O sucessor do 190, lançado há 20 anos, seguiu comprovando
que os valores da marca podem ser aplicados a um sedã menor
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Mais conhecida por seus automóveis de grande porte, a Mercedes-Benz fez um bem-sucedido retorno ao segmento de carros médios ao lançar, em 1982, a série 190. O concorrente direto ao BMW Série 3 — então na geração E30 — conquistou para a tradicional marca da estrela de três pontas um novo perfil de cliente, mais jovem e interessado em dinamismo e esportividade. Nada mais natural, diante desse êxito, que a Mercedes passar ao projeto de seu sucessor.
Embora os estudos tenham começado já em 1986, só sete anos mais tarde — e mais de 10 após o lançamento do 190, que teve um ciclo de produção extenso mesmo para um Mercedes — era apresentado o resultado do projeto: o Classe C. A mudança de denominação era justificada: naquele ano, 1993, a fábrica passava a identificar seus modelos com letras antes de algarismos (E320 ou SL 500, por exemplo), alterando o padrão já histórico de números precedendo uma ou mais letras (320 E, 500 SL). Tais letras agora designavam a série, ou classe, que no caso do modelo de entrada da empresa era agora a C.
Típico da marca e sem qualquer surpresa, o desenho do Classe C parecia uma evolução
do 190; a grade era tradicional e as lanternas alcançavam o topo dos para-lamas
Colocado em produção em maio, o Classe C de primeira geração (código de projeto W202, seguindo-se ao 190 ou W201) foi desenhado pelo francês Olivier Boulay, também autor do Classe S de 1991 e mais tarde do superluxuoso Maybach 57/62. Seu estilo sóbrio e equilibrado seguia as linhas básicas do 190, agora um pouco mais arredondadas e suaves. Havia um mínimo de vincos e adornos, mas a clássica grade com a estrela espetada acima não poderia faltar. As lanternas traseiras que chegavam ao topo da tampa do porta-malas eram um detalhe peculiar. A tradição predominava também no interior, como no grande volante de quatro raios com bolsa inflável, os apliques de madeira no painel, a disposição dos instrumentos e o freio de estacionamento acionado por pedal à esquerda.
O C230 Kompressor era a plena aplicação do princípio de redução de cilindrada tão em voga hoje, pois obtinha desempenho similar ao do C280
Embora respeitasse a arquitetura clássica da marca — motor longitudinal, tração traseira —, o Classe C trazia modernidade sob o capô: era o primeiro Mercedes disponível apenas com motores de quatro válvulas por cilindro. A nova linha de quatro cilindros contava com as versões C180 (de 1,8 litro e potência de 122 cv), C200 (2,0 litros e 136 cv) e C220 (2,2 litros e 148 cv). O topo de linha C280 trazia um seis-cilindros em linha de 2,8 litros, 24 válvulas e 193 cv. Na linha a diesel, as opções eram o C200 Diesel (2,0 litros e 75 cv), o C220 Diesel (2,2 litros e 95 cv) e o C250 Diesel (cinco cilindros, 2,5 litros e 113 cv), sendo os dois últimos pioneiros no uso de quatro válvulas por cilindro nesse tipo de motor.
O câmbio manual tinha cinco marchas, e o automático opcional, quatro. A suspensão independente nas quatro rodas usava braços sobrepostos na dianteira e o conceito multibraço na traseira, já visto no 190; os freios a disco vinham de série com sistema antitravamento (ABS). Um item em desacordo com a concepção moderna era a pesada caixa de direção por esferas recirculantes, que a Mercedes julgava a melhor opção para absorver impactos e não os transmitir ao volante ao rodar por pisos desnivelados.
No interior, bom acabamento e conforto com linhas sóbrias; o volante trazia bolsa
inflável de série e o freio de estacionamento era acionado por pedal à esquerda
Na avaliação da revista norte-americana Consumer Guide, o Classe C dessa geração tinha “motores de quatro e seis cilindros silenciosos e refinados, mesmo quando exigidos a fundo, mas com lenta aceleração a partir da imobilidade. A caixa automática reduz marchas prontamente para ultrapassagens. A resposta de direção é excelente e o comportamento equilibrado. Os controles vêm bem posicionados e o motorista tem uma posição confortável. Embora mais espaçoso que seu predecessor 190, o Classe C não é exatamente amplo por dentro”.
Dois anos após o lançamento, o Classe C ganhava em setembro de 1995 novas opções de motores. Surgia o 2,3-litros com compressor do tipo Roots, 193 cv e torque de 28,5 m.kgf, que marcava o primeiro emprego desse equipamento em meio século em um Mercedes de produção. O C230 Kompressor — grafia alemã — era a plena aplicação do princípio de redução de cilindrada (downsizing) tão em voga hoje, pois a unidade de quatro cilindros obtinha desempenho similar ao do 2,8-litros de seis cilindros. Para mercados como Itália e Portugal, que tributavam de forma severa os motores acima de 2.000 cm³, foi desenvolvido o C200 Kompressor de 2,0 litros e 180 cv.
