Volkswagen Kombi foi utilitário de 1.001 utilidades

Há 70 anos começava a nascer um veículo funcional como poucos, que seria fabricado por 56 anos no Brasil

Texto: Francis Castaings e Fabrício Samahá* – Fotos: divulgação

 

O projeto do utilitário mais famoso do mundo começou a ser esboçado em Wolfsburg, na Alemanha, logo após a Segunda Guerra Mundial. Na época a fábrica da Volkswagen ainda não estava toda refeita dos danos do conflito e dos bombardeios, embora já produzisse o Sedã (Fusca). Nasceu da simpatia de um oficial inglês das forças de ocupação (Major Ivan Hirst, encarregado da produção), de um engenheiro alemão (Alfred Haesner) e, sobretudo, de um holandês (Ben Pon), dono de concessionária, a ideia de um automóvel revolucionário e muito eficaz.

Pon, que seria o primeiro importador oficial Volkswagen em agosto de 1947 — a Pon’s Automobielhandel N.V., em Amersfoort, nos Países Baixos —, fez os rabiscos que dariam origem a um sucesso. A ideia surgiu quando ele viu na fábrica os veículos construídos sobre chassi tubular com a mecânica do Sedã. Chamados de Plattenwagen (carro plano), eram simples plataformas com pequena cabine para duas pessoas na parte de trás, usadas no transporte interno de peças. A VW do Brasil teria alguns para a mesma finalidade.

 

O esboço na agenda de Ben Pon, 70 anos atrás, definiu como seria o utilitário da VW; no centro, o Plattenwagen; à direita, protótipo do Tipo 29

 

De início Pon pensou em importar o Plattenwagen, mas o departamento de trânsito holandês lhe negou licença para uso em vias públicas. Foi então que o concessionário fez os primeiros traços da Kombi, um furgão de carga, em sua agenda de bolso. A disposição e as medidas básicas estavam ali. O Major Hirst gostou da ideia e mandou a equipe de projetos se mexer. Era o dia 23 de abril de 1947, considerado o dia da concepção da Kombi.

 

O nome Kombi, que a consagrou aqui, é uma forma abreviada de termos alemães que significam veículo combinado ou combinação do espaço para carga e passageiros

 

O engenheiro Haesner assumiu o comando do projeto EA 7 (sigla para Entwicklungsauftrag, instrução de desenvolvimento em alemão). Os primeiros protótipos rodavam no ano seguinte, com a Volkswagenwerke novamente sob comando alemão — o de Heinrich “Heinz” Nordhoff, que permaneceria no cargo até sua morte, em 1968. O furgão tinha de suportar a carga de 800 kg com o modesto motor de quatro cilindros contrapostos (boxer) arrefecido a ar, 1,1 litro, potência de 25 cv e torque de 6,8 m.kgf. Chegava a 80 km/h.

Ben Pon sugeriu posicionar o motor atrás, a carga entre os eixos e dois ocupantes à frente. Assim se obteria um bom equilíbrio, pensou. A ideia original era aproveitar o chassi-plataforma de estrutura central do Sedã (e do jipe Kubelwagen), para simplificar a produção e reduzir custos. Mas problemas de resistência logo apareceram, o que levou a VW a desenvolver um novo chassi que suportasse o peso previsto. Resolveu-se partir para estrutura monobloco, solução mais moderna.

 

O modelo 1950 era um furgão ainda sem nome, para-choque ou vidros na traseira, mas já com ampla capacidade de carga: 4,8 metros cúbicos

 

É importante saber que o Fusca poderia ter sido monobloco desde o começo, mas o astuto Professor Ferdinand Porsche, seu criador, anteviu um derivado para uso militar e decidiu pela construção separada. O chassi do Sedã serviu para fabricar o Kubelwagen assim que o conflito bélico começou. Não fosse por essa decisão, uma infinidade de bugues e veículos especiais com plataforma VW — aqui e no resto do mundo — teria dificuldade bem maior de ser produzida.

 

 

Da frente chata à arredondada

Os primeiros protótipos, chamados Tipo 29, tinham a frente retilínea. Era uma solução simples em termos construtivos, mas que se revelaria ineficaz em termos de aerodinâmica: testes de túnel de vento da Universidade de Braunschweig com um modelo em escala apontaram Cx altíssimo, 0,75. Ben Pon propôs então formas curvas, arredondadas, que reduziram a resistência ao ar — o Cx 0,44 ficou melhor que o do Fusca, 0,48.

O utilitário era apresentado à imprensa em outubro de 1949 ainda sem nome: a marca referia-se a ele apenas como Tipo 2, sendo o Tipo 1 o Sedã. Nordhoff destacava: “Apenas este carro tem seu compartimento de carga exatamente entre os eixos. A distribuição de peso sobre os eixos é sempre a mesma, não importa se o veículo está carregado ou não”.

 

Motorista na frente, motor na traseira e muito espaço entre eles, com mesma distribuição de peso com ou sem carga; no começo o estepe vinha junto ao motor

 

Em 8 de março de 1950 a primeira fornada deixava a linha de produção da fábrica de Wolfsburg, batizada como Transporter ― nome que, porém, só seria estampado na carroceria em 1990. De início eram 10 carros por dia, mas ao fim daquele ano a produção chegaria a 8 mil unidades.

Havia as versões Kastenwagen (furgão), Kleinbus ou Microbus (de passageiros, com bancos fixos) e Kombi (com bancos removíveis para transporte de carga ou passageiros). O termo Kombi veio de Kombinationsfahrzeug ou Kombinationskraftwagen, termos que em alemão significam veículo combinado ou combinação do espaço para carga e passageiros — o segundo designa, genericamente, as peruas. Com o tempo ela receberia apelidos os mais diversos de acordo com o país (leia quadro abaixo).

A frente usava faróis ovais — os mesmos do Sedã, mas em montagem horizontal —, um grande escudo VW e para-brisa bipartido com vidros planos. Na traseira não havia vidro, o que dificultava manobras, nem para-choque e as lanternas eram pequenas. Na coluna das portas dianteiras ficavam as “bananinhas” para sinalizar mudança de direção. Nos modelos iniciais a grande tampa traseira dava acesso ao motor e ao estepe junto dele (logo mudaria para acima do motor), mas não ao compartimento de carga. Essa versão ficaria conhecida como Barn-door ou porta de celeiro.

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Os apelidos

Nos EUA, a VW a chamava simplesmente de Bus, Truck ou Station Wagon

Assim como para o Fusca, apelidos fazem parte do anedotário do modelo. Pela posição de dirigir tão à frente, ficou famosa a frase de que “o para-choque da Kombi é o peito do motorista”. A má estabilidade tornou célebre o apelido de “Jesus está chamando”, enquanto a forma peculiar da carroceria justifica o vulgo “pão de fôrma”, também em Portugal.

Apelidos relacionados ao formato eram Breadloaf (pão) nos EUA e Inglaterra, Rugbrød (pão de centeio) na Dinamarca, Jeunakeula (frente de trem) e Klaippari (forma reduzida de miniônibus) na Finlândia, Ponorka (submarino) na República Checa e Papuga (papagaio) e Ogorek (pepino) na Polônia.

Na Austrália, como aqui, o nome de uma das versões (Kombi) padronizou-se para toda a linha. Nos EUA era chamada simplesmente de Truck (caminhão), para furgão ou picape, e Bus (ônibus) ou Station Wagon (perua), para o modelo de passageiros. Na França havia para a T1 as versões Camionnette (furgão), Combi (mista) e Huit-Places (perua de oito lugares), além da Pickup.

Para os alemães, no entanto, ela era a Bulli. O nome não tem significado claro nem mesmo no país, segundo Alexander Gromow, especialista na história da marca. Ele recorda: “Na década de 1950 havia a cerveja alemã Bulli-Bock, referência à raça de cachorros bulldog, cujo diminutivo é bulli”. Talvez a explicação do apelido fosse certa similaridade entre a frente da Kombi e o focinho achatado do cão.

Registrado pela Lanz Bulldog, o nome Bulli não pôde ser usado, mas o apelido ficou

Gromow acrescenta que “a Volkswagen pretendia adotar o nome como oficial, por ser um apelido consagrado, mas os direitos pertenciam a outro fabricante que não quis fazer acordo: desde os anos 30, Bulli era o apelido dos tratores da empresa Lanz-Bulldog”.

Outro apelido curioso era “frango branco”, no Egito: além da cor mais comum da Kombi no país, fazia alusão ao hábito de circular com a tampa do motor aberta para melhor arrefecimento do motor, o que de alguma forma lembrava um frango assado.

Se muitos chamam a T1 em inglês de Splitty (ou Osztott Ablakos, no caso dos húngaros) pelo para-brisa bipartido, a T2 ficou conhecida como Bay Window pelo amplo vidro frontal. A VW tencionava usar o nome Clipper, que chegou a sair em materiais de divulgação, mas estava registrado pela companhia aérea Pan Am para aviões. Mesmo assim, o termo pegou.

Os holandeses, de alguma forma “pais” da Kombi, também distinguem as gerações pelos apelidos: Spijlbus (ônibus dividido) para a T1, Pano (abreviação de Panorama Bus ou ônibus panorâmico) para a T2 e Aardappelkist (caixa de batatas) para a T3, com seu estilo retilíneo.

