Ford Ecosport, boa ideia brasileira que ganhou o mundo

Primeiro SUV compacto nacional, ele adaptou-se aos novos tempos e assumiu espaço nos planos globais da marca

Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação

 

No começo da década de 2000, a Ford precisava se reinventar no Brasil. Ainda se recuperava da perda de mercado sofrida durante a Autolatina — associação com a Volkswagen vigente entre 1987 e 1995 — e não tinha um produto para competir com minivans compactas, como a Renault Scénic (lançada aqui em 1999) e a Chevrolet Meriva (que sairia em 2002). Com o segmento de peruas em declínio, nem mesmo estava prevista a oferta local da Focus SW.

Por outro lado, havia crescente interesse por modelos com aptidão — ou apenas visual — fora de estrada, segmento que a Fiat criou em 1999 com a Palio Adventure. Na linha europeia, a Ford apresentava em 2002 o Fusion, um derivado do então novo Fiesta, mas pouco maior e com estilo robusto. Durante o projeto daquele modelo, a unidade brasileira desenvolveu uma versão mais adequada ao Brasil: o Ecosport, primeiro utilitário esporte compacto fabricado aqui.

 

A origem do Ecosport está no Fusion europeu, também derivado do Fiesta, mas superior em acabamento e sem a proposta “aventureira” do nacional

 

Revelado no Salão de São Paulo em outubro de 2002, ele chegava ao mercado em fevereiro seguinte, fabricado em Camaçari, Bahia. Como o Fusion, o Ecosport mantinha a plataforma do Fiesta e sua distância entre eixos de 2,49 metros, mas ganhava altura e largura para competir em faixa superior. Se o modelo europeu mantinha as lanternas traseiras elevadas e a quinta porta aberta para cima, o brasileiro inspirou-se no desenho posterior do Escape norte-americano.

 

 

Além disso, aplicou o estepe junto à tampa — para um ar fora de estrada, como na linha Pajero da Mitsubishi e outros SUVs —, o que levou a uma tampa aberta para o lado esquerdo. Manter a tampa convencional exigiria um suporte articulado para o pneu, como no primeiro Kia Sportage. A caracterização como SUV implicou também maior altura de rodagem e pneus maiores que os do Fusion.

Seu interior seguia as formas básicas do europeu, mas com materiais mais simples — simplicidade excessiva, como no Fiesta, o que levou a críticas. Havia soluções criativas: o assento do passageiro da frente podia ser rebatido, para acesso a um porta-objetos, e o painel tinha espaço refrigerado nos carros sem bolsa inflável daquele lado. Bancos de couro (opcionais) e volante ajustável em altura eram inéditos na linha Fiesta. O porta-malas, limitado, levava 296 litros.

 

Na fase inicial o Ecosport oferecia três opções de acabamento e de motores, incluindo o 1,0-litro com compressor; no interior, materiais e montagem decepcionavam

 

A estrutura reforçada oferecia rigidez torcional 49% maior que no Fiesta. Nenhum dos motores era igual aos do europeu, que usava unidades de 1,4 e 1,6 litro a gasolina e a diesel. Aqui foi mantido o Zetec Rocam do Fiesta, em versão de 1,0 litro com compressor (nome comercial Supercharger), potência de 95 cv e torque de 12,6 m.kgf, e na de 1,6 litro com 98 cv e 14,4 m.kgf. O compressor, único até hoje na indústria nacional, talvez não tenha equipado outro SUV compacto no mundo. Inédito em um Ford desse porte era o Duratec de 2,0 litros, o mesmo do Mondeo, com 143 cv e 19,2 m.kgf em sua primeira aplicação local — o Focus só o teria em 2005. Um motor 1,4 turbodiesel era instalado só para exportação.

