O lançamento em São Paulo em 5 de setembro de 1956 e imagens da fábrica em Santa Bárbara d’Oeste (com a família Romi, embaixo); à direita, modelos com faróis mais altos
Emilio e Chiti viajaram à Itália em junho de 1955 para negociar com Rivolta a licença para a produção brasileira do Isetta. Como não havia prensas apropriadas na Romi, carroceria, chassi e pintura ficaram a cargo da paulistana Tecnogeral (atual Securit), que produzia móveis de aço e mais tarde faria chassi e caçamba para a picape Jeep da Willys. À fábrica barbarense cabia fazer transmissão, direção e rodas e realizar a montagem final. Mesmo com importação do motor Iso, o índice de nacionalização inicial era expressivo: 72% em peso.
Em 30 de junho de 1956 ficava pronta a unidade “número zero” do Romi-Isetta, nome que soava bem e atendia à exigência dos italianos de manter o nome Isetta em todos os mercados. Lançado em 5 de setembro com um desfile dos carrinhos por avenidas de São Paulo, era anunciado na publicidade como um passo para “rodar à frente do progresso (…) para orgulho de todos os brasileiros”. Precedeu em dois meses a perua DKW-Vemag Universal, que chegaria em novembro.
O desempenho era modesto, mas surpreendia a facilidade em fazer curvas com o Romi
O Isetta brasileiro ficou pronto antes mesmo que o presidente da República Juscelino Kubitschek, prometendo realizar “50 anos em 5”, assinasse em 16 de junho de 1956 o decreto n°. 39.412, que criava o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA). Comandado pelo ministro de Viação e Obras Públicas, o almirante Lúcio Meira, um lutador pelos veículos nacionais, o GEIA estabelecia regras e concedia benefícios para implementação da indústria automobilística brasileira. Curiosamente, às pioneiras Ford (1919) e General Motors (1925) foi atribuída a missão de fabricar caminhões, passando só na década seguinte aos automóveis.
Ao contrário da Itália, onde servia de motorização básica, aqui o Isetta era anunciado como carro para a esposa: “É um prazer sair para as compras”
Com o motor inicial de dois cilindros a dois tempos e 236 cm³, dirigir o Romi-Isetta era uma experiência peculiar, sem comparação com qualquer veículo da época ou atual. A coluna de direção ficava entre os pedais de freio e de embreagem e a alavanca da transmissão estava à esquerda, com as quatro marchas em posição inversa ao usual. Além de não prejudicar o acesso, essa colocação pode ter sido imposta pelo reduzido espaço da cabine, que implicaria frequentes esbarrões e cotoveladas no passageiro caso a alavanca estivesse no centro.
Jason Vogel, de O Globo, relatou essa experiência no aniversário de 50 anos do modelo, em 2006: “O carro é de genial simplicidade. O teto solar também evita a sensação de claustrofobia, já que os vidros laterais (acrílicos, para ser mais preciso) são fixos. Há espaço para dois adultos com alguma folga. Atrás do banco inteiriço, existe um lugar para bolsas. Aperta-se o botão do arranque. O motorzinho acorda soltando fumaça azul e fazendo um som de lambreta. A primeira é curtíssima, só para vencer a inércia. Segunda engrenada e vamos acelerando quase que em passo de gente…”.
Nos anúncios, destaques ao pioneirismo, descontração e economia de combustível
“O modestíssimo motor de 236 cm³ esgoela Uóooooo-pó-pó-pó! como uma Mobilette enfurecida”, continua Jason. “No plano e nas descidas, todo santo ajuda. Terceira, quarta e vamos embora. O barulho diminui e o carrinho, digamos, deslancha… A direção é leve, assim como todos os comandos. Aí vem uma curva fechada e outra ótima surpresa: como o bicho é estável! Nem é preciso reduzir marcha — parece que estamos em uma cadeira giratória. Após nos acostumarmos ao ritmo, o que era uma experiência estranha vira diversão e a vontade é de esticar a brincadeira o dia todo”.
Ao contrário da Itália, onde servia de motorização básica, aqui o Isetta era anunciado como opção de segundo carro da família. “É um prazer sair para as compras. Escolho os melhores artigos e não dependo dos serviços de entrega. E para quem é dona de casa, um tempinho de sobra… vale ouro”, sugeria uma das primeiras publicidades. Em alguns comerciais de televisão, ainda em preto e branco, a garota-propaganda era a atriz Eva Wilma, no auge da popularidade na série em que atuava com o marido, John Herbert.
Promover um automóvel era novidade por aqui, assim como fabricá-lo. A estratégia inicial da Romi foi mirar nas classes mais abastadas, que o viam como entretenimento ou segundo/terceiro carro da casa, para mais tarde alcançar o público que teria nele o primeiro veículo. Uma caravana de 40 Romi-Isettas de São Paulo ao Rio de Janeiro, ida e volta, contou com celebridades como os atores Anselmo Duarte e Aurélio Teixeira, as atrizes Dercy Gonçalves e Odete Lara, a bailarina Liris Castelani e o diretor de cinema Camilo Sampaio.