*Bob Sharp colaborou com o artigo de 2001 que deu origem a este

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Polícia, ambulância, transporte de companhia aérea: no trabalho ou no lazer, a Kombi comprovava a eficiência de um projeto simples e genial

 

Por dentro o volante de três raios ficava quase horizontal, como num ônibus: com o motorista bem à frente, a visibilidade próxima era incomparável. Abaixo dele vinha o velocímetro, pois marcador de combustível só era oferecido na ambulância: nas demais havia uma parte do tanque de reserva (cinco litros), acionada por botão de puxar. Quando acabava o tanque principal podia-se rodar cerca de 50 quilômetros. A bateria de seis volts ficava junto ao motor.

A caixa de transmissão de quatro marchas não sincronizada, na qual apenas terceira e quarta eram silenciosas (dentes helicoidais), era a mesma do Volkswagen Sedã. Mas a transmissão às rodas foi complementada por caixas de redução em cada cubo de roda traseira, como no Kubelwagen. Além da maior redução final com a relação de 1,4:1 (mais tarde 1,26:1, ao ser adotada primeira marcha sincronizada), havia um ganho de distância do solo, um dos destaques da Kombi.

 

Interior simples e para-brisa dividido; a produção mal atendia à grande demanda; na comparação, a melhor relação entre volume útil e espaço ocupado

 

As suspensões seguiam as do Sedã, mas a traseira do tipo semieixo oscilante estava longe de ser a ideal: a cambagem das rodas variava muito com o trabalho da suspensão, deixando os pneus com menor contato com o solo em curvas mais fortes. Havia duas barras de torção transversais na frente e uma de cada lado na traseira.

 

A versão Samba ou Bus De Luxe, com até 23 janelas e teto corrediço, foi empregada em locais turísticos e parques nacionais para apreciar belas paisagens e animais selvagens

 

A arquitetura da Kombi revelou-se um de seus trunfos. Um material da própria Pon demonstrava seu aproveitamento de espaço: comportava cerca de 3,5 metros cúbicos em superfície de sete metros quadrados ocupada no solo, relação de 50%. Em um furgão convencional, com motor dianteiro e tração traseira, eram 6,1 m² ocupados para levar apenas 1,75 m³, relação de 0,29. Além disso, quando carregado tal furgão ficava com 67% do peso na traseira, ante 52% da perua VW.

A revista alemã Auto Bild relembrou em 2009 a Transporter dos anos 50 em paralelo a DKW Schnellaster, Ford Taunus Transit, Goliath Express e Tempo Rapid: “Bem-vindo ao utilitário mais bem-sucedido do mundo. O T1 deixou toda a concorrência para trás. Qual era o segredo de seu sucesso? A marca? A proximidade ao Fusca? A rede de concessionárias? A T1 foi desenhada desde o início para ser robusta e de baixa manutenção. O motor traseiro trazia conforto e nível de ruído sem similares”. A revista resumiu a Kombi na expressão “geniosa simplicidade”.

 

Na picape, lançada em 1952, as tampas laterais também podiam ser abertas e havia um compartimento sob a caçamba

 

O sucesso foi tal que a produção de 60 veículos por dia se tornou insuficiente para abastecer o mercado. A VW chegou a produzir 90 diferentes arranjos de carroceria nos cinco primeiros anos, incluindo miniônibus, picapes, carros do corpo de bombeiros, ambulâncias, transportadores de cerveja, furgões refrigerados para sorvetes, carros de leiteiro e padeiro, açougues volantes, carros-mercearia, de entrega e para acampamento.

 

 

Samba, a Kombi descontraída

A picape de cabine simples (Pritschenwagen para os alemães) chegava em agosto de 1952. Além de ótima área de carga, tinha um compartimento para volumes menores sob a caçamba. Um ano depois, vidro e para-choque traseiros passavam a ser de série no furgão: com melhor visibilidade, o veículo de 4,28 metros de comprimento e 1.060 kg ficava mais fácil de dirigir e de estacionar.

Chegava também uma versão que faria muito sucesso: a de 23 janelas, incluindo oito pequenos vigias de plástico nas laterais do teto, e com um teto retrátil de lona de 1,5 metro de comprimento. Embora descrita como Achtsitzer-Sonderausführung (oito lugares, versão especial) na tabela de preços, era chamada de Samba nos mercados europeus e Bus De Luxe no norte-americano. Foi empregada em locais turísticos e parques nacionais para apreciar belas paisagens e animais selvagens. De acordo com a configuração dos bancos, podia carregar sete, oito ou nove ocupantes com relativo conforto.

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A publicidade

Difícil um automóvel com tantos argumentos para a publicidade quanto a Kombi. Na década de 1960, em que dividia espaço apenas com o Fusca na marca, era frequente ver seus anúncios na TV e nas revistas.

O detalhado anúncio de 1961 demonstrava atributos como a capacidade de levar quase o próprio peso em carga, “proporção considerada inatingível até poucos anos atrás pelos fabricantes”; a distribuição de peso, a manutenção por “metade do custo de uma camioneta do tipo pick-up”; a facilidade de manobra e carregamento e os 25 metros quadrados de espaço para propaganda, que faziam dela “um cartaz ambulante”.

“A sua atual camioneta passa por estes testes?”, desafiava a VW em 1962. As provas incluíam passar sobre uma bola de futebol oficial sem tocá-la, pelo vão livre de 24 cm; transportar oito bezerros sem necessidade de carrocerias especiais; carregar o veículo estacionado entre outros dois, aproveitando a porta lateral; e teste de economia de combustível e na manutenção.

 

Nos primeiros anos a propaganda destacava sua praticidade, robustez e economia: “Na gíria dir-se-ia que a Kombi dá muito menos oficina do que outros veículos de transporte médio. O seu motor vence brincando as subidas mais íngremes”. Com o tempo, o bom-humor tornou-se marca registrada, como em “carro esporte”. Como assim? “A Kombi Luxo transporta gente esportiva. Só que, além disso, pode levar todo o equipamento de gente esportiva”, como barco, esquis, coletes e tubos de oxigênio.

 

Na de 1964, alusão a espaço e versatilidade: “Como carregar o barco… e o pessoal que carrega o barco”. O conforto foi destaque na peça “O grande Volkswagen de luxo”, que definia o carro como “cinemascópico” pela ampla visibilidade das 15 janelas. “Dificilmente você encontrará outro carro com acabamento interno tão esmerado”, dizia.

A de 1965 sugeria “tamanho luxo” e “tamanho econômico” no mesmo carro. “Você é capaz de citar algum outro carro de luxo que transporte nove ou mais pessoas? A Kombi faz 10,5 km com um litro e nós achamos que isso é o certo”.

Na TV, um dos melhores anúncios foi o de 1997 com dois garotos conversando sobre o carro de seus sonhos. Um quer um conversível com uma bela loira ao lado; o outro, uma Kombi. Uma Kombi? Sim, com várias loiras, morenas, etc. Consta que o comercial teve de ser retirado do ar, porém, por pressões de quem via riscos em exibir uma criança dirigindo…

Nos Estados Unidos, a publicidade precisava convencer o público de suas qualidades ainda desconhecidas. “Por que entregar 1.600 libras [727 kg] que ninguém encomendou?”, questionava o anúncio de 1962. Chassi, capô, para-lama dianteiro, radiador e cardã, comuns em picapes e peruas norte-americanas, eram dispensados pela Kombi, que assim rendia até o dobro por litro de combustível. Em outra peça da época, o VW ficava atrás de uma frente típica de outros utilitários: “Ainda empurrando isso por aí?”.

 

Apesar do amplo espaço interno, a Kombi era pouco mais longa que um Fusca, fato bem explorado na campanha com o “besouro” pintado em sua lateral. Em outro anúncio, “a VW é a grande” ao lado de uma perua norte-americana bem maior. O texto explicava que ela era maior porque transportava mais carga. E havia a longevidade: “Velhas VW Station Wagons nunca morrem”, dizia sobre a Kombi-lanchonete. Apesar do espaço para fogão, geladeira e pia, sugeria: “Se você pretende abrir um restaurante, não compre uma nova — vai levar tempo demais para ela ficar ruim o suficiente”.

 

Para marcar os 60 anos da Kombi, em 2009, a agência DDB Paris produziu anúncios bem-humorados. “Ela pertenceu a um trotskista, um maoísta, um democrata e um republicano sem nunca mudar de dono”: afinal, todos mudam de opinião, de hábitos ou de religião, mas a Kombi nunca acaba.

Para outra peça, o utilitário “carregou todos os ideais do mundo”, como a liberação sexual, os fins do capitalismo e da opressão, o cheiro da queima de incenso e o movimento “energia nuclear, não, obrigado”. “Quando se percebe tudo que a VW Van perdeu pelo caminho, é de se perguntar como sua reputação ficou intacta”.

“Ela já estava lá quando nós vivíamos nus em cabanas. Em 1969”, diz outra. “Um grande ano para dançar nu na lama em Woodstock [festival de música] e recolocar a roupa para andar pelas ruas e protestar contra a guerra do Vietnã”… e a Kombi já tinha 22 anos”.

