quase 100 mil unidades das 224 mil que o modelo alcançou até o fim da produção em 1979. Um ano depois a fábrica que o fazia em Abingdon fechava as portas. Embora tenha apresentado em 1983 um carro-conceito com o mesmo nome e sua proposta reinterpretada, usando um motor de 1,4 litro da série K, a MG não voltou a produzir um Midget.
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