Divulgação: desfiles no Pacaembu (esquerda) e no Rio de Janeiro, passeio com Dercy Gonçalves e Danilo Bastos (embaixo à esquerda) e os garotos-propaganda Eva Wilma e John Herbert
Outra estratégia pioneira foi doar ou vender a preço de custo o carro para artistas e formadores de opinião, um deles Pelé, atração da Copa do Mundo de 1958. Ou, ainda, estampar logotipos de empresas e vendê-lo por valor promocional a quem se dispusesse a rodar fazendo publicidade — a cervejaria Caracu foi uma delas com seus Romi-Isettas amarelo-ovo. Como lá fora, apelidos logo surgiram: ovo de avestruz, ovo de pintinho, gota, bolha, sapo-bola, “abre que eu quero ver” (sobre a saída de mulheres de saia). Quando o rei Momo desfilou dentro de um, o povo não perdoou: “Olha a gema do ovo do elefante”!.
Faróis maiores e em posição mais alta vinham em 1957 e, um ano depois, para-lamas dianteiros mais curtos. Alterações mais extensas eram efetuadas no modelo 1959: o motor Iso dava lugar ao BMW a quatro tempos de 298 cm³ e 13 cv, suficiente para alcançar 95 km/h. Chamado de Romi-Isetta 300 De Luxe, o carro trazia caixa de transmissão da marca alemã e suspensão dianteira com molas helicoidais e amortecedores telescópicos, a chamada Ação Total, que tornava o rodar mais macio: o antigo sistema sofria em pisos irregulares com o aquecimento dos amortecedores a fricção.
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Os simpáticos Isettas podem ser vistos em filmes europeus e também de outras origens. Modelos da BMW, os mais comuns, estão na comédia inglesa A Audácia de um Canalha (The Naked Truth, 1957), na norte-americana O Pestinha 2 (Problem Child 2, 1991) e nas alemãs Praxis Dr. Hasenbein (1997) e Didi – Der Doppelgänger (1984). Outros aparecem no drama alemão O Estado das Coisas (Der Stand der Dinge, 1982), no argentino Más Bien (2001) e no alemão O Céu de Lisboa (Lisbon Story, 1994), que mostra um velho carro abandonado.



Podem ser encontrados os franceses da Velam em filmes locais como as comédias A Mais Bem Despida (Mademoiselle Strip-Tease, 1957) e Les Vignes du Seigneur (1958) e o drama Adieu Philippine (1961), assim como na comédia norte-americana Cinderela em Paris (Funny Face, 1957). Vale ainda registrar as aparições do carrinho em animações: na espanhola As Aventuras de Tadeo (Las Aventuras de Tadeo Jones, 2012) e por instantes na parte final de Carros (Cars, EUA, 2006).
Nas pistas
Por mais inusitado que pareça, o Isetta teve êxito em competições. A versão Iso obteve os três primeiros lugares na classe mais econômica da Mille Miglia (acima), prova italiana de 1.600 km, em 1954. De sete unidades que largaram, cinco terminaram a corrida em 176º a 179º lugar na classificação geral. Claro que em seu próprio passo: os vencedores Mario Cipolla e L. Brioschi levaram 22 horas, 45 minutos e 52 segundos, ante 11h 25min 10s do vencedor geral, Alberto Ascari, com um Lancia D24. Mas a média de 70 km/h surpreendeu para um veículo que tinha 85 km/h como velocidade máxima.
No Brasil, a Romi promoveu corridas com o pequeno automóvel no autódromo paulistano de Interlagos (acima à esquerda). A empresa chegava a ceder carros a pilotos conhecidos que se interessassem em correr com ele. Um torneio de aceleração no aeroporto de Cumbica (em Guarulhos, SP), então apenas uma base aérea, foi promovido em 1958 com carros de várias marcas e os modelos da Romi tiveram boa presença (à direita).
É dessa prova o curioso Romi-Isetta 1956 modificado (acima à esquerda), sem teto e com frente mais aerodinâmica, elaborado pelo piloto e preparador Emilio Comino, cuja oficina fazia manutenção em importados italianos e era autorizada Romi-Isetta (foto: Júnior Almeida/Associação Brasileira das Pistas de Competição).
Há também o registro pela Fundação Romi de um monoposto de corridas com chassi e motor dois-tempos do Romi-Isetta, construído por volta de 1957. A foto (à direita) mostra o “charuto” com o motor à vista na lateral direita e a estreita bitola traseira característicos do carrinho. O monoposto foi feito por Silvano Pozzi (preparador de motores e construtor de karts na empresa Silpo) e Emilio Comino para o piloto Neville Hoff e a foto foi tirada em Interlagos.