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Com muitas janelas, teto de lona corrediço e melhor acabamento, a versão Samba ou De Luxe consagrou a Kombi como veículo de lazer

 

A Auto Bild também contou como era a Samba, “o primeiro Volkswagen de luxo depois do Fusca de exportação, o VW de domingo”. Segundo a revista, o nome “certamente tinha algo a ver com a diversão e a liberdade que o carro irradiava. Os norte-americanos adoraram. Ela se encaixava bem a seu estilo de vida com restaurantes drive-thru e shopping centers. O baixo desempenho não era problema: muito mais importante era que a Samba podia transportar até oito estudantes, uma grande compra no shopping ou levar a família de férias. Era uma companhia confiável e adorável, na qual você sempre podia fazer um piquenique e passar a noite”.

O motor tornava-se mais potente, ainda em 1953: com 1,2 litro e 30 cv, a Kombi alcançava 90 km/h. A caixa recebia segunda, terceira e quarta marchas sincronizadas e vinham pneus mais largos. No ano seguinte era produzida a centésima milésima unidade, o teto era alongado para frente, como um boné sobre o para-brisa, e atrás havia uma porta para as bagagens e outra para o motor. O estepe ia para dentro da cabine, entre o primeiro banco e a parede divisória, e as rodas diminuíam de 16 para 15 polegadas.

 

A picape ganhava cabine dupla e terceira porta em 1957; a VW havia aberto a fábrica de Hanover (fotos) apenas para a produção de utilitários

 

A picape de cabine dupla aparecia em 1957 com terceira porta do lado direito. No ano seguinte a produção já batia 100 mil exemplares por ano. Desde abril de 1956 a VW vinha fabricando o modelo em Hanover, no estado da Baixa Saxônia, uma unidade construída para veículos comerciais — Wolfsburg não dava mais conta de fazer os Fuscas e Kombis demandados pelo mercado. Caixa toda sincronizada em 1959 e teto mais elevado no ano seguinte melhoravam o veículo, que em 1962 atingia um milhão de unidades fabricadas.

 

A segunda geração vinha com carroceria mais moderna, para-brisa “panorâmico” e porta traseira corrediça, que substituía em definitivo as duas de abertura convencional

 

Na avaliação da Popular Mechanics nos EUA, em 1960, a Microbus mostrou qualidades: “A carroceria sólida é tão livre de ruídos quanto a do VW Sedã, e isso é dizer alguma coisa. Há tanto espaço que o banco dianteiro em geral fica vazio, à parte o motorista, e a visibilidade é melhor que a de um pedestre. Em 10 minutos você dirigirá como um garoto em uma motoneta. Os bancos dos passageiros dão mais conforto que os da maioria dos carros, mas nenhum é rebatível ou ajustável e, mesmo com aquecedor, o motorista pode ficar com os pés gelados. Se você se adequar a suas limitações, terá o carro mais versátil e útil que já possuiu”.

O motor era ampliado outra vez em 1963 para 1,5 litro, com 42 cv, o bastante para 105 km/h. Os para-choques estavam maiores, havia marcador de combustível para todos os modelos e pequenas luzes de direção. Como opcional o sistema elétrico podia ser de 12 volts. No ano seguinte estreava o furgão com porta corrediça de ambos os lados, que facilitava a entrada da carga. Pitoresca era a versão com para-brisas basculantes para melhorar a ventilação.

 

Para-brisa amplo e inteiriço, janelas maiores e porta corrediça eram avanços da segunda geração, que adotava motor 1,6 e nova suspensão

 

Outra revista, a Flotter Transport, descreveu a versão 1,5: “O motor provou-se nas rodovias norte-americanas, com mais potência, torque em baixa rotação e menos trocas de marcha. Os freios impressionaram. O novo utilitário significa o fim das velhas reclamações sobre o desempenho inadequado. É um produto aperfeiçoado. Adicione o bom acabamento e a assistência técnica da VW, e está claro por que os vendedores da marca têm algo para se empolgarem”. Além das duas fábricas alemãs, que fizeram 1,8 milhão de unidades em 17 anos, a T1 foi produzida no Brasil (até 1975; leia sua história adiante) e na Austrália, com direção à direita.

 

 

T2: porta corrediça

A Kombi entrava em sua segunda geração (T2; não confundir com Tipo 2) em agosto de 1967 com carroceria mais moderna. O para-brisa vinha em peça única, “panorâmico”, em vez do bipartido. Na lateral, três grandes janelas e uma porta traseira corrediça (antes opcional), que substituía em definitivo as duas de abertura convencional com dobradiças externas. O vidro traseiro estava bem maior e a entrada de ar para o motor ficava atrás da última janela.

A alteração das janelas só foi possível porque a estrutura original da T1 foi reprovada em novos testes de durabilidade. Sendo a VW obrigada a uma solução mais resistente, optou por uma construção em “sanduíche” (com camada adicional de chapa no interior), que permitiu eliminar parte das colunas e ampliar os vidros. O comprimento crescia em 16 centímetros, para 4,42 metros, e o volume útil de carga passava de 4,8 para 5 m³.

 

No começo dos anos 70 vinham retoques de estilo, motores de 1,7 e 1,8 litro e caixa automática; a variedade de aplicações continuava um destaque

 

Embora não mais existisse a Samba, a VW oferecia um teto solar de aço. Outra opção era o furgão com teto alto de plástico e fibra de vidro. O desempenho melhorava com o motor de 1,6 litro, 48 cv e 10,6 m.kgf, apesar do peso elevado a 1.275 kg. Avanço importante era a suspensão traseira com braços semiarrastados, em lugar dos semieixos oscilantes: as rodas mantinham-se mais próximas da vertical nas curvas, com melhora expressiva em estabilidade.

Nova ampliação vinha em 1972 com o de 1,7 litro e 67 cv (padrão para os EUA, opcional na Europa), similar ao dos automóveis Tipo 4 e ao do esportivo SP2 brasileiro. As lanternas estavam maiores desde o ano anterior, os para-choques aumentavam e os freios dianteiros adotavam discos. Transmissão automática, uma demanda dos norte-americanos, era oferecida em 1973.

O motor de 1,8 litro vinha em 1974, com 68 cv (a ênfase estava no torque em baixa rotação), e recebia injeção eletrônica nos EUA para atender a normas de emissões poluentes. Apesar do ciclo de produção mais curto, 12 anos, essa geração alcançou 2,5 milhões de unidades. Além de Hannover, o modelo foi fabricado em Emden, Alemanha (até 1973 para atender ao mercado norte-americano), na Argentina e no México. A série limitada em prata Silverfish, em 1979, fazia sua despedida.

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O irmão menor

A Kombi dos anos 70 ainda era simples, mas a Volkswagen projetou algo ainda mais espartano para países menos desenvolvidos: o Basistransporter ou EA 489. O utilitário, fabricado entre 1975 e 1978, saía da unidade de Hanover desmontado para montagem nos mercados finais, como Indonésia, México, Paquistão e Turquia. Os mexicanos o chamavam de Hormiga (formiga), os filipinos de Trakbayan (caminhão do campo) e os indonésios de Mitra (parceiro).

O caminhãozinho de linhas retas, em alguns casos com caçamba de madeira, tinha chassi do tipo escada (diferente da Kombi ou mesmo do Fusca) e motor de 1,6 litro à frente com tração também dianteira. Foi o primeiro VW a ar com essa arquitetura, antes do Gol brasileiro. A suspensão frontal com barras de torção era típica da marca, mas não a traseira, com eixo rígido e feixes de molas semielípticas. Foram feitos 2.600 conjuntos do Basistransporter na Alemanha e 3.600 no México.

Foto à direita: Ernesto Ariel Gallegos Martínez

 

No México

Assim como no Brasil, a Kombi de segunda geração teve vida bem mais longa entre os mexicanos que em outros mercados. A T2 local recebia em 1987 um motor arrefecido a líquido de 1,8 litro, similar ao AP-1800 usado aqui, com menor potência (71 cv com carburador) para acentuar o torque em baixas rotações. Um radiador frontal foi aplicado. A versão Caravelle, mais bem-acabada, vinha no ano seguinte.

Um teto 10 cm mais alto era adotado em 1991, quando a injeção eletrônica trazia mais 4 cv — ambas as alterações chegariam aqui sete anos mais tarde que lá. Em certo momento a VW estudou modernizar sua frente, com faróis retangulares (ao lado). Com resultado longe de ser harmonioso, não chegou à produção.

Após o encerramento da fabricação local em 1995, os mexicanos passaram a receber a Kombi brasileira com motor 1,8 “a água”, que aqui nunca esteve disponível.

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A terceira geração ganhava em conforto e segurança e tinha até direção assistida, mas de início foi mantido o motor boxer arrefecido a ar

 

T3: do ar para a água

Durante a década de 1970 a Volkswagen abandonava suas antigas tradições de motor boxer arrefecido a ar na traseira e suspensão por barras de torção. Os mais modernos Passat, Golf e Polo traziam motor arrefecido a líquido com cilindros em linha, tração dianteira e suspensão com molas helicoidais. Lançados entre 1973 e 1975, substituíam os antigos Tipo 3, Tipo 4 e o próprio Sedã, que saía de produção na Alemanha em 1977, embora permanecesse no Brasil e no México.

 

Depois do motor arrefecido a líquido, a tração integral chegava em 1985 à T3, com sistema da empresa austríaca Steyr-Puch e opção de motor 2,1-litros com injeção

 

Para a Kombi, a transição demorou um pouco mais. A terceira geração (T3), em maio de 1979, mantinha o tradicional arrefecimento a ar no motor traseiro. Contudo, ganhava linhas mais retas e modernas, maiores dimensões (4,57 metros de comprimento), interior confortável e mais segurança, com zonas de deformação na frente e na traseira.

