Projetada na Austrália e feita na Tailândia, África do Sul e Argentina, a Ranger global avançava em segurança e conforto, mas demoraria a chegar aos EUA
A Ranger globalizada
Até 2010, havia pelo mundo duas picapes bem diferentes com o nome Ford Ranger: a norte-americana, que tratamos até aqui e que servia de base para a versão argentina vendida no Brasil, e a asiática, de origem Mazda (leia quadro nesta página). Essa diversidade acabava com o lançamento da nova Ranger global para 2011.
A picape de linhas modernas produzida na Tailândia, na África do Sul (de onde atendia ao mercado europeu) e depois na Argentina chegaria a 180 países em cinco continentes. Com desenvolvimento baseado na Austrália, era um novo veículo desde o chassi. Nos mercados iniciais havia três novos motores: turbodiesel de quatro cilindros e 2,2 litros (opções de 123 e 150 cv), turbodiesel de cinco cilindros e 3,2 litros (200 cv) e a gasolina de 2,5 litros (164 cv), com transmissão manual de cinco ou seis marchas ou automática de seis. Entre os itens de conveniência e segurança estavam controle de estabilidade, câmera traseira de manobras, navegador integrado ao painel e bolsas infláveis do tipo cortina.
Embora o projeto previsse também a substituição da Ranger norte-americana, isso não ocorreu a princípio. Em parte pelo declínio do segmento de picapes compactas nos Estados Unidos, que também levou a Dodge a encerrar a linha Dakota em 2011, e em parte pelas maiores dimensões do modelo global. Os critérios da América a classificariam como picape média, muito próxima da líder de mercado Série F.
A versão Wildtrak (foto maior) e a cabine estendida não viriam ao Brasil; o motor de topo era o 3,2 turbodiesel de 200 cv com caixa automática de seis marchas
Uma remodelação em março de 2015 trazia grade maior e novos faróis e capô. No interior vinham quadro de instrumentos com seções digitais configuráveis e tela de 8 pol no centro do painel para o sistema Sync. Novos recursos eram controlador da distância ao tráfego à frente, assistente de faixa e monitor de pressão dos pneus. Havia ainda revisões ao motor 3,2 para menor consumo, recalibração da suspensão e adoção de assistência elétrica de direção. A versão Wildtrak vinha com rodas de 18 pol e revestimento alegre com o tom laranja.
Depois de sete anos, a Ford anunciava o retorno da Ranger aos Estados Unidos em 2018 com o mesmo projeto da asiática, para competir com Chevrolet Colorado, Nissan Frontier e Toyota Tacoma. Recebia novos faróis de leds, motor Ecoboost turbo de 2,3 litros a gasolina e caixa automática de 10 marchas. Havia opção de tração traseira ou integral, cabine estendida ou dupla e acabamentos XL, XLT e Lariat, além dos pacotes visuais Sport e Chrome. Outro pacote, o FX4 Off-Road, aplicava proteções inferiores, pneus de uso misto, amortecedores especiais e seletor de terrenos com quatro programas.
Mercados da região Ásia-Pacífico ganhavam a Ranger Raptor, inspirada na F-150 homônima, em 2018. A picape fora de estrada recebia frente remodelada com o nome Ford em destaque na grade, rodas de 17 pol com pneus todo-terreno, proteções inferiores, amortecedores Fox e freios a disco nas quatro rodas. O vão livre do solo de 283 mm impressionava. O motor turbodiesel de 2,0 litros e quatro cilindros com dois turbos, inédito na picape, fornecia 213 cv e 51 m.kgf, pouco mais que o cinco-cilindros de 3,2 litros. A caixa era automática de 10 marchas e, no seletor de modos de condução, o programa Baja alterava pressão do turbo, transmissão, acelerador e tração integral.
A Raptor (em cima) inspirou-se na F-150 e trouxe motor 2,0 biturbo a diesel de 213 cv; embaixo, a Ranger que volta aos EUA com um 2,3 turbo a gasolina
Pouco depois a Ranger asiática adotava novos grade e para-choque, faróis de xenônio com leds diurnos e, na tampa da caçamba, um mecanismo que reduzia em 70% o esforço para fechamento. O motor 2,0 biturbo e a transmissão da Raptor podiam ser aplicados à XLT e à Wildtrak, e havia evoluções para melhor conforto de rodagem e precisão de direção.
Embora o projeto global previsse a substituição da Ranger norte-americana, isso não ocorreu a princípio, em parte pelo declínio desse segmento nos EUA
A Ranger no Brasil
Entre as muitas novidades que a abertura aos importados, em 1990, trouxe a nosso mercado estavam as picapes médias japonesas. Mitsubishi L200, Nissan, Toyota Hilux (que mais tarde seriam produzidas aqui ou, no caso da última, na Argentina) e Mazda série B reinauguraram no Brasil um segmento que fora abandonado desde a extinção da Ford F-75 em 1982. Eram maiores e mais robustas que as picapes leves, derivadas de automóveis, mas tinham peso, dimensões e preço menores que os de modelos pesados como a Chevrolet A20/C20/D20 e a Ford F-1000.
Antes mesmo que os utilitários nipônicos se tornassem nacionais, a General Motors iniciou o desenvolvimento da S10 brasileira com base na segunda geração norte-americana. Em 1994, com a repentina redução do Imposto de Importação pelo governo federal, a Ford antecipou-se à concorrente e decidiu trazer dos EUA sua maior concorrente: a Ranger.