Outra novidade era o C250 TD, com o motor 2,5 a diesel agora dotado de turbocompressor, 110 cv e 28,5 m.kgf. A Mercedes foi o primeiro fabricante de automóveis a diesel, com o 260 D de 1936, e não demorou a conquistar uma legião de admiradores — sobretudo entre taxistas — com seus motores robustos, econômicos e mais suaves que os similares de outras marcas. A versão mais potente vinha aumentar o leque de opções para esse público. A bolsa inflável do passageiro dianteiro e um controle eletrônico de tração, opcional, completavam as alterações.
Primeira versão “oficial” da preparadora AMG, o C36 associava motor de 280 cv,
freios de SL 600 e suspensão mais firme; câmbio automático era o único oferecido
Para os entusiastas por desempenho, porém, a melhor novidade atendia pelo nome C36 AMG. Depois de anos sem sucessor para o 190E 2.3-16, a Mercedes revelava um sedã esportivo à altura do BMW M3 da geração E36. O motor de seis cilindros em linha era ampliado para 3,6 litros e, com preparação para maior rendimento, oferecia 280 cv e 39,3 m.kgf. Apesar da proposta, um câmbio automático de cinco marchas era o único oferecido. O pacote de modificações incluía suspensão mais firme, altura de rodagem 25 mm menor, direção mais rápida, rodas de 17 polegadas com pneus 245/40 na traseira e os freios a disco ventilado cedidos pelo conversível SL 600 V12.
O C36 era o primeiro trabalho da AMG depois que a empresa de preparação firmou um contrato de parceria com a Mercedes, em 1990. Fundada em 1967 como AMG Motorenbau und Entwicklungsgesellschaft mbH (desenvolvimento e produção de motores AMG limitada), a firma foi denominada com as iniciais dos sobrenomes dos fundadores, os ex-engenheiros da Mercedes Hans Werner Aufrecht e Erhard Melcher, e a da cidade de Großaspach, onde Aufect nascera. Desde 1976 estava instalada em Affalterbach, onde permanece até hoje. A fábrica alemã assumiria o controle acionário da preparadora em 1999.
Nos EUA, a revista Motor Trend colocou o C36 AMG frente a frente com o BMW M3. Este acelerou de 0 a 96 km/h mais rápido, em 5,5 ante 5,9 segundos, em grande parte por ter câmbio manual e não automático. “O C36 brilha mais quando o motorista afunda o acelerador enquanto trafega a 110 km/h; assim que a caixa faz uma redução, a aceleração até 130 km/h é de tirar o fôlego. Em comportamento, o M3 tem clara vantagem, mas o C36 não decepciona: sua velocidade no slalom [desvios entre cones] é maior que a de alguns Porsches 911 testados, e sua suspensão não é tão áspera no uso normal”, comparou a revista, que concluiu com o BMW em primeiro lugar também pelo menor preço.
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Nas pistas
O Classe C não demorou a ingressar — e com êxito — em competições: na temporada de 1994 do DTM, o Campeonato Alemão de Carros de Turismo, a Mercedes colocava o sedã para correr e já ganhava o campeonato com Klaus Ludwig. Apesar da aparência próxima ao do modelo de rua, o carro das pistas usava um motor V6 de 400 cv, desenvolvido a partir do V8 de 4,2 litros do Classe S, anos antes que o Classe C de série recebesse um V6.
Na temporada seguinte, no qual o carro do DTM trazia novidades como aumento em 300% da resistência da estrutura e mais 40 cv no motor, Bernd Schneider era o campeão com o Mercedes. O piloto levava o título com o Classe C também no ITC, Campeonato Internacional de Carros de Turismo. Em 1996 o DTM era suspenso e a fábrica concentrava esforços no ITC, onde usava um V6 de 2,5 litros e 500 cv capaz de levar o carro até 320 km/h, mas o título do ano ficava para a Opel.
O DTM voltava a receber a atenção da Mercedes em 2004, com o Classe C já na segunda geração para substituir o grande vencedor CLK, com o qual a marca havia faturado os campeonatos de 2000, 2001 e 2003. Os carros pareciam os de rua, mas usavam chassi e mecânica específicos. O motor V8 de 4,0 litros e 476 cv do CLK foi mantido no novo carro, com o qual Gary Paffett ganhava o campeonato de 2005, e Bernd Schneider, o de 2006. Uma conquista muito especial vinha em 2010, quando Paul di Resta era o campeão, seguido por Gary Paffett e Bruno Spengler, também da Mercedes. Em 2012 estreava o Classe C Coupe em uma nova fase do DTM.
No Brasil, começava em 2011 o Mercedes-Benz Grand Challenge, campeonato de turismo com modelos C250 modificados. O motor desenvolve 220 cv, pouco mais que no carro de rua, para um peso aliviado a 1.350 kg. O calendário de 2013 tem oito provas no Paraná, em São Paulo e no Rio Grande do Sul.
O Classe C também pode ser visto nas pistas em outra atividade — como carro do corpo médico. A perua C63 AMG ocupou essa função na Fórmula 1 de 2008 em diante, seguindo o caminho de outras versões AMG: o sedã C36 começou em 1996, uma rara C55 Estate de primeira geração em 1998, a C32 Estate em 2001 e a C55 Estate do segundo modelo em 2004.
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