Apesar da arquitetura mecânica de utilitário, a resposta do oval
azul à Dodge Caravan agradou pelas soluções internas e vendeu bem
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
O segmento de minivans pode ser considerado, mundo afora, um dos destaques da década de 1980. No Japão (com a Nissan Prairie, em 1982), nos Estados Unidos (com a dupla Dodge Caravan/Plymouth Voyager, de 1983) e na Europa (com a Renault Espace, em 1984), fabricantes conseguiram oferecer mais espaço e versatilidade em carros não tão grandes, usando como fórmula o aproveitamento do espaço vertical: carrocerias mais altas, ocupantes mais eretos, cabines mais avançadas.
Nos bastidores da Ford norte-americana esse conceito não era novidade: no começo dos anos 70, quando o presidente da empresa era Lee Iacocca, o projeto Carousel previa uma van (furgão) mais compacta e baixa que a conhecida Econoline, que pudesse ser guardada em garagens com a altura-padrão de porta de 2,10 metros. Foi escolhida a posição dianteira do motor, que trazia mais segurança — e sobretudo sua sensação — em colisões frontais, mas com tração traseira, pois a marca ainda não tinha uma plataforma com tração dianteira.
Mesmo sem a moderna frente e as portas sem maçanetas do conceito (à
esquerda), a Aerostar de produção era atual e mostrava boa aerodinâmica
A Carousel foi engavetada, mas Iacocca não desistiu de sua minivan — e transformou o conceito em um enorme sucesso da Chrysler. Só nos anos 80, com a Caravan já em desenvolvimento, a Ford voltou a estudar um veículo nesses moldes. Revelada como carro-conceito em 1984, a Aerostar chegava ao mercado em julho do ano seguinte. Embora perdesse a frente mais moderna do estudo e recebesse maçanetas à mostra, suas linhas eram contemporâneas, com uma linha reta do capô ao para-brisa que favorecia a aerodinâmica — o Cx 0,37 era muito bom diante do 0,43 das similares da Chrysler.
A Ford optou pela clássica arquitetura de
carroceria sobre chassi com tração traseira, o
que permitia elevada capacidade de tração
O prefixo “míni”, claro, considera o contexto norte-americano, pois o novo carro media 3,02 metros de distância entre eixos, 1,82 m de largura e 1,83 m de altura; o comprimento, porém, era moderado com 4,44 m. O lado esquerdo tinha apenas a porta do motorista, enquanto no direito havia também uma corrediça para acesso dos passageiros. A configuração de bancos, com dois lugares à frente, dois no centro e três no banco traseiro, era a mesma das concorrentes da Chrysler. A segunda fila tanto podia ter um banco inteiriço quanto dois individuais e, conforme o ajuste de posição, a segunda e a terceira filas formavam uma cama.
Estavam no catálogo as versões XL e XLT, esta superior, com opção por itens como controle elétrico de vidros e travas, computador de bordo e sistema de áudio com ajustes para os ocupantes da última fila e entradas para fones de ouvido. Além da Aerostar Wagon, para passageiros, a Ford oferecia a versão Van ou furgão de carga, sem bancos e janelas da coluna central para trás e que podia ter duas portas traseiras abertas para os lados, em vez da única aberta para cima.
O interior levava sete pessoas em três filas de bancos e havia comodidades,
como áudio com ajuste pelos passageiros de trás e porta corrediça
O motor básico da minivan era o quatro-cilindros de 2,3 litros usado por diversos Fords na época, até o Mustang, com comando de válvulas no cabeçote e potência de 100 cv. Como opção havia o Cologne V6 de 2,8 litros com comando no bloco, 115 cv e torque de 19,6 m.kgf, de origem alemã. Um turbodiesel de quatro cilindros, anunciado durante a fase conceitual, não se concretizou. Os câmbios disponíveis eram manual de cinco marchas e automático de quatro, sempre com alavanca no assoalho.
Ao contrário da Chrysler, a Ford optou pela clássica arquitetura de carroceria sobre chassi com tração traseira, o que permitia elevada capacidade de tração de reboque: 2.300 kg, ante apenas 900 kg dos modelos da concorrente, de estrutura monobloco e tração dianteira. Embora tenha recebido um chassi inédito, a Aerostar aproveitava diversos componentes mecânicos da picape leve Ranger, de 1983.
A suspensão dianteira era independente por braços sobrepostos e a traseira usava eixo rígido, mas com molas helicoidais em vez dos feixes de molas semielípticos da Ranger. Os pneus tinham a medida 195/75 R 14. Para compensar o pesado chassi, a Ford adotou medidas de redução de peso como uso de alumínio no cardã e nas rodas e de plástico no tanque de combustível, no capô, na tampa traseira e nos para-choques. Com isso, a Aerostar mais simples pesava apenas 1.275 kg, contra 1.325 kg da Caravan/Voyager e 1.395 kg de outra adversária, a Chevrolet Astro.
