O Ford Modelo T, que deu rodas ao mundo; foram produzidos mais de 15 milhões
deles em 19 anos — muitos em cor preta, por ser a tinta de secagem mais rápida
O T trazia inovações como o volante no lado esquerdo, o que foi logo copiado por todas as companhias. O motor e o câmbio eram fechados, com os quatro cilindros fundidos em um bloco sólido e o cabeçote separado; o combustível podia ser tanto gasolina quanto álcool. A suspensão usava duas molas semielípticas e o carro era alto o suficiente para rodar em áreas rurais. A transmissão planetária era acionada por três pedais e existiam dois sistemas de freios, um na transmissão e um nas rodas traseiras. O acelerador era por uma barra atrás do volante; a carroceria usava aço vanádio em sua construção.
O carro era simples de dirigir e, o mais importante, sua manutenção era barata. As peças eram então construídas na fábrica dos irmãos Dodge em Leasing. O preço no lançamento era de US$ 825 (o equivalente a cerca de R$ 21.500 hoje), mas caía todo ano e, em 15 anos, havia descido a US$ 260. Ford criou um sólido sistema de publicidade em Detroit para garantir que cada jornal transmitisse notícias e anúncios sobre o novo produto. As vendas subiram rápido — vários anos tiveram 100% de aumento em relação ao ano anterior.
Ford mais do que duplicou o salário da maioria dos funcionários; com isso, no lugar da constante rotatividade, atraiu e manteve os melhores mecânicos e reduziu os custos
Até então, os fabricantes de carros tinham que pagar royalties para o dono da patente norte-americana de automóvel, um advogado de nome Selden. Ford então construiu um veículo com as mesmas especificações do feito por Etienne Lenoir, em 1862, e o apresentou para refutar a patente de Selden. Assim venceu a ação movida contra este em 1911, liberando os fabricantes do pagamento de direitos de patente. Acreditando na expansão global da companhia, abriu uma unidade de montagem no Reino Unido em 1911 e, assim como no Canadá, logo se tornou o maior produtor de automóveis daquele país.
Com o objetivo de baratear ainda mais o Modelo T, Ford construiu a fábrica de Highland Park com alta integração vertical, ou seja, quase tudo era feito na própria unidade. Lá Henry planejava a produção em massa com a linha de montagem, o que começou em 1913. Pela primeira vez, as máquinas ficavam na sequência de produção, não por tipo de equipamento. Foi ajudado também por Walter Flanders no processo de melhorias na eficiência produtiva, assim como no projeto das máquinas-ferramenta.
Da esquerda para a direita, a linha de montagem do Modelo T, inaugurada
em 1913; o carro no Egito e a unidade de número cinco milhões do modelo
Diz-se que a ideia da linha de montagem partiu de uma visita de Henry a um abatedouro, mas ele inverteu o processo produtivo: enquanto no abatedouro existe uma linha de desmontagem, na qual em cada estação de trabalho é retirado um pedaço do animal, na indústria em cada estação é acrescentada uma peça ao veículo, com a ajuda de esteiras de movimentação. No mesmo ano, Ford tentou colocar um Modelo T na corrida 500 Milhas de Indianápolis, mas as regras exigiam a adição de 450 kg ao carro. Ele desistiu da prova e, logo depois, deixou as competições em definitivo.
Cinco dólares ao dia
Henry Ford foi um pioneiro do capitalismo do bem-estar social, ao melhorar a situação de seus trabalhadores. Em 5 de janeiro de 1914, passou a oferecer o pagamento de US$ 5 por dia, o que mais do que duplicou o salário da maioria dos funcionários. O ato foi muito rentável: no lugar da constante rotatividade de empregados, que necessitava contratar três homens por ano por posto de trabalho, a Ford atraiu e manteve os melhores mecânicos de Detroit, aumentou sua produtividade e reduziu os custos de treinamento. Henry chamou isso de “salário de motivação”. Também reduziu a duração do dia de trabalho de 9 para 8 horas.
Outra inovação para o período foi a repartição de uma parte do controle acionário para funcionários com seis meses ou mais de empresa e que seguissem as condutas do Departamento Social, cujos 50 investigadores verificavam casos de excesso de bebida, jogatina e fumo — o próprio Henry escreveu um livro sobre os perigos de fumar. O dia de U$ 5 o fez impopular entre alguns empresários e, recebendo ameaças de assassinato, passou a andar com seguranças.
Com os aperfeiçoamentos produtivos, o tempo de produção do Modelo T, que de início era de 12 horas e meia, passava a só 93 minutos. Para diminuir o tempo de fabricação, o carro passou a ser disponível só na cor que permitia secagem mais rápida — preto. A secagem dava-se em uma sala com o auxílio de jatos de ar quente. Seus oponentes ironizavam que, segundo Henry, “o comprador de um Modelo T pode ter o carro na cor que desejar, desde que seja preto”. Não importava: as vendas ultrapassaram 250.000 unidades em 1914 e a Ford passou a oferecer, se as vendas superassem 300.000 unidades anuais, um reembolso aos compradores — o que acabou acontecendo.
A fábrica do Modelo T em Piquette Avenue, até 1910; a produção em Highland
Park, em 1926, e Henry no T de 15 milhões, com o filho Edsel ao volante
Ford era um pacifista contra a guerra. Em 1915, um ano depois do início da Primeira Guerra Mundial, Rosika Schwimmer obteve a ajuda de Henry para financiar uma viagem de navio para a Europa para 170 proeminentes líderes pacifistas, uma espécie de missão de paz. Ele dizia: “O dinheiro é a coisa mais inútil do mundo; não estou interessado nele, mas sim no que posso fazer pelo mundo com ele”. Ford conversou com o presidente norte-americano Woodrow Wilson sobre a missão, mas não obteve apoio. Seu grupo partiu rumo à neutra Suécia e à Holanda para se encontrar com ativistas da paz nesse último país. Ridicularizado, teve que deixar o navio logo na Suécia.
Apesar da posição de Henry, a fábrica Ford no Reino Unido, produtora de carros, tratores e motores de avião, com a guerra passou a produzir o motor Liberty para aviões militares e barcos antissubmarino. Henry também criou a primeira linha de montagem para caminhões, lançando o TT (T Truck) em 1917.
No ano seguinte, o presidente Wilson pediu a Ford para que se candidatasse ao Senado como um democrata. Ele concorreu como um pacifista apoiador da proposta Liga das Nações. Em dezembro, transferia a presidência da Ford Motor Company para seu filho Edsel, embora retendo a autoridade de decisão final. Henry fundou outra empresa, Henry Ford and Son, levando para ela os melhores funcionários. O objetivo era assustar os demais acionistas da Ford Motor Company para que vendessem suas ações. Deu certo, e Henry e Edsel compraram todas as ações restantes de outros investidores, trazendo à família exclusivo domínio sobre a companhia.
Em 1919 o Modelo T passava a vir com partida elétrica. Três anos depois a produção superava dois milhões de unidades anuais. Em 1924, a fábrica de Highland Park era aberta para turistas. Mais dois anos e, com o aperfeiçoamento dos compostos de pintura, o carro ganhava outras cores. Defendido por Henry, o T foi mantido em produção até 26 de maio de 1927, quando completou 15.007.034 unidades nos EUA 19 anos (15.484.781 no total mundial). O recorde permaneceu por 45 anos até que o Volkswagen o quebrasse, em 1972, depois de 29 anos de produção. O T seria eleito décadas mais tarde o Carro do Século.
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