Fiel à receita dos roadsters ingleses de baixo peso, direção divertida e preço moderado, ele conquistou fãs na Europa e nos EUA
Texto: Francis Castaings e Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
A fábrica de automóveis Triumph surgiu em 1923. Já fazia bicicletas desde o fim do século XIX e, em 1902, passara a fazer motocicletas que foram muito famosas em todo o mundo. No começo dos anos 50 a empresa produzia roadsters — esportivos de dois lugares sem capota — que faziam sucesso: o primeiro foi o Spider, com motor Vanguard; depois veio a linha TR, bem-sucedida em toda sua série até 1974. Mas ficou muito mais conhecida com o modelo que viria a seguir.
Homenageando o Supermarine Spitfire, famoso caça inglês da Segunda Guerra Mundial que teve mais de 20 mil unidades construídas, o Triumph Spitfire foi apresentado no Salão de Londres em outubro de 1962. Seu desenho era obra do italiano Giovanni Michelotti, autor de esportivos famosos durante seu trabalho para os estúdios Farina, Vignale e Allemano, incluindo modelos Ferrari e Maserati.
Michelotti havia criado o roadster em 1957 para a Standard-Triumph, mas o lançamento foi atrasado até a compra da empresa pelo grupo Leyland Motor Corporation, em dezembro de 1960, o que trouxe o necessário aporte financeiro. Conta a lenda que o protótipo foi encontrado sob uma camada de poeira em um canto da fábrica pelos novos compradores, que logo se convenceram a colocá-lo em produção.
A primeira série do Spitfire: motor de 1,15 litro e 63 cv, tração traseira, suspensões independentes, apenas 700 kg de peso
O Spitfire 4 era um carro esporte pequeno para dois ocupantes, com tração traseira e apenas 3,68 metros de comprimento. Como todo bom roadster inglês, o capô era longo e a traseira curta com linhas curvas. Era atraente, com preço acessível e um ar jovem. Detalhe esportivo e interessante era que o capô e os para-lamas formavam peça única, cuja abertura se fazia por pequenas maçanetas verticais nas laterais, perto das portas.
Assim como o MG Midget Mk II, o Spitfire custava apenas 30% a mais que um Fusca: era bastante acessível o prazer de dirigir um roadster
Para abastecer o tanque de 38 litros o bocal cromado, travado com clique rápido, ficava no centro da traseira, antes da abertura do pequeno porta-malas — outro charme do pequeno inglês, que não mudou de local até o fim da produção. Por dentro, uma instrumentação básica ao centro do painel de chapa, que vinha na mesma cor do carro. A posição facilitava a produção ao dispensar mudanças nesse elemento ao converter o carro do padrão inglês (volante à direita) para o de outros mercados.
O motor de quatro cilindros, 1.147 cm³ e comando de válvulas no bloco, cedido pelo sedã Herald, alimentado por dois carburadores invertidos da marca britânica SU, desenvolvia potência de 63 cv e torque de 9,3 m.kgf. Leve com seus 700 kg, o Spitfire atingia velocidade máxima de 154 km/h e acelerava de 0 a 100 km/h em 16 segundos.
Nova grade e mais potência vinham na segunda versão, Mark II; o painel continuava no centro para reduzir custos de adaptação
Construído com carroceria sobre chassi, o conversível era ágil, fácil de dirigir e bom de curvas. Usava suspensão independente nas quatro rodas, com braços sobrepostos e molas helicoidais na dianteira e feixes de molas semielípticas na traseira. Os pneus, de início diagonais, eram estreitos 5,20-13 e havia freios a disco na frente, um progresso em relação ao Herald. Em preço, tamanho e potência, seu competidor natural em terras inglesas era o MG Midget Mk II. Custavam apenas 30% a mais que um Volkswagen Beetle (Fusca), o que tornava bastante acessível o prazer de dirigir um roadster.
No primeiro teste da revista inglesa Autocar o Spitfire foi descrito como “um carro refinado com recursos avançados, que oferece desempenho e consumo bons. A suavidade do motor permanece excelente até o limite de 6.000 rpm. A impressão de aceleração ágil no trânsito e na estrada é confirmada pelos tempos de 10,9 segundos para atingir 80 km/h e 20,9 s para o quarto de milha. O Spitfire é um dos carros menos caros que atingem 145 km/h. Pelo preço, sem dúvida muitos comprarão este carro esporte por sua combinação de desempenho e baixo apetite por combustível”.
No ano seguinte o Spitfire já podia receber uma capota de plástico reforçado com fibra de vidro — hardtop, como era chamada na época —, assim como rodas raiadas e uma caixa auxiliar (overdrive) para as duas últimas marchas, terceira e quarta. Nova grade e bancos redesenhados vinham em março de 1965 no modelo Mk II, designação usual dos ingleses para uma segunda série. O motor estava mais potente (67 cv) com mudanças em admissão, escapamento e comando de válvulas, o que permitia acelerar de 0 a 96 km/h em 15 segundos e alcançar 154 km/h, de acordo com a fábrica.