A publicidade destacava sua versatilidade de uso; motores de 2,3 e 2,8 litros
eram oferecidos de início; na versão Van (direita), amplo espaço de carga
Seus atributos convenceram a revista Popular Mechanics, que a colocou entre as melhores em um comparativo de seis minivans: “O interior da Aerostar é diferente de tudo o que você já viu: bancos extremamente felpudos, painel mais elaborado que o de um Lincoln Town Car, comandos ao estilo europeu. A Ford claramente mirou no comprador de carros de luxo importados. É o modelo mais confortável e silencioso deste grupo, europeu em estilo e avançado em eletrônica. Se você pensa em comprar uma Toyota Van ou Astro, faça-se um favor e dirija antes a Chrysler ou a Ford”.
A Popular Science comparou a Aerostar XL à Astro CL (ambas V6), à Voyager LE e à Toyota Van LE. O modelo da Ford foi elogiado pela aceleração e o espaço interno e recebeu boa avaliação em freios, estabilidade e consumo, sendo criticado pelo nível de ruído e o conforto da suspensão. A conclusão foi favorável ao da Chrysler: “É a melhor escolha neste campo. Até que Ford e GM venham com minivans de tração dianteira, a Chrysler não tem similar. Seu conforto de sedã, eficiência em combustível, excelente comportamento e capacidade interna são o que existe de mágico das minivans”.
A Aerostar voltou a ser um conceito em 1987, mas para apresentação no Salão de Frankfurt. O estúdio italiano Ghia, de propriedade da Ford, preparou a versão HFX (High Feature Experimental), cujo estilo parecia prever uma segunda geração que não existiria: para-brisa curvo, faróis de perfil baixo, maçanetas embutidas. Por um letreiro eletrônico na traseira enviavam-se mensagens como “não ultrapasse” ao motorista de trás. Mais ousado era o interior, com painel de instrumentos digitais, ar-condicionado automático dotado de purificador de ar, pedais ajustáveis, botões para seleção de marchas e vidros que se tornavam opacos quando se quisesse privacidade. O conceito tinha motor V6 de 3,0 litros, suspensão com molas a ar, controle eletrônico de tração, portas corrediças elétricas e pneus que rodavam mesmo vazios.
Mostrado na Alemanha, o conceito Aerostar HFX de 1987 esbanjava
recursos de conforto e tinha suspensão a ar e pneus capazes de rodar vazios
De tudo isso, apenas o V6 — o Vulcan do sedã Taurus, também de comando no bloco, com 145 cv e 22,8 m.kgf — estava disponível no modelo 1987 de produção, substituindo o 2,8. O quatro-cilindros saía do catálogo no ano-modelo seguinte, quando estreava o acabamento de topo Eddie Bauer, com pintura em dois tons (para-choques e laterais inferiores sempre em areia) e refinado interior. Para 1989 chegava uma versão estendida em 39 centímetros na parte traseira (o entre-eixos original era tão longo que pôde ser mantido), tanto para passageiros quanto para carga, e mudavam grade, rodas e retrovisores.
Um V6 ainda maior, de 4,0 litros, 160 cv e 31,1 m.kgf, tornava-se opção um ano mais tarde, assim como tração integral e freios com sistema antitravamento (ABS) nas rodas traseiras. A tração E-4WD, vinculada a tal motor, trazia diferencial central e repartia o torque de modo automático com as rodas dianteiras ao detectar patinação das traseiras.
A Popular Science voltava a comparar a Aerostar à concorrência em 1990, com Dodge Grand Caravan, Mazda MPV e Nissan Axxess. A Ford mostrou os melhores freios, mas foi a pior nos testes de estabilidade e a terceira em aceleração. “A Aerostar tem um atributo incomparável — o assoalho de carga amplo e plano —, mas o piso elevado torna o acesso à cabine mais difícil. A suspensão, calibrada para um rodar agradável, não atende bem a quem dirige rápido ou transporta cargas pesadas”, observou.
Carroceria mais longa, tração integral e motor V6 de 4,0 litros já constavam
em 1990 (à esquerda); dois anos depois, frente e painel eram renovados
Uma leve reforma visual aparecia na linha 1992, com nova grade e faróis que abandonavam o tipo selado (sealed-beam) exigido por lei no passado. Dentro havia um painel redesenhado e a alavanca de câmbio passava à coluna de direção, bem mais coerente com a prioridade ao espaço que caracteriza as minivans. Avanços em segurança eram bolsa inflável para o motorista e cintos de três pontos para todos os passageiros das laterais. Os motores de 3,0 e 4,0 litros não mudavam.
Um pacote Sport — por mais estranho que isso pareça — era lançado em 1994 com defletor dianteiro, saias laterais integradas a estribos e rodas de alumínio. Para-choques na cor da carroceria vinham no ano seguinte e, em 1996, o câmbio automático se tornava padrão. No ano final de produção, 1997, a Aerostar foi vendida apenas com o V6 de 4,0 litros e não tinha mais a versão Eddie Bauer. A Windstar, lançada dois anos antes seguindo a fórmula mecânica da Chrysler (tração dianteira e monobloco), assumia em definitivo seu lugar.
Embora mais de dois milhões de Aerostars tenham sido vendidas em uma só geração, o que configura inegável sucesso, pode-se dizer que a Ford não aproveitou o período mais favorável às minivans — a década de 1980 — para competir de igual para igual com a Chrysler, que desde então assumiu folgada liderança nessa categoria. Dos anos 90 em diante, o crescimento do mercado de utilitários esporte tomaria cada vez mais o espaço desses práticos veículos para o transporte das famílias.
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