 

A perua ganhava o nome Vanagon para os EUA e interior confortável; o motor de 1,9 litro arrefecido a água, ainda boxer, vinha em 1983

 

Chamava-se agora Transporter (furgão e picapes de cabine simples ou dupla) ou Caravelle (perua de passageiros), mas para os EUA recebia o nome Vanagon (contração de van e station wagon, perua). Motores de 1,6 litro/50 cv e 2,0 litros/70 cv, este com dois carburadores ou injeção, estavam no catálogo. A suspensão dianteira adotava braços sobrepostos e, como a traseira, usava molas helicoidais em vez de barras de torção. A direção com assistência hidráulica era inédita no modelo.

 

 

A refrigeração líquida era, enfim, adotada em 1983. O motor continuava atrás e com cilindros contrapostos, mas o Wasserboxer (boxer a água) ficava menos ruidoso, mais moderno e potente. Com 1,9 litro, podia ter 55 a 76 cv com carburador e 83 a 90 cv com injeção, de acordo com o tipo de gasolina usado. Com o mais vigoroso e caixa de cinco marchas, ela alcançava 155 km/h. A Kombi deixava de ser um monovolume arcaico. Bem-equipada e confortável, estava mais pesada: até 1.410 kg, conforme equipamentos e quantidade de bancos.

Também existia o boxer a diesel de 1,6 litro com aspiração natural (52 cv) ou turbocompressor (70 cv; um 1,7 aspirado de 54 cv chegou a alguns mercados). Para aumentar o conforto dos passageiros, a Caravelle Carat (quilate em francês e inglês) era lançada em 1983 com quatro bancos individuais atrás, os dianteiros giratórios, ar-condicionado e mesa retrátil. Novas comodidades vinham na sequência: controle elétrico de vidros e retrovisores, teto solar de vidro, controlador de velocidade, bancos aquecidos.

 

Estudada na T2, a tração integral aparecia só na T3 em versão Syncro, que incluía suspensão elevada e chassi reforçado; um motor 2,1 estava disponível

 

A tração integral que a T2 nunca teve, embora tenha sido desenvolvida (leia quadro na próxima página), chegava em 1985 à versão Syncro. O sistema da empresa austríaca Steyr-Puch vinha acompanhado de reforços no chassi, rodas maiores e suspensão elevada. Podia vir com motor 1,6 turbodiesel ou um novo 2,1-litros a gasolina de 112 cv com injeção, também aplicável à versão 4×2. Na Carat, novidade desse ano eram os freios com sistema antitravamento (ABS), seguidos por para-choques de plástico em 1986.

A Popular Mechanics testou a Vanagon Syncro de 2,1 litros: “É muito bem-acabada e o interior é mais versátil, com mesa retrátil e bancos giratórios. O que está errado? Basicamente, sua idade. Com só 90 cv, seu motor é anêmico. A aceleração ainda é prejudicada pelo comando de caixa, que precisa ir do motorista até o motor traseiro. Uma sucessora está a caminho para 1992”.

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As especiais

Em 1953, quatro anos antes da própria Volkswagen, a empresa alemã de carrocerias Binz elaborou uma Kombi picape de cabine dupla, por meio do alongamento da cabine da picape original. Uma terceira porta aberta para trás era aplicada à lateral direita. A adaptação era vendida em concessionárias VW e teria sido feita a 550 unidades.

Várias empresas adaptaram as diversas gerações para acampamento, verdadeiras casas móveis. A capota de lona transformava-se em barraca e, embaixo, ficavam mesa e sofá. Algumas tinham pia, geladeira, armários, banheiro químico e ar-condicionado, não disponível no modelo original. A mais famosa, a alemã Westfalia, fez esse trabalho entre 1951 e 2003, muitas vezes com o aval da VW, que mantinha a garantia de fábrica.

 

Com o tempo surgiram alternativas de empresas como ASI/Riviera, Bischofberge, Danbury, Dormobile, Holdsworth e Sun-Dial. Nas gerações seguintes, a lista ganhou adições como AAC, Auto-Sleepers, Bimobil, Carthago, Dehler, Dipa, Eurec, Ferber, Karmann, KEA, La Strada, Lyding, Polyroof, Reimo, Rieger, Road Ranger, Tamlans, Teca, Tischer, Weinsberg e Winnebago.

 

Quando as T2 alemãs escassearam, a inglesa Danbury Motor Caravans encontrou a solução na Kombi brasileira, ainda com motor “a ar”, que dava origem aos modelos Camper Rio e Camper Surf. A conversão foi feita até o fim da produção por aqui. Ah, se não fosse a lei das bolsas infláveis…

 

Pelo menos uma Kombi serviu como carro fúnebre. Quando o diretor geral da VW Heinz Nordhoff morreu, em 1968, o caixão foi transportado pelas ruas da fábrica e da cidade de Wolfsburg, diante de grande público, em uma picape T2 preta sem cabine. E que tal curtir o céu aberto de Kombi? Essa era a ideia com a T2 Open Air, feita na Alemanha para um programa de TV. As três fileiras tinham bancos em xadrez. O exemplar hoje está em um museu da VW em Kassel.

 

Nem sempre as adaptações visavam ao lazer: houve também preparações de alto desempenho para o motor “a ar”, com maior cilindrada, comandos de válvulas e carburadores especiais, que resultavam em muita potência para acelerar. A Okrasa (mais tarde Öettinger) foi uma das primeiras a oferecê-las, já nos anos 50, quando passava o motor 1,2 para 1,3 com 30 cv.

Mais longe foi o suíço Fred Bernhard. Um projeto de seis anos levou à Race Taxi, um modelo 1962 com motor de seis cilindros do Porsche 911 da série 993, dois turbos e 530 cv! A perua recebeu componentes de fibra de carbono, caixa manual de seis marchas, rodas de 18 pol e pneus traseiros 285/30.

 

A geração T3 ganhou versões de seis cilindros enquanto era produzida. A Öettinger oferecia as de 3,2 litros/165 cv e 3,7 litros/180 cv a partir do Wasserboxer, enquanto a Porsche aplicou o 3,2 de 231 cv do 911 Carrera ao utilitário, para uso como veículo de apoio e transporte de pessoal em seus testes de esportivos. A Projektzwo deu à T3 um aspecto esportivo com quatro faróis, novos para-choques, defletores e até aerofólio traseiro. Rodas largas e suspensão rebaixada compunham o pacote.

 

Na série T5, empresas como ABT, Avus Performance, Hartmann Vansports, MR Car Design, MTM, Revo Technick e Rieger dedicaram-se ao mesmo trabalho, além de oferecer, em alguns casos, preparação mecânica ou eletrônica.

 

No Brasil, a empresa Karmann-Ghia fez uma Kombi interessante para turismo: a Karmann Mobil Safári, em 1976. Um trailer atrás da cabine dianteira, montado sobre chassi específico, trazia armários, ducha, pia, banheiro químico, fogão, tomadas de eletricidade, mesinha e camas. Ficava com 2,50 m de altura.

 

Outra era a Kombi Caracol, em alusão ao animal que leva sua casa nas costas, feita pela Minimax de Itaquaquecetuba, SP. Mantinha o monobloco original, mas recebia teto elevado para 2,30 m em plástico e fibra de vidro, duas camas de solteiro, fogão, tanque de água e banheiro químico. A elevação do teto podia servir também para ambulância, consultório odontológico e transporte de carga.

Para uso fora de estrada, a empresa Dacunha, que fez o jipe Jeg, associou-se à QT Engenharia e Equipamentos e adaptou uma tração 4×4 à Kombi na década de 1980. A tração dianteira era acionada por uma alavanca menor junto à da caixa. Teve apenas duas unidades modificadas e não chegou ao mercado.

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A California para turismo (em cima) e a picape Tristar para lazer ampliaram a linha; nas outras fotos, a edição de despedida Limited Last Edition, de 1992

 

Diante do interesse do mercado por Kombis para acampamento, que desde a primeira geração havia levado empresas a oferecer adaptações (veja quadro na página anterior), a VW lançava a sua em 1988. A California feita pela Westfalia tinha cama, cozinha e teto elevado ou com sistema retrátil, que montava uma cabana com o carro estacionado. Outra opção era o Transporter Tristar, uma picape de cabine dupla para uso em lazer. Na Alemanha, a Limited Last Edition (última edição limitada) marcava o fim da T3 em 1992 com 2.500 unidades. Essa geração foi fabricada também na Áustria.

Mas sua história não acabava ali. A África do Sul levou sua produção até 2003 com uma reforma visual e motores exclusivos: 1,8-litro de quatro cilindros em linha para versões de carga e um Audi 2,5-litros (depois 2,6) de cinco cilindros e 136 cv para as de passageiros. Lá, a revista Car testou a Microbus 2,6 em 1995: “A ‘Kombi’ tem sido duradoura. Destaques são um interior confortável e um rodar suave e silencioso, assim como o pronto acesso dos bancos dianteiros aos traseiros. As trocas de marcha parecem ser algo não solucionável. O Microbus continua uma referência para o transporte familiar e, com o novo coração, parece apto a se manter por um tempo considerável”.