 

A versão 4WD, de projeto brasileiro, usava a tração integral e a suspensão traseira multibraço do Escape — o segundo sistema do tipo em carro nacional

 

O Best Cars encontrou prós e contras no Ecosport XLT 2,0: “Mesmo com revestimento em couro, o interior transparece sua simplicidade nos materiais plásticos e nas falhas de acabamento. A posição de dirigir é boa, assim como o conforto no banco traseiro. O utilitário move-se com destreza desde baixas rotações, tornando o dirigir agradável no trânsito urbano, mas o motor produz um bocado de ruído e vibração em alta rotação. A suspensão é um ponto alto, com bom comportamento em piso irregular. Nas curvas, respeitado o centro de gravidade mais alto, pode ser dirigido como um automóvel”.

A versão 4WD (Four Wheel Drive, tração nas quatro rodas), de projeto brasileiro, estreava em março de 2004. O sistema de tração integral por acoplamento viscoso acionava as rodas traseiras quando necessário, mas permitia fixar a divisão de torque em 50:50 por um botão no painel; não havia reduzida. A suspensão traseira teve de mudar: em vez do eixo de torção, era a independente multibraço com subchassi do Escape — o segundo sistema do tipo em carro nacional, depois do Chevrolet Vectra 1997-2005. Outras novidades eram estribos laterais, bancos em dois tons e opção de cor amarela.

 

O Ecosport 4WD trazia tração integral, nova suspensão e opção de interior em dois tons; o Freestyle começou como série limitada, mas se tornou versão de linha

 

“Na terra, em situações difíceis, o 4WD se sai bem”, avaliou o Best Cars. “Consegue ir a lugares onde um carro de tração dianteira não chegaria. Percebe-se claramente o momento em que as rodas de trás começam a participar do esforço de tração, de maneira suave. Usar o bloqueio é bem simples. A suspensão absorve bem as irregularidades e os cursos maiores ajudam”.

 

 

O motor 1,6 tornava-se flexível em combustível em junho de 2005, passando a 105 cv e 14,9 m.kgf com gasolina. Com álcool dispunha de 111 cv e 15,8 m.kgf. O Supercharger saía de produção em 2006, quando aparecia a série especial Freestyle. Era derivada da versão XLS 1,6, mas com simulação de quebra-mato, pneus de uso misto, para-choques e outros itens em cinza, novo revestimento de bancos e sistema de áudio atualizado. A Ford anunciava que ela poderia se tornar versão de linha, o que logo aconteceu — até hoje.

Próxima parte

 

Ao lado da nova frente, o Ecosport 2008 mostrava boa evolução em aspecto interno; o motor 2,0 logo seria flexível; em 2011 (última foto), o nome vinha no capô

 

Transmissão automática de quatro marchas para o motor de 2,0 litros (que com ela baixava para 138 cv) era novidade no modelo 2007. Um ano depois o Ecosport recebia nova frente e interior com melhor aspecto. Além de faróis maiores e outras lanternas traseiras, o SUV ganhava painel redesenhado, instrumentos maiores, bancos mais envolventes e opções como computador de bordo e comandos de áudio no volante.

 

 

“O Ecosport evoluiu bastante. O interior agregou tanto pelos equipamentos quanto pela aparência e a qualidade dos materiais. Tem comportamento dinâmico correto e desempenho muito bom com motor 2,0-litros, embora apenas regular com o 1,6”, opinamos. O motor 2,0 passava a ser flexível na linha 2009, que subia para 145 cv e 19,5 m.kgf com álcool, mas perdia 2 cv (para 141) e mantinha os 19,1 m.kgf com gasolina. O modelo 2011 trazia nova grade e logotipo do modelo no capô, inspirado na Land Rover. Só nesse ano ele ganhava um concorrente direto nacional, o Renault Duster. Mais de 700 mil carros dessa linha foram vendidos no Brasil.