A Ranger estreava por aqui em 1995 com cabine simples ou estendida, tração só traseira e motor V6 de 4,0 litros; o quatro-cilindros vinha dois anos depois
No Salão do Automóvel de São Paulo, em outubro daquele ano, aparecia a primeira picape média entre os quatro tradicionais fabricantes do País. A Ranger chegava em fevereiro seguinte em duas versões: XL, de cabine simples e acabamento mais espartano, e STX, com cabine estendida, interior mais luxuoso, grade e para-choque dianteiro cromados e rodas de alumínio. Ambas traziam de série ar-condicionado e freios posteriores com ABS, tinham tração traseira e motor V6 a gasolina de 4,0 litros com 160 cv e 31,1 m.kgf. Era um veículo bem diferente dos japoneses, que vinham apostando em versões de trabalho com motores a diesel de menos de 100 cv e opção de tração nas quatro rodas.
Para motoristas habituados a essas picapes ou mesmo às pesadas nacionais, a Ranger parecia um automóvel. Tinha rodar mais macio, menor altura livre do solo e um motor suave, silencioso e de grande potência, que a levava à velocidade máxima de 171 km/h (limitada) e permitia acelerar de 0 a 100 km/h em cerca de 10 segundos. Em rodovia era possível manter velocidades de viagem com baixa rotação e pouco ruído. Já a capacidade de carga era modesta: 650 kg, próxima à de picapes leves. Não por outra razão, muitos de seus compradores eram ex-proprietários de carros de passeio.
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Os conceitos
Ainda na primeira geração, o departamento Ford Truck Public Affairs elaborou uma Ranger mais potente e esportiva em exemplar único. A SHO Ranger recebeu o motor V6 de 3,0 litros do Taurus SHO, de duplo comando, 24 válvulas e 200 cv, com caixa manual e diferencial autobloqueante. Foram aplicados pneus 225/50 em rodas de 16 pol, suspensão rebaixada com amortecedores Koni, para-choques esportivos e molduras laterais. A ideia era testar a aceitação do mercado, mas uma versão similar nunca entrou em produção.
A segunda Ranger norte-americana deu origem a conceitos interessantes. A Force 5 Concept Truck de 1992 buscava um controverso aspecto esportivo com a frente aerodinâmica, saias laterais, extensão do teto da cabine estendida e aerofólio traseiro. No ano seguinte aparecia a insólita Ranger Jukebox, modelo aberto com o para-brisa e os vidros laterais formando um só conjunto de perfil baixo. Atrás dos encostos de cabeça vinham domos e na traseira, claro, um grande aerofólio.
Mais convencionais eram as Rangers Sea Splash e Sky Splash, de 1994, ambas com a caçamba de para-lamas destacados. Vinham preparadas para o transporte de veículos de lazer, como canoas e asa-delta, e decoradas com rodas esportivas e pintura alegre.
A Ranger Lightning Bolt de 2003 era picante sob o capô. A divisão esportiva SVT instalou o V8 de 5,4 litros com compressor e 380 cv da F-150 Lightning. A revista Truck Trend mediu o 0-400 metros (quarto de milha) em menos de 14 segundos e relatou que os pneus traseiros de 345 mm faziam fumaça com facilidade nas arrancadas.
A Ford tailandesa mostrava em 2008 a Ranger Max, proposta de novo desenho para a picape feita no país. Adereços incluíam cobertura rígida de caçamba aberta com controle remoto, molduras nos para-lamas e rodas de 18 pol com pneus 285/60.
Na Ásia
Antes que sua Ranger se tornasse referência mundial — e para o Brasil — em 2011, a região Ásia-Pacífico teve uma versão diferente da feita nos Estados Unidos. Produzida na Tailândia, a Ranger para mercados asiáticos e europeus foi lançada em 1998 com base na Mazda série B (que não deve ser confundida com sua homônima vendida nos EUA; esta era a Ranger de lá com emblema japonês).
Com desenho mais sóbrio que o da norte-americana, a picape estava disponível com cabines simples, estendida e dupla e com motor a diesel de 2,5 litros com e sem turbo (107 e 83 cv, na ordem), além de caixa manual ou automática e tração traseira ou 4×4. O nome da antecessora da Ranger nos EUA — Courier — foi aproveitado na Austrália e na Nova Zelândia, mercados que receberam versão V6 de 4,0 litros a gasolina. O utilitário esporte Everest, da mesma família e com até sete lugares, era apresentado em 2003, quando a grade dianteira lembrava a usada nos EUA.
Linhas mais robustas e interior refeito vinham em 2006, assim como motores turbodiesel Duratorq de 2,5 e 3,0 litros com injeção de duto único (143 e 156 cv, na ordem) e bolsas infláveis laterais. A Ranger dessa fase, equivalente à Mazda BT-50, foi produzida na China, Colômbia, Tailândia, em Taiwan e no Vietnã. O Everest acompanhou a evolução. Três anos mais tarde a picape ganhava frente e traseira remodeladas e a versão mais equipada Wildtrak. Na geração de 2011 da BT-50, a versão para a Ford foi a Ranger global, abordada no texto principal.