 

Motor e tração dianteiros modernizavam a quarta geração, que oferecia um cinco-cilindros de 2,5 litros e, mais tarde, o VR6 de 2,8 litros e 140 cv

 

T4: o motor vem para frente

Nova transformação em 1990 deixava o utilitário longe do conceito original: a quarta geração (T4) adotava motor e tração dianteiros com opção pela integral Syncro. Bem maior, com 4,71 a 5,11 metros de comprimento de acordo com a versão, recebia os nomes Multivan e Caravelle nas versões de passageiros, mantendo Transporter nas de carga (furgão e picape com cabines simples e dupla), que pela primeira vez o ostentavam em um logotipo. A turística California completava a linha.

 

O VR6 chegava a 204 cv, mais de seis vezes a potência da primeira Kombi; a Caravelle Business vinha com quatro bancos individuais, navegador e telefone móvel

 

O boxer também ficava no passado: essa arquitetura mais baixa só se justificava na traseira, por permitir espaço para carga acima do motor. Na T4 as unidades de quatro cilindros a linha eram de 1,8 litro/67 cv e 2,0 litros/84 cv, com alternativa pelo 2,5 de cinco cilindros e 112 cv, o único oferecido nos EUA. Opções a diesel eram de 1,9 litro/61 cv e 2,4 litros/78 cv, este também com cinco cilindros, ambos aspirados. O 1,9 turbodiesel com 68 cv viria em 1993. Podia-se escolher entre caixas manual de cinco marchas e automática de quatro.

O motor VR6 de seis cilindros em “V” estreito e 2,8 litros do Golf e do Passat, ajustado para 140 cv, era novidade em 1996 ao lado do 2,5 turbodiesel de cinco cilindros e 102 cv. Multivan e Caravelle tinham novos faróis e grade, mantendo-se a frente antiga nos modelos de carga. Quatro anos depois o VR6 com quatro válvulas por cilindro chegava a 204 cv, mais de seis vezes a potência da primeira Kombi.

 

A luxuosa Caravelle Business usava o VR6 de 204 cv; havia também a versão Syncro de tração integral (no centro) e a turística California (à direita)

 

Após 100 mil km de teste da versão 2,5 turbodiesel, a alemã Auto Motor und Sport elogiou espaço interno, acabamento, consumo, posição de dirigir, acerto de suspensão e direção, mas lamentou o preço, bancos pesados e porta difícil de fechar. “Seu valor está na construção extremamente sólida, mas não na funcionalidade como em outras vans modernas. O peso dos bancos exige força e o fechamento ruidoso da porta corrediça, como na Bus dos anos 60, acorda os vizinhos”.

 

 

A Caravelle Business, também de 2000, mostrava requinte com quatro bancos individuais de passageiros voltados uns para os outros, navegador, ar-condicionado automático e telefone móvel. Como na T3, a edição Last Edition vinha em 2003 para marcar o encerramento no ano seguinte. Com 14 anos, seu ciclo de produção na Alemanha foi o segundo maior da série, atrás apenas da T1. Foi feita ainda na Indonésia, Malásia, Polônia e em Taiwan.

As versões de passageiros, com nomes Eurovan e Caravelle e motor 2,4 a diesel, vieram ao Brasil entre 1998 e 2000 por importação oficial. Pelo alto preço, não fizeram sucesso em um mercado já repleto de opções (leia mais sobre concorrentes em página adiante).

 

Grandes avanços em segurança e motor VR6 de 235 cv eram destaques da quinta geração, que mantinha a escolha entre Multivan, Caravelle e Transporter

 

T5, eficiente e sofisticada

A quinta geração da Kombi, ou T5, aparecia em 2003 com os mesmos nomes Multivan, Caravelle e Transporter e ampla variedade de carrocerias. O comprimento alcançava 4,89 a 5,29 metros, com até 3,40 m de distância entre eixos, e havia recursos como controle eletrônico de estabilidade e tração, freios a disco nas quatro rodas, bolsas infláveis laterais e de cortina, rodas de até 18 pol e acionamento elétrico da porta corrediça e da tampa traseira.

De início, oferecia os motores a gasolina de 2,0 litros/116 cv e 3,2 litros/235 cv (VR6) e a diesel de 1,9 litro (84 ou 102 cv) e 2,5 litros (131 ou 174 cv), com até seis marchas nas caixas manual e automática. O conceito McPherson era aplicado à suspensão dianteira, mantendo-se a traseira por braço semiarrastado. O peso acompanhava os ganhos em conforto e segurança: 1.950 kg no caso do VR6.

Revisões visuais e mecânicas em 2010 traziam o motor TSI turbo de 2,0 litros e 204 cv com injeção direta de gasolina, no lugar do VR6, e um 2,0 turbodiesel com 114, 140 ou 180 cv (mantinham-se o 2,0 aspirado a gasolina e os 1,9 a diesel). Na transmissão, a automatizada DSG de dupla embreagem e sete marchas assumia o espaço da automática. Com faróis de xenônio, monitor de pressão dos pneus e alerta para veículos em ponto cego, os utilitários estavam mais seguros. Havia ainda a versão fora de estrada Rockton, de maior altura de rodagem.

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Projetos que não vingaram

A Volkswagen estudou diferentes variações da Kombi como estudos ou feitas em quantidade reduzida. Estas foram derivadas da segunda geração, a mesma que tivemos por tantos anos.

 

4×4 (1975): uma T2 com tração nas quatro rodas foi construída e testada no deserto do Saara em viagem de 800 km, com bons resultados. Outras quatro foram feitas, mas não passaram de protótipos: com o ciclo da geração já avançado, a VW preferiu aguardar a terceira para trazer a versão 4×4 à produção.

 

Elétrica: a fartura de espaço da Kombi fez dela a plataforma ideal para testar alternativas de propulsão nos anos 70, época da crise do petróleo. O Elektro-Transporter (na Alemanha) ou Electromobil, produzido em pequena quantidade como furgão, perua e picape, podia ser encomendado em concessionárias VW. O motor elétrico na traseira tinha potência de pico de 44 cv e contínua de 23 cv, o suficiente para 80 km/h, e a autonomia variava de 50 a 80 km. O pacote de baterias de 860 kg vinha na área central, abaixo da carga, com fácil acesso por portas corrediças dos dois lados.

 

Híbrida: como se faz hoje, essa T2 associava motores elétrico e a combustão para consumir menos combustível. Motor elétrico e bateria vinham atrás do motorista (embaixo de um banco voltado para trás), com outras baterias ao lado do condutor e motor a gasolina, transmissão e mais baterias na traseira. A perua podia rodar só com eletricidade ou ter as baterias recarregadas pelo motor a combustão.

Turbina: o projeto GT-70 de 1972 aplicava à Kombi uma turbina a gás como as de aviões. Instalada na traseira da versão com caixa automática, ela superava 60 mil rpm e permitia bom desempenho (de 0 a 100 km/h em cerca de 15 segundos), usando gasolina ou diesel, além de emitir menos ruído interno. Contudo, sua eficiência foi questionada e o custo de produção seria de 2,5 vezes o do motor original. O projeto foi abandonado e hoje o protótipo fica no museu da marca em Wolfsburg.

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Motor TSI turbo e transmissão DSG vinham em 2010; a Blue Motion (azul) era voltada à eficiência, enquanto a Rockton (à direita) visava ao fora de estrada

 

A Auto Motor und Sport avaliou a Multivan Panamericana de tração integral: “O conforto foi aumentado, assim como a segurança, e o consumo reduzido. O motor de 140 cv é bem comportado, sem trepidações e com desempenho adequado — de 0 a 100 km/h em 15,3 segundos. A tração no eixo traseiro agora tem controle eletrônico e responde mais rápido”. Essa fase não mais foi vendida nos Estados Unidos, onde a VW ofereceu a Routan, variação da Chrysler Grand Caravan, entre 2008 e 2013. A fabricação também ficou mais restrita: apenas Alemanha e Rússia.

Apesar de designada como T6, o que sugere sexta geração, a última evolução da Kombi em abril de 2015 foi apenas uma atualização da T5. Ao lado de retoques estéticos, com leds diurnos na frente e nas lanternas traseiras, o utilitário recebia recursos como controlador da distância à frente, assistente de faróis e controle eletrônico de amortecimento com programas normal, confortável e esportivo.

 

A última evolução T6 controla a distância à frente e os amortecedores; a edição Generation Six remete à T1 com pintura “saia e blusa” e rodas cromadas

 

A edição de lançamento Generation Six, ou geração seis, vinha com pintura em dois tons — a clássica “saia de blusa” tão apreciada na T1 —, bancos revestidos em camurça sintética e rodas cromadas de 18 pol. Para reduzir a emissão de gás carbônico (CO2) restavam apenas motores turbo de 2,0 litros na linha: a gasolina de 150 ou 204 cv e a diesel de 84 a 204 cv. Sob qualquer aspecto, a T6 em nada lembra a pioneira T1. Nesses 67 anos desde o lançamento, ou 70 desde o esboço de Ben Pon, foram vendidas mais de 11 milhões de unidades desses utilitários.

 

Ótimo vão livre do solo, sem caixa protuberante do diferencial, e motor sobre as rodas motrizes faziam da Kombi um bom veículo para estradas barrentas ou arenosas

 

O primeiro VW brasileiro

Assim como o Sedã, a Kombi chegou por aqui no começo da década de 1950, de início importada e logo montada pelo grupo Brasmotor, representante Chrysler e dono da Brastemp. Contudo, enquanto o Fusca só começaria a ser fabricado em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, em 1959, o utilitário era nacionalizado dois anos antes, em junho de 1957.