O motor passava a 1,3 litro e 75 cv no Mk III (também na foto que abre o artigo), em 1967; o chassi ainda era separado da carroceria
A evolução seguinte, o Spitfire Mk III, nascia em março de 1967 no Salão de Genebra, na Suíça. Com motor maior (1,3 litro) e mais potente (75 cv e 10,4 m.kgf), a velocidade final passava a 160 km/h. Os para-choques estavam maiores, havia nova grade, uma capota de lona dobrável (não precisava mais ser removida) e luzes de ré, além de um volante menor. As vendas cresceram. O carrinho continuava a fazer muito sucesso na Europa e também tornava-se apreciado nos Estados Unidos como opção barata de esportivo.
O grupo Leyland passava a ser controlado em 1968 pela BMC, British Motor Company, que também reunia as marcas Austin, Morris e Jaguar. No ano seguinte vinham adaptações para o mercado norte-americano, como motor “amansado” para 68 cv, novos bancos com encostos de cabeça integrados e painel com mostradores no lado do motorista.
A quarta série ou Mk IV aparecia em 1970. Tratava-se dessa vez de um novo Spitfire, mais moderno e bonito: a frente exibia um capô mais baixo, quase desaparecendo a grade; a traseira estava mais alongada e as maçanetas agora eram embutidas. Por dentro, o painel ganhava conta-giros e vinha à frente do motorista mesmo no mercado inglês; o volante esportivo era espumado de três raios. Pela segurança, o esportivo possuía agora duplo circuito hidráulico de frenagem.
Frente sem grade, traseira mais longa e painel diante do motorista: novidades do Mk IV, que nos EUA ganhava reforços de para-choques
O motor perdia potência (para 63 cv) em 1973 a fim de reduzir as emissões poluentes, mas a melhor novidade estava na geometria revista da suspensão traseira: era atenuado o antigo efeito de assumir cambagem positiva (rodas mais próximas na base que no topo), que podia provocar sobresterço repentino em curvas rápidas, um processo conhecido dos brasileiros pelo Fusca. Os para-lamas traseiros ficavam mais largos e o motor passava a 1,5 litro, com os mesmos 75 cv e torque adicional, na linha 1974 para os EUA e um ano depois para os demais países.
Era o Spitfire 1500, que acentuava a diferença de potência entre os mercados: se os europeus agora contavam com 71 cv e 11,3 m.kgf, os norte-americanos tinham de se contentar com 53 cv no motor reprimido com um só carburador, taxa de compressão baixa e catalisador para reduzir as emissões. A versão para os EUA era penalizada também por feios protetores de borracha nos para-choques (para atender à legislação local de resistência a impactos), além de trazer bagageiro traseiro e defletores. O sistema overdrive agora estava presente só na quarta marcha e o painel recebia acabamento de madeira; havia também rodas de alumínio. O peso do esportivo já alcançava 850 kg.
Para a Autocar, a mudança trazia “resposta muito mais ágil: o tempo do quarto de milha foi reduzido a 19,1 segundos e o sempre importante 0-96 km/h leva agora 13,2 s. Boa caixa, que precisa ser usada livremente; excelente câmbio longo para uso rodoviário. Comportamento extremamente bom, freios pesados que funcionam bem, direção leve e precisa, acabamento interno agradável. Em todos os aspectos, este é um carro esporte pequeno muito civilizado, que fornece muita diversão e tem alta segurança”.
Na versão 1500 a perda de potência para os norte-americanos era maior; o Spitfire saía de produção em 1980, depois de 18 anos
A Road & Track, dos EUA, concordava que ele continuasse um carro divertido: “Ainda é uma emoção dirigi-lo em um dia ensolarado com capota baixa em uma estradinha sinuosa. A suspensão traseira está melhor, com os semieixos mantidos sob controle para prevenir sustos em curvas fortes”. Contudo, um comparativo com Fiat 124 Spider e X1/9, MG Midget, MG B e o TR7 da mesma Triumph revelou sua defasagem: “Há pouca esperança para os ingleses Midget, MG B e Spitfire. A única saída para a British Leyland é recomeçar com uma folha de papel em branco”.
Limites de emissões mais severos no estado da Califórnia para 1980 trouxeram um problema: o motor 1,5 não poderia mais ser melhorado para poluir menos. A decisão de tirar o Spitfire daquele mercado — o mais importante para um roadster dentro do país que mais comprava carros esportivos — condenou o modelo, que saía de fabricação em agosto de 1980 após mais de 314 mil unidades produzidas, sendo a série 1500 a mais numerosa.
Mais Carros do Passado |