Irrepreensível no desenho e na técnica, o modelo médio impôs à marca um desafio: aprimorar a fórmula para seu sucessor
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Por mais diversificada que seja hoje a linha BMW — de minivans a utilitários esporte, de “cupês de quatro portas” a estranhos hatchbacks —, o sedã médio esportivo talvez seja o maior símbolo dessa tão apreciada marca alemã. E, das muitas gerações de automóveis dessa categoria que a Fábrica de Motores da Baviera (significado de sua sigla em alemão) produziu nos quase 100 anos de sua história, o Série 3 de código E36 é certamente um dos mais expressivos e marcantes.
Foi em 1961 que a BMW deu início a essa tradição com o lançamento da Nova Classe, iniciada pelo modelo 1500, um sedã de quatro portas, motor de 1,5 litro com potência de 80 cv e tração traseira. Essa linhagem originou em 1973 o esportivo 2002 Turbo, primeiro carro europeu com turbocompressor, com 170 cv no motor de 2,0 litros para acelerar de 0 a 100 km/h em 6,9 segundos. A nomenclatura adotava o número 3 como início na geração de 1975 — seguindo o uso do 5 pelos sedãs maiores de 1972 —, o que criou a designação Série 3, nunca mais abandonada.
O primeiro Série 3 (código de projeto E21) teve apenas versão sedã de duas portas, mas a família cresceu na segunda geração E30, iniciada em 1981: agora havia modelos de duas e quatro portas, perua e conversível — e o esportivo M3, lançado em 1987 com 192 cv no motor de 2,3 litros. Essa linha foi decisiva para colocar a marca como meta de consumo dos yuppies, jovens bem-sucedidos nos Estados Unidos.
Um Série 3 marcante: o modelo lançado em 1990 impressionou pelo equilíbrio de linhas, simples, elegantes e que agradam aos olhos ainda hoje
Durante o ciclo de produção do E30, porém, a BMW viu sua competição se renovar a passos largos. Antes ausente do segmento médio, a Mercedes-Benz respondia frontalmente ao Série 3 com o modelo 190, em 1983. A Audi, que nos anos 70 pouco representava em termos de prestígio, vinha chamando atenção com o esportivo Quattro e oferecia uma alternativa atraente com o 80 lançado em 1986. Mais tarde, as novas marcas de luxo japonesas levariam aos norte-americanos carros médios luxuosos como o Acura Vigor (da Honda), o Infiniti G20 (da Nissan) e o Lexus ES 250 (da Toyota). A nova geração do Série 3 precisaria oferecer mais em estilo, conforto e refinamento técnico, sem abrir mãos de atributos apreciados do E30 como esportividade e desempenho.
O E36 não surpreendeu apenas na aparência: a suspensão traseira era a multibraço introduzida pelo roadster Z1, com articulações numerosas e bem trabalhadas
Em outubro de 1990 a BMW apresentava seu novo médio sob o código E36. De início oferecido apenas como sedã de quatro portas, o terceiro Série 3 conquistou admiradores à primeira vista: era realmente um belo trabalho de estilo. Assinava a obra o alemão Claus Luthe, que havia assumido a liderança do departamento de Estilo da marca em 1976 e desenhado outros modelos marcantes como o Série 3 E30, o Série 5 E34 (1988), o Série 7 E32 (1986) e o grande cupê Série 8 de 1989.
Os clássicos quatro faróis circulares da marca vinham atrás de lentes únicas por lado, enquanto os retângulos da grade dupla estavam mais baixos e largos que no antecessor. Na traseira, a borda da tampa do porta-malas (similar à do Opel Calibra, lançado um ano antes) conferia especial elegância. Visto de lado, chamava atenção a posição avançada das rodas dianteiras, que formava um balanço bastante curto e destacava a tração traseira — seria difícil usar tal posição em um carro de tração à frente, sobretudo com motor longitudinal.
De início o E36 foi oferecido apenas como sedã com motores de quatro e seis cilindros a gasolina; no interior, formas também agradáveis
Não poderia faltar a Hofmeister Kink, a curva final dos vidros laterais, outra característica de longa data da marca — o projetista Wilhelm Hofmeister a havia criado justamente para o 1500 de 1961. Um detalhe que muitos estranharam eram os para-choques em plástico cinza fosco, para facilitar a reciclagem, em um tempo de uso generalizado da pintura na cor da carroceria. Com 4,43 metros de comprimento, 1,70 m de largura, 1,39 m de altura e expressivos 2,70 m de distância entre eixos, o Série 3 estava mais espaçoso e aerodinâmico, com Cx 0,32.
O interior ganhava formas atuais e agradáveis, com destaque para o painel ligeiramente curvado para o motorista, como que indicando aos passageiros quem ali tinha prioridade. A disposição dos instrumentos e o volante de quatro raios eram elementos clássicos da marca. Um item controverso era a colocação dos botões de controle elétrico de vidros no console, ladeando a alavanca de câmbio. Além disso, o carro era algo escasso em conveniências — função um-toque para os vidros, ajuste em altura do volante e regulagem elétrica de bancos não eram oferecidos na fase inicial, nem mesmo na versão de topo 325i. Bom recurso estava nas articulações pantográficas da tampa do porta-malas.
O E36 não surpreendeu apenas na aparência. Embora a BMW já usasse suspensão independente na traseira no Nova Classe dos anos 60, o sistema tradicional de braços semiarrastados não era perfeito: sob certas condições o carro assumia atitude sobresterçante, o que surpreendia motoristas menos habituados e podia colocá-los em apuros. A solução para aplacar esse mal foi adotar a suspensão multibraço (chamada de eixo Z) introduzida pelo roadster Z1 em 1989. Por meio de articulações numerosas e bem trabalhadas, as rodas traseiras eram mantidas em posição ideal em praticamente qualquer condição de uso, até mesmo ao deixar de acelerar em plena curva. A dianteira mantinha o arranjo McPherson.
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Os conceitos
O E36 serviu de plataforma para estudos de tecnologias alternativas de propulsão da BMW. Motor elétrico — algo que a marca estudava desde o modelo 1602 dos anos 60 — foi aplicado a uma pequena série de cupês E36, entre 1992 e 1996, para uso em testes de campo na ilha de Rügen, perto da costa alemã do mar Báltico. Houve também um cupê híbrido, de 1994, que associava motores elétrico e a gasolina.
Para ler
BMW M3 – por Graham Robson, editora Haynes. Publicado em 2013, o livro de 216 páginas trata o esportivo em suas várias gerações desde 1986, incluindo dados do desenvolvimento e a participação em competições.
BMW M3: The Complete Story – por James Taylor, editora Crowood. A obra de 2014 tem 192 páginas e, como a anterior, abrange as quatro primeiras gerações do modelo. O autor já escreveu mais de 100 livros.
BMW 3 Series: The Complete Story – por J. Taylor, Crowood. Outra obra do autor, mais antiga (2000), com 200 páginas sobre as três primeiras gerações do Série 3. A ideia é mostrar os vínculos evolutivos desde o pioneiro modelo de 1975 até os do fim do século.
BMW 3-Series, 1991-1999 – por G. Robson, editora Motor Racing. O livro publicado em 2000 dedica 128 páginas à geração E36 em suas várias versões, informando sobre o projeto e as modificações implantadas.
BMW M3 Ultimate Portfolio, 1986-2006 – por R. M. Clarke, editora Brooklands. A compilação de matérias, testes e comparativos de revistas da época cobre três gerações de M3, as E30, E36 e E46. Com 200 páginas, foi publicado em 2008.
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