O primeiro veículo fabricado pela Volkswagen do Brasil começou com percentual de nacionalização de 50%, que logo cresceria. Razões para ser rejeitada, a Kombi tinha várias: estilo estranho, posição de dirigir incomum e que causava insegurança, motor barulhento, pouca estabilidade. Mas também reunia qualidades difíceis de encontrar em outro utilitário.

 

Antes mesmo do Fusca, a Kombi era nacionalizada em 1957; seguia o modelo alemão com bancos removíveis e motor de 1,2 litro

 

Podia carregar nove pessoas ou, removendo-se duas fileiras de bancos, muita carga protegida das intempéries. Sua capacidade liquida era de 810 kg com 4,8 metros cúbicos de espaço útil. Forte argumento era o carregamento feito pela lateral direita, mais prático ao estacionar ao lado da calçada em vagas apertadas. Era fácil de manobrar, pois só 21 cm maior que o Sedã, e bem mais leve e econômica que utilitários grandes de seis ou oito cilindros.

 

 

O vão livre do solo era ótimo, 24 centímetros (mais que o de quase todo utilitário esporte de hoje), e não havia a caixa protuberante do diferencial, inevitável em veículos com motor dianteiro e tração traseira. Somados ao motor sobre as rodas motrizes, faziam dela um bom veículo para estradas barrentas ou arenosas. De resto, a ausência de radiador e mangueiras simplificava a manutenção, tão fácil e barata quanto a do Fusca.

Nossa primeira Kombi era igual à alemã, com motor de 1,2 litro, 30 cv e 7,7 m.kgf e caixa de quatro marchas com primeira não sincronizada. O acesso ao compartimento traseiro dava-se por duas portas laterais. Nas dianteiras as janelas eram corrediças. A primeira variação era a Turismo, em 1960, com adaptações pelas empresas Cama Bruno e Mercantil Suíça: bancos estofados um contra o outro, que podiam se tornar uma cama de casal; armários, pia de aço, berço, cadeiras, mesa, caixa d’água e duas barracas.

 

Era ruidosa e pouco estável, mas tinha grandes atributos; depois da versão básica vinha a Especial (mais tarde Luxo), à direita, com acabamento superior

 

Para o ano seguinte a Kombi ganhava marcador de combustível e primeira marcha sincronizada, que facilitava o engate com o carro em movimento. O índice de nacionalização atingia 95%. Agora ela vinha em versões básica e Especial (depois renomeada Luxo), esta com melhor acabamento interno, teto forrado e bancos com alças. Por fora, pintura “saia e blusa”, calotas, frisos e degraus para facilitar o acesso. Outra novidade era a Kombi Lotação, com seis portas, voltada a serviços como táxi, hotéis e empresas aéreas.

Conforme a necessidade do comprador, a VW podia transformá-la em ambulância, carro de rádio-patrulha ou polícia técnica, carro-bar (com balcões, caixa térmica, fogão a gás, prateleiras e até caixa d’água) e para transporte de presidiários (com celas, sirene e portas adicionais). O furgão era adicionado em 1963. Nos anos seguintes vinham borrifo de água para lavar o para-brisa, trava de direção, tomadas de ar maiores para o motor e barras de direção que não precisavam ser lubrificadas.

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Nas pistas

Kombi em corridas? Isso mesmo. Por mais maluco que pareça, nos Estados Unidos já apareceram várias delas nas pistas de dragster (veículos para provas de aceleração). Equipadas com o motor original muito preparado, o boxer dos Porsches ou adaptadas com potentes V8 em posição central, levavam ao delírio os espectadores. Os pneus extralargos atrás produziam muita fumaça nas arrancadas.

No Rio de Janeiro, no começo da década de 1970, chegou a haver corridas de Kombis com 10 a 12 largando e disputas sensacionais. Como em outros países, foi muito usada em reides e acompanhamento de ralis. A exemplo do Fusca, sempre foi muito boa de barro, além de adequada para carregar peças e servir de dormitório.

 

Os incêndios

Foto: Blog Agmar Rios

Vários casos de Kombi que se incendiavam repercutiram na imprensa, em particular na década de 1990, e o modelo ganhou a fama de pegar fogo com facilidade. Na época a fábrica emitiu boletim para a rede de concessionárias e frotistas, em que reforçava a necessidade de verificar certos itens. Entre eles, o passa-fio na parede de fogo (divisória entre cabine e cofre do motor) por onde passava o grosso cabo que leva corrente elétrica para o motor de partida. Se esse passa-fio caísse ou se desmanchasse, o risco de curto-circuito era enorme.

Como ali fica o tanque de combustível e podem se acumular vapores, os incêndios por esse motivo foram numerosos. Mais do que tudo, tratava-se de manutenção imprópria. Prova disso é que frotas de Kombis bem mantidas, como as dos Correios e da antiga Telesp (companhia telefônica de São Paulo), não apresentavam o problema mesmo com rodagem intensa.

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Da Turismo à versão de seis portas, havia Kombis para diferentes finalidades, mas no transporte de presos ela revelou facilidade para fugas

 

Sua praticidade foi constatada no teste da revista Quatro Rodas em 1963: “Sua versatilidade é notável. Como transporte de carga apresenta índices de custo bastante baixos. Como transporte de pessoas, resolve problemas de famílias numerosas”. Entre as restrições, algumas sanáveis (acabamento, potência) e outras inerentes ao projeto: “estética, estabilidade e conforto para o motorista. Se bem adaptado ao uso, tem condições de desempenhar excelentes serviços, em quase todos os setores”. No teste a Kombi alcançou 93 km/h e acelerou de 0 a 80 em 27,8 segundos.

 

A Kombi marcava presença em ruas e estradas, lamaçais e florestas, no interior e nas grandes cidades, com simplicidade mecânica e facilidade de manutenção

 

Boas novidades vinham em 1967. A picape de cabine simples oferecia ampla caçamba (5 m² de área), tampas laterais que também se abriam e um compartimento inferior. O motor de toda a linha estava mais potente, com 1,5 litro, 44 cv e 10,1 m.kgf, acompanhado de sistema elétrico de 12 volts, e as rodas mudavam de 15 para 14 pol com pneus mais largos. A capacidade de carga de picape e furgão passava para 845 kg. Para o motorista havia banco individual e limpador de para-brisa com duas velocidades.

 

A picape nacional trazia a versatilidade da alemã, mas demoraria a oferecer cabine dupla; no mesmo ano, 1967, o motor passava a 1,5 litro (à direita)

 

Um bloqueio de diferencial era adotado em 1970. Por uma alavanca na base do assento, podia-se anular a ação do diferencial a fim de obter melhor tração em piso muito escorregadio, como nos lamaçais. Também era útil se uma das rodas traseiras ficasse no ar ao se tentar subir enviesado numa calçada, em que a suspensão se distendia, fato comum em Kombi. Essa opção vinha com pneus tipo Cidade e Campo, mas teve pouca procura e só durou dois anos.

 

 

A Kombi agradava aos brasileiros de norte a sul e de leste a oeste. Marcava presença em ruas e estradas, lamaçais e florestas, no interior e nas grandes cidades. Robusta, não negava serviço. A simplicidade mecânica e a facilidade de manutenção eram conhecidas dos mecânicos e garantidas por mais de 850 concessionárias — rede impensável hoje, mesmo com todo o aumento de produção da indústria.

Segmentos de todos os tipos a empregavam com bons resultados: aviação, transporte escolar, correios, bebidas, imprensa, lavanderias, frigoríficos, agências de turismo, padeiros, exército, marinha. Uma ambulância, aliás, era o VW brasileiro de número três milhões, produzido em 1975. Jornais e revistas vinham na perua, com a porta aberta, e o entregador arremessava-os ao jornaleiro na banca. Para a polícia, parecia ideal — cabiam mais detentos que em peruas como a Chevrolet Veraneio —, até que se descobriu uma vulnerabilidade: pelo baixo peso e alto centro de gravidade, podia ser tombada pelo movimento proposital e combinado dos passageiros.

 

De frente, nossa Kombi 1976 estava como a alemã, mas na parte central as portas e janelas não mudavam; a suspensão era um bom aprimoramento

 

Evolução, mas não por inteiro

Nossa Kombi passava por grandes mudanças no modelo 1976: a frente tornava-se semelhante à da T2 alemã, com amplo para-brisa único, e as portas dianteiras estavam maiores com janelas descendentes. No entanto, a reforma veio pela metade: o restante da carroceria era igual à anterior, sem a esperada evolução das portas corrediças.

Na mecânica, o motor de 1,6 litro do Brasília com ventoinha vertical, 52 cv e 10,1 m.kgf representava melhor desempenho — medida que demorou, pois essa cilindrada aparecera em 1968 no sedã 1600 L. A velocidade máxima anunciada chegava a 110 km/h. Não que se quisesse correr com a Kombi, mas era auxílio importante para um veículo que alcançava duas toneladas com carga máxima. Os freios, ainda a tambor, ganhavam assistência e válvula reguladora de pressão nas rodas traseiras, para dificultar seu travamento.

