O fabricante de esportivos opôs-se aos ingleses com um utilitário esporte luxuoso, com potentes V8 e caixa automática
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Quando se fala em utilitário de luxo da década de 1970, é inevitável vir à mente o pioneiro Range Rover, introdutor do conceito de veículo todo-terreno com acabamento e conforto típicos de um automóvel de classe. Mas o inglês não foi o único naquele período: da Suíça vinha o Monteverdi Safari.
Peter Monteverdi (1934-1998) era um apreciador de bons carros: foi piloto de Ferraris, tinha concessionária BMW e herdou do pai uma oficina mecânica em Binningen, no norte do país. Por meio da empresa MBM, fabricou conversíveis e pequenos monopostos de Fórmula Júnior com motores DKW e Ford. Fez o primeiro Fórmula 1 suíço, com motor Porsche na traseira, mas um acidente interrompeu o projeto. O sonho de produzir carros esporte culminou no Monteverdi 375 S, revelado em 1967, com motor Chrysler V8 de 7,2 litros.
Robusto na mecânica, requintado no acabamento: opção familiar aos clientes da marca
Alguns anos mais tarde, o empresário percebeu que os clientes da Monteverdi precisavam também de um carro espaçoso e confortável para o dia a dia e as viagens da família, finalidade à qual o esportivo não se prestava tão bem. Além disso, o mercado para carros esporte vinha sofrendo muito com a crise do petróleo deflagrada em 1973, a ponto de apenas 20 unidades do 375 S ganharem as ruas em 1975. Era necessário diversificar a linha para garantir a continuidade da marca.
A boa aceitação ao Range Rover, cujas vendas se sustentaram bem durante o período de gasolina cara, foram certamente uma inspiração para o suíço. Ele conhecia o mercado de utilitários: em 1974 era importador da marca norte-americana International Harvester, da qual comprara um jipe Scout, aplicando-lhe um interior mais luxuoso e confortável. O produto importado dos Estados Unidos tinha uma vantagem sobre o concorrente britânico na época — oferecer transmissão automática —, mas era um tanto rústico em sua aparência.
Monteverdi então decidiu elaborar uma carroceria de linhas mais elegantes. Com três portas, interior luxuoso e potente motor V8, o Safari era apresentado ao público em 1976 e entrava em produção no ano seguinte. Sofisticadas para o tipo de veículo, as linhas destacavam a ampla área de vidros e a frente avançada com quatro faróis circulares, cedidos pelo Fiat 125. A tampa de acesso à carga abria-se para baixo, como a da caçamba de uma picape, mas o vidro movia-se para cima — ambas as peças vinham do Range Rover, enquanto as lanternas traseiras eram emprestadas pela perua Peugeot 504 Break e os bancos por modelos BMW, aproveitando as facilidades da concessionária.
Chassi e transmissão do Scout, motor V8 da Chrysler, lanternas de Peugeot, bancos de BMW: a fórmula de um bom utilitário para rebocar o Monteverdi 375 S
A produção da carroceria cabia à italiana Fissore, de Cherasco, na região do Piemonte, a mesma que desenhara o sedã homônimo fabricado no Brasil pela DKW-Vemag. No interior, os bancos revestidos em tecido ou couro eram individuais na frente e traziam encostos de cabeça para quatro ocupantes; o painel de instrumentos de aspecto simples tinha conta-giros. Opções abrangiam rádio, teto solar com controle elétrico e até geladeira e televisor. Embora o suíço tenha desenvolvido um chassi tubular próprio, acabou por usar o do Scout na versão de série, talvez pelo fator custo, talvez por dificuldades técnicas de fabricação em pequeno volume.
O motor básico do Safari era um Chrysler V8 318 norte-americano de 5,2 litros (similar ao usado na linha Dodge brasileira) com potência de 152 cv e torque de 35,1 m.kgf, transmitidos a uma caixa automática de três marchas, embora alguns carros tenham usado uma manual de quatro marchas. A tração era traseira com acionamento temporário de 4×4 e caixa de transferência (reduzida). Testes da época registraram velocidade máxima de 165 km/h e aceleração de 0 a 100 km/h em 13 segundos.