 

Da plataforma ao motor 1,6, quase tudo era novo no segundo Ecosport; a versão Titanium (foto maior) assumia o topo de linha e a tração integral logo voltava

 

Projeto global e dupla embreagem

A segunda geração do Ecosport aparecia em 2012 como um projeto global, também fabricado na China, Índia, Romênia, Rússia, Tailândia e no Vietnã — e assumia o lugar do Fusion no mercado europeu. Trazia a nova plataforma do Fiesta, desenho mais moderno e boas novidades como controle eletrônico de estabilidade e tração, direção com assistência elétrica e chave presencial para acesso e partida. As versões eram S, SE, Freestyle e Titanium.

 

Nova frente, interior mais refinado e caixa automática tradicional vinham ao Ecosport 2018 brasileiro, assim como teto solar, monitor de pneus e injeção direta no 2,0-litros

 

O motor de 2,0 litros foi mantido, dessa vez com 141/147 cv e 19/19,7 m.kgf. Já o Rocam 1,6 dava espaço ao mais moderno Sigma, com quatro válvulas por cilindro e bloco de alumínio, apto a 110/115 cv e 15,7/15,9 m.gf. Meses depois vinha a primeira transmissão automatizada de dupla embreagem em um carro nacional: a Powershift de seis marchas, funcional em desempenho e eficiência, mas fonte de problemas em âmbito mundial. De início restrita ao 2,0-litros, tal transmissão podia ser combinada também ao motor 1,5 (nesse caso com 126/131 cv) na linha 2016. O 4WD continuava só com caixa manual.

 

Na linha 2018 vinham nova frente e grande avanço no interior, incluindo bancos e central de áudio; o motor 2,0-litros evoluía e aparecia um novo 1,5 de três cilindros

 

O Ecosport chegava aos Estados Unidos em 2017 com nova frente, interior mais refinado, sistema de áudio com tela de toque de 8 polegadas e caixa automática tradicional no lugar daquela de dupla embreagem. Essas novidades vinham ao modelo 2018 brasileiro, assim como rodas de 17 pol, faróis de xenônio e teto solar, restritos à versão de topo Titanium. Outros itens inéditos eram monitor de pressão de pneus, câmera traseira de manobras, bolsa inflável para os joelhos do motorista e alerta para veículo em ponto cego.

 

 

As versões SE e Freestyle traziam o primeiro motor brasileiro de três cilindros e 1,5 litro, com 130/137 cv e 15,6/16,2 m.kgf, valores expressivos para a cilindrada. O Titanium recebia injeção direta no 2,0-litros, como já usada pelo Focus, para obter 170/176 cv e 20,6/22,5 m.kgf. Pouco depois aparecia a versão SE Direct simplificada, para vendas diretas e público PCD (pessoas com deficiência), e a tração integral voltava com o Ecosport Storm, agora com caixa automática de série. A versão incluía faixas decorativas, grade própria e rodas em tom grafite.

 

O Ecosport Storm combinava tração integral, caixa automática e visual diferenciado; o Titanium 2020 perdia o estepe em favor de pneus que podem rodar vazios

 

O estepe externo havia perdido apelo em outros mercados, o que levou a Ford a oferecer um sistema de reparo de pneu na Europa em 2015. Nesse caso a tampa traseira passava a alojar a placa de licença, mantendo-se aberta para o lado. O modelo norte-americano já surgia com esse formato, que chegava ao Brasil na linha 2020 do Titanium, junto aos primeiros pneus em SUV nacional capazes de rodar mesmo vazios. Pouco depois o Freestyle ganhava opção de teto em preto e vinha a edição 100, alusiva ao centenário da Ford no Brasil, com base no SE. Essa geração já superou 500 mil unidades no País.

Outros mercados tiveram opções diferentes do segundo Ecosport, como motor Ecoboost turbo de 1,0 litro a gasolina (100, 125 ou 140 cv) e turbodiesel de 1,5 litro (100 ou 125 cv) com opção de tração integral. Os europeus dispõem ainda do pacote ST Line, com rodas de 18 pol e visual esportivo. Uma boa ideia brasileira que ganhou o mundo.

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