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A concorrência

O estilo singular da Kombi teve similares em seu país de origem, lançados no mesmo ano (1949) que a VW. O DKW F89 Van foi o primeiro novo produto da marca após a guerra e pioneiro entre os utilitários de cabine avançada. Tinha portas dianteiras “suicidas”, motor e tração na frente. Houve versões de três cilindros, 900 cm³ e 32 cv e de dois cilindros, 700 cm³ e 22 cv, ambas a dois tempos, como todo DKW. Transportava até 750 kg ou oito passageiros. Além do furgão, oferecia os modelos picape, perua de passageiros e a versátil Combi.

A Tempo Werke lançava em seguida o Matador, com motor VW de 1,1 litro e 25 cv. Era o único veículo produzido na Europa com autorização da VW para o uso da mecânica. Havia versões furgão (inclusive uma de teto alto) e picape e ganhou volante à direita para exportação à Austrália, onde a Kombi ainda não havia chegado, entre 1950 e 1952. O motor ficava abaixo do banco inteiriço, com tração dianteira. Com o tanque de combustível na frente, o nome do carro se justificaria em uma colisão frontal…

 

Entre as décadas de 1950 e 1960 a concorrência na Europa expandiu-se com modelos como Austin J4, Fiat 1100 T, Peugeot D4B e Renault Estafette, além do Citroën H, que havia precedido a Kombi em dois anos. Nos Estados Unidos a Kombi competia com modelos de maior porte como Chevrolet Corvair Greenbrier, Dodge A100 e Ford Econoline (Série E). De modo geral eram mais confortáveis, mas consumiam mais combustível com seus motores de seis ou oito cilindros.

 

No Brasil a VW não encontrou concorrência direta. As mais próximas eram a Rural da Willys-Overland, feita de 1956 a 1977, e a Chevrolet Veraneio, mais cara, entre 1964 e 1988. Nenhuma oferecia tantos lugares nem consumo tão comedido quanto a Kombi, pois usavam grandes motores de seis cilindros. Também ficavam para trás ao trafegar em condições difíceis, no que a VW era superada apenas pela Toyota Bandeirante (1962 a 2001), com tração 4×4, de preço bem maior.

 

Para transporte de passageiros com conforto, como em hotéis de luxo, alguns produtores de veículos com carroceria de plástico com fibra de vidro fizeram vans de porte maior, como a Furglaine da Sonnervig e a Ibiza da Souza Ramos (ambas concessionárias Ford), sobre chassi da picape Ford F-1000. Não alcançaram grande produção, até pelo alto preço.

 

Adversários mais diretos vieram da Coreia do Sul nos anos 90 com a abertura do mercado aos importados. Menor que a Kombi havia a Asia Towner, também a gasolina; maiores, a Kia Besta e a Asia Topic, ambas a diesel, mas de preço superior. Embora tenham conquistado mercado, não arranharam a supremacia a Kombi, imbatível em robustez e custo de manutenção e que podia ser adaptada para gás natural veicular (GNV).

 

Dos modelos sul-coreanos passou-se aos de origem europeia, como Fiat Ducato, Ford Transit e Mercedes-Benz Sprinter, que assumiram grande parte do segmento. No transporte de carga, furgões chineses vieram dividir espaço com os nacionais Fiat Fiorino e Doblò.

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A picape de cabine dupla aparecia em 1981, assim como o motor a diesel, que exigiu radiador frontal e teve problemas de durabilidade

 

A estrutura vinha reforçada, assim como a suspensão dianteira. Atrás vinham um braço semiarrastado por lado, barras de torção cilíndricas e juntas universais de dupla articulação, que marcavam o fim da funesta suspensão por semieixo oscilante. O novo arranjo melhorava muito a estabilidade, mas a VW não fez alarde do fato — talvez por ter mantido o semieixo oscilante no Fusca até o último sair de linha, em 1996.

“Um utilitário eficiente, de longa duração, consumo contido e acabamento agradável”, definiu a Quatro Rodas sobre a nova Kombi. “O interior chega a dar impressão de certo luxo. O desempenho está à altura das necessidades e talvez as supere. O servofreio tornou a Kombi mais estável nas freadas, mas sem carga é preciso parar com cuidado. O maior defeito: com cinto de segurança, não se alcança o freio de mão”, acrescentou.

 

Depois das melhorias internas e dos freios a disco, em 1983, a Kombi passou 14 anos com minimas alterações, resistindo à chegada dos importados

 

Juntas homocinéticas para a transmissão vinham em 1978. Com dois carburadores, o motor ganhava vigor. Três anos depois era lançado o motor a diesel para picape de cabine simples ou dupla (esta inédita e com terceira porta no lado direito) e furgão. Com 1,6 litro, 50 cv e 9,5 m.kgf, alcançava 115 km/h e era econômica: mais de 16 km/l em rodovia. Como o arrefecimento era líquido, foi adaptado um radiador sobre o para-choque dianteiro que a deixava mais longa, com 4,43 metros.

 

Só em 1997 a Kombi quebrava um longo jejum sem evoluções: recebia teto elevado, versão mais bem-acabada e ampla porta lateral corrediça — 30 anos depois da alemã

 

O motor, o mesmo do Passat para exportação, ficava inclinado 50 graus à esquerda para caber no compartimento original. Contudo, houve problemas de refrigeração e filtragem do ar e a versão, sem grande aceitação, saía de linha em 1986. Uma opção a álcool, com 8 cv a mais que o motor a gasolina, aparecia em 1982. No ano seguinte as novidades eram freios dianteiros a disco, novo painel, encostos de cabeça e cintos de três pontos na frente, volante mais baixo e alavanca do freio de estacionamento sob o painel, em vez de no assoalho, que resolvia o mencionado problema do cinto.

A abertura do mercado aos importados, em 1990, revelou a obsolescência de muitos modelos nacionais, mas pouco afetou a Kombi. Ao perceber que os novos concorrentes (leia quadro na página anterior) não conseguiam igualar seu trinômio preço-manutenção-capacidade de carga, a VW estacionou sua já lenta evolução. Aprimoramentos feitos para exportação não eram aplicados aqui, como o motor “a água” de 1,8 litro com que foi enviada ao México.

 

Versão “luxuosa” Carat, teto mais alto e porta corrediça (30 anos depois da alemã) vinham na Kombi 1997; no ano seguinte o motor ganhava injeção

 

Só em 1997 a Kombi recebia boas novidades: teto elevado em 11 cm, ampla porta lateral corrediça (30 anos depois da alemã!), janelas corrediças e maiores, entrada de ar para o motor atrás das janelas traseiras. Tanto a porta do motor quanto a de carga estavam maiores. De resto, retrovisores externos maiores e para-choques na cor do veículo. Por dentro não havia mais a divisão estrutural entre bancos dianteiros e a parte de trás, razão pela qual o estepe ia para o compartimento de bagagem.

 

 

A versão Carat, mais luxuosa, tinha carpete no assoalho, revestimento das portas em vinil, bancos dianteiros separados e apoios de cabeça para todos os ocupantes. O volante de dois raios era espumado e, para completar o “requinte”, vidros verdes e para-brisa degradê. Na avaliação da Autoesporte, “a porta corrediça garante ótimo acesso ao interior. Novos bancos e janelas deslizantes trazem melhor nível de conforto. As modificações tornaram mais prática e confortável a utilização da Kombi. Porém, continua necessitando de um motor mais moderno e potente. O utilitário, após 40 anos de produção, parece imune ao tempo e à evolução da tecnologia”.

No ano-modelo seguinte o motor recebia injeção eletrônica multiponto e catalisador para atender a novas normas de emissões poluentes — foi o único VW “a ar” com injeção no Brasil, embora lá fora tenham existido o Tipo 4 e o Sedã mexicano. Os pneus radiais 185 R 14 melhoravam um pouco a estabilidade. Apesar das melhorias, continuou sendo comprada mesmo pela robustez e manutenção simples e barata: o que viesse a mais era lucro.

 

Normas de ruídos exigiram que a Kombi passasse ao motor “a água”, de 1,4 litro e até 80 cv, com benefícios ao consumo; no interior, outros instrumentos

 

Do ar para a água, enfim

Depois de 48 anos, um novo ruído — ou a ausência dele — surpreendia os presentes quando a Kombi 2006 se aproximava. No lugar do motor boxer arrefecido a ar estava, afinal, um de quatro cilindros em linha refrigerado a líquido, o EA-111 de 1,4 litro e flexível em combustível da mesma família dos 1,0 e 1,6 de Fox e Polo. Inédita no Brasil, a unidade era usada no Fox exportado para a Europa.

A alteração não foi por desejo da VW, mas por força de legislação: não havia como atender aos novos limites de ruído com o motor “a ar”. O fato é que, além de mais silencioso, trazia ganhos consistentes em desempenho e economia. A potência de 78 cv com gasolina e 80 cv com álcool representava mais 34% e 19%, na ordem, que os antigos 58 e 67 cv. O torque aumentava com gasolina (de 11,3 para 12,5 m.kgf), mas se mantinha em 12,7 m.kgf com álcool.

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Os conceitos

Assim como o Fusca foi reinterpretado em duas gerações (o New Beetle e o atual Beetle ou Fusca), a Volkswagen por quatro vezes sugeriu trazer de volta o charme da Kombi original por meio de carros-conceito.

A Microbus, do Salão de Detroit de 2001, inspirava-se na T1 com a frente arredondada associada a elementos atuais como grandes rodas, portas corrediças e faróis de xenônio. O interior de seis lugares oferecia cinco telas de vídeo. Embora muito se tenha especulado a respeito, não chegou à produção.