Outras opções fornecidas pela mesma marca eram o V8 360 (5,9 litros) com 180 cv e o V8 440 (7,2 litros) usado pelo 375 S, com nada menos que 305 cv, 54 m.kgf e aptidão para alcançar 200 km/h — o mais veloz utilitário de seu tempo. Foram poucas unidades assim equipadas, vendidas em geral para abonados clientes do Oriente Médio. De 1978 em diante a empresa adotou o V8 345 (5,7 litros) da International Harvester com 165 cv e 39 m.kgf em lugar do Chrysler 318.
A versão de 5,9 litros superava 200 km/h, o mais veloz utilitário da época; o Safari de cinco portas ficou em exemplar único (foto: Matthias vd Elbe/Wikipedia)
O Safari media 4,51 metros de comprimento, 1,80 m de largura, 1,74 m de altura e 2,54 m de distância entre eixos e pesava entre 2.050 e 2.200 kg, conforme o motor aplicado. Também do International vinham as suspensões de eixo rígido à frente e atrás, a transmissão automática e o diferencial, os freios (dianteiros a disco, traseiros a tambor) e a direção assistida. Com vão livre do solo de 220 mm e pneus 235-15, tinha boa aptidão para o uso fora de estrada e o tanque de combustível para 82 litros garantia boa autonomia, apesar de toda a sede do V8. Foram construídas uma versão com maior entre-eixos e cinco portas e outra com teto removível de lona, que ficaram em exemplar único.
No teste da época na revista norte-americana Four Wheeler, o Safari foi chamado de “Rolls-Royce dos carros de tração nas quatro rodas. Ele está mais para óperas que para horizontes abertos. Pelo menos 30% do primeiro lote terá o motor Chrysler 440. Segure essa, Range Rover! Eles garantem que ele fará fumaça com os quatro pneus”.
Ao volante da versão de 5,2 litros, relatou que “você é o monarca de tudo que existe no trânsito europeu. Os pneus de lama não são silenciosos, mas o ronco não incomoda e o motor, trocando de marcha entre 3.000 e 3.500 rpm, mal é ouvido. O carro veleja serenamente a 130 km/h. Para puxar um cavalo ou um barco ou estacionar em frente aos melhores restaurantes, não há nada mais que esse carro precise. Claro que o 440 deve ser divertido nas saídas de sinal…”.
Mais simples, o Sahara mantinha a carroceria do Scout e oferecia motor a diesel
A alemã Auto Motor und Sport, ao dirigir em 2012 um Safari também de 5,7 litros, opinou: “Com 40,8 m.kgf de torque mesmo a 2.000 rpm, se o motorista perder o trailer que rebocava na estrada, mal perceberá. Há um ronco relaxante das duas saídas de escapamento, não intrusivo, e uma direção suave. Na cidade e em rodovia, suspensão e freios são aceitáveis. Os passageiros desfrutam conforto extraordinário e sensação de espaço surpreendente; entre o banco traseiro e a tampa do porta-malas cabe metade da casa, se necessário. O motorista do Safari só não pode ser tímido: a cada parada, alguém pergunta que carro é esse”.
A empresa fabricou também o Sahara, que mantinha as formas originais do Scout e oferecia motor Nissan a diesel de seis cilindros em linha, 3,25 litros e 82 cv em alternativa ao International V8 a gasolina.
Apesar de ser produzido até 1982, o Monteverdi Safari ficou longe do êxito almejado pelo empresário. Havia problemas de qualidade, sobretudo quanto à corrosão da carroceria, e não foi feita a homologação necessária para sua venda nos Estados Unidos, o que limitou o mercado — não havia tantos interessados em veículos de alto consumo na Europa, embora existissem no Oriente Médio. A marca divulgou ter fabricado 3.000 deles, mas muitas fontes estimam não mais que algumas centenas. De qualquer forma, sua fórmula de 4×4 potente e luxuoso, mais que o próprio Range Rover, seria aplicada por numerosos fabricantes em nossos dias.
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