 

Outra proposta aparecia em 2011 no Salão de Genebra. A Bulli, apelido alemão do modelo, reinterpretava o estilo da Microbus com capô saliente e portas convencionais. Além da pintura “saia e blusa”, o banco inteiriço, o volante e o painel inspiravam-se nas Kombis de outros tempos, mas o motor era elétrico de 115 cv.

 

Na CES (Consumer Electronics Show) de 2016 era a vez da Budd-e. Mais parecida com uma sala de estar, a cabine tinha bancos dianteiros giratórios, tela de 34 polegadas para entretenimento e volante nostálgico com comandos táteis que admitiam gestos. Conectado à internet, o carro abria a porta de casa. Havia um motor elétrico para cada eixo, com 306 cv em operação combinada, e a autonomia média era de 530 km. O conceito foi mostrado também em São Paulo em 2016.

 

Enfim, no Salão de Detroit de 2017 apareceu a ID Buzz, com um motor elétrico na frente e outro atrás para 369 cv combinados. A VW anunciava autonomia de 435 km, aceleração de 0 a 96 km/h em 5 segundos e várias configurações internas, de seis lugares convencionais a uma sala de estar com mesa central. Acionada a condução autônoma, o volante embutia-se no painel.

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Com a Série Prata, de 200 unidades, a VW fazia a despedida do motor boxer “a ar” no último modelo que o usou no mundo

 

A nova Kombi acelerava de 0 a 100 km/h em 16,6 segundos com gasolina, 9,5 s mais rápido que a antiga. O consumo baixava, em média, 24% com álcool e 31% com gasolina. A caixa permanecia com quatro marchas pelo pouco espaço disponível, mas a relação de direção estava mais baixa (rápida). Na frente havia um radiador, como na antiga versão a diesel, embora mais integrado ao estilo. O painel agrupava os instrumentos em um único elemento.

 

Apesar do preço bem salgado, a procura pela Last Edition foi grande: colecionadores do exterior queriam ter o último VW do mundo entre os nascidos com motor “a ar”

 

Como a Kombi brasileira era o último VW “a ar” no mundo, foi lançada a edição especial de despedida Série Prata, de 200 unidades, com pintura prata metálica, vidros verdes e acabamento próprio. Dirigida pelo Best Cars, a Kombi “a água” convenceu: “O ruído interno teve redução de 4 a 5 dB, segundo a VW, o que resulta em maior conforto para os usuários. Ao rodar com ambas as versões a diferença foi gritante. O ruído da nova é bem menor e mais agradável. Ressalva: a relação de direção tornou-a mais pesada, o que já era crítico na anterior com veículo carregado”.

 

Pintura “saia e blusa” e bancos de tecido: com a série 50 anos, em 2007, a VW comemorava meio século da Kombi brasileira

 

O cinquentenário da Kombi brasileira era celebrado com a edição 50 Anos em 2007. Com pintura “saia e blusa”, branca em cima e vermelha embaixo, recebia bancos de tecido em dois tons, plaqueta no painel e adesivos nas portas e na tampa traseira. E foi só: dali em diante, nada mais foi melhorado no modelo nacional, que se mantinha na geração alemã de 1967, amparada em uma sólida demanda. Mesmo assim, sua continuidade viu-se ameaçada.

 

 

Depois das normas de emissões e de ruído, outra legislação — de segurança — veio tirar a fábrica do sossego. De 2014 em diante, o Contran (Conselho Nacional de Trânsito) exigiria de todo veículo freios antitravamento (ABS) e bolsas infláveis frontais: como aplicar tais bolsas a um utilitário em que o motorista está logo atrás do para-choque?

A VW então anunciou em 2013 o fim da Kombi com a edição final Last Edition de 600 unidades, com clara inspiração nostálgica: pintura “saia e blusa” em branco e azul claro, pneus com faixa branca, cortinas nas janelas com o nome bordado, bancos de vinil em dois tons. No painel vinha uma plaqueta numerada e o comprador ganhava um certificado de autenticidade. Apesar do preço bem salgado (R$ 85 mil), a procura foi grande, até mesmo porque colecionadores do exterior queriam ter o último VW do mundo entre os nascidos com motor “a ar”, e a série foi duplicada para 1.200 exemplares.

 

Depois de muita discussão sobre as normas de segurança, a Last Edition de 2013 foi mesmo a última Kombi: encerrava-se um ciclo de 56 anos

 

Mas a Kombi não se foi tão facilmente. A título de preservar empregos, o sindicato de metalúrgicos do ABC paulista pleiteou ao governo federal que adiasse o vigor da lei. Chegou a ser anunciada concessão para que 30% dos carros saíssem sem bolsas infláveis em 2014, chegando à obrigatoriedade plena apenas em 2016. A imprensa pressionou e o governo voltou atrás, mas insistiu em uma exceção para a Kombi, ideia enterrada em definitivo pelo Contran. Assim, a Last foi mesmo a última série.

Foram 56 anos de produção no Brasil em apenas duas gerações, quase o dobro dos 29 anos que ambas representaram na fabricação alemã. Talvez mais que em qualquer mercado, aqui a Kombi obteve hegemonia: não havia concorrente direta para grande parte das aplicações, o que contribuiu para tamanha longevidade.

Mais Carros do Passado

 

Ficha técnica: Europa

T1 Transporter 1,1 (1952) T3 Caravelle Syncro 2,1 (1986) T4 Multivan VR6 2,8 (2000) T6 Multivan 2,0 TSI (2017)
Motor
Posição e cilindros longitudinal traseiro, 4 contrapostos transversal dianteiro, 6 em V transversal dianteiro, 4 em linha
Comando e válv./cil. no bloco, 2 duplo no cabeçote, 4
Diâmetro e curso 75 x 64 mm 94 x 76 mm 81 x 90,3 mm 82,5 x 92,8 mm
Cilindrada 1.131 cm³ 2.109 cm³ 2.792 cm³ 1.984 cm³
Taxa de compressão 5,8:1 10,5:1 10,5:1 9,6:1
Potência máxima 25 cv a 3.300 rpm 112 cv a 4.800 rpm 204 cv a 6.200 rpm 204 cv a 6.000 rpm
Torque máximo 6,8 m.kgf 17,7 m.kgf a 2.800 rpm 25 m.kgf a 2.500 rpm 35,7 m.kgf a 1.500 rpm
Alimentação carburador de corpo simples injeção multiponto injeção direta, turbo, resfriador de ar
Transmissão
Tipo e marchas manual, 4 manual, 5 ou automática, 3 automática, 4 automatizada de dupla embreagem, 7
Tração traseira integral dianteira
Freios
Dianteiros a tambor a disco a disco ventilado
Traseiros a tambor a disco
Antitravamento (ABS) não sim
Suspensão
Dianteira ind., braço arrastado ind., braços sobrepostos independente, McPherson
Traseira ind., semieixos oscilantes independente, braço semiarrastado
Rodas
Pneus 5,50-16 205/70 R 14 215/60 R 16 235/55 R 17
Dimensões
Comprimento 4,14 m 4,57 m 4,71 m 4,90 m
Entre-eixos 2,40 m 2,46 m 2,92 m 3,00 m
Peso 1.060 kg 1.720 kg 2.132 kg 2.053 kg
Desempenho
Velocidade máxima 80 km/h 140 km/h 189 km/h 202 km/h
Acel. 0 a 100 km/h ND 17 s 13,6 s 8,4 s
Dados de desempenho aproximados; ND = não disponível

 

Ficha técnica: Brasil

Kombi 1,2 (1961) Kombi 1,6 (1976) Kombi 1,6 diesel (1983) Kombi 1,4 (2006)
Motor
Posição e cilindros longitudinal traseiro, 4 contrapostos longitudinal traseiro, 4 em linha
Comando e válv./cil. no bloco, 2 no cabeçote, 2
Diâmetro e curso 77 x 64 mm 85,5 x 69 mm 76,5 x 86,4 mm 76,5 x 75,6 mm
Cilindrada 1.192 cm³ 1.584 cm³ 1.588 cm³ 1.390 cm³
Taxa de compressão 6,6:1 7,2:1 23:1 11:1
Potência máxima 30 cv a 3.400 rpm 52 cv a 4.200 rpm 50 cv a 4.500 rpm 78 cv (gas.)/80 cv (álc.) a 4.800 rpm
Torque máximo 7,7 m.kgf a 2.000 rpm 11,2 m.kgf a 2.600 rpm 9,5 m.kgf a 3.000 rpm 12,5 m.kgf (gas.)/12,7 m.kgf (álc.) a 3.500 rpm
Alimentação carburador de corpo simples bomba injetora injeção multiponto sequencial
Transmissão
Tipo e marchas manual, 4
Tração traseira
Freios
Dianteiros a tambor a disco
Traseiros a tambor
Antitravamento (ABS) não
Suspensão
Dianteira independente, braço arrastado
Traseira semieixo oscilante braço semiarrastado
Rodas
Pneus 6,40-15 7,35-14 185/80 R 14
Dimensões
Comprimento 4,28 m 4,39 m 4,43 m 4,51 m
Entre-eixos 2,40 m
Peso 970 kg 1.000 kg 1.180 kg 1.297 kg
Desempenho
Velocidade máxima 90 km/h 115 km/h 115 km/h 130 km/h
Acel. 0 a 80 km/h 25 s 17 s 17 s ND
Dados de desempenho aproximados; ND = não disponível

 

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