Com o Road Runner, a Plymouth ofereceu a mais entusiastas a chance de acelerar mais de 300 cv no quarto de milha
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
O conceito norte-americano do muscle car ou “carro musculoso”, como vários outros, não demorou a perder seu sentido original. Quando a Pontiac lançou o GTO (considerado por muitos o pioneiro da categoria, embora outros tenham opinião diversa), em 1964, a proposta era aplicar o maior motor V8 disponível na marca a uma carroceria de carro médio, sem maiores concessões ao refinamento e ao conforto. O objetivo estava claro: obter a melhor aceleração possível na tradicional prova de quarto de milha — de 0 a 402 metros —, que espelhava a situação de arrancar ao lado de um modelo adversário nas ruas, entre um semáforo e outro.
Passados alguns anos, porém, os “musculosos” acumulavam gordura na forma de equipamentos de conforto, que aumentavam seu peso — e seu preço — e os afastavam da proposta primitiva. Isso podia ser notado também na Plymouth, divisão da Chrysler que havia chegado ao mercado em 1928. Seu representante na classe apresentado em 1967, o Belvedere GTX, era um pesado cupê que usava como principal motor o V8 Super Commando 440 de 7,2 litros. Polegadas cúbicas e, sobretudo, dólares estavam acima do patamar que muitos admiradores desse tipo de carro esperavam encontrar.
No começo daquele ano, Joe Sturm, responsável pelo planejamento de produtos da Chrysler, recebia da divisão de vendas a proposta de um novo modelo: um carro com grande motor V8, mas sem banco traseiro, carpetes ou acabamentos supérfluos — um modelo de corrida para uso em rua, que capitalizasse com o êxito da Plymouth nas provas da Nascar, a mais importante categoria de automobilismo dos EUA.
O modelo inicial do Road Runner, em 1968: coluna central, interior simples, dois motores
Sturm discutiu a ideia com Jack Smith e Gordon Cherry, planejadores de produtos da divisão Plymouth, que argumentaram que um carro tão despojado atenderia a uma pequena parcela de consumidores. Por outro lado, um cupê de acabamento mais simples, sem tanto refinamento, e com maior atenção aos aspectos de desempenho poderia ser um sucesso. A equipe então dividiu o mercado potencial em cinco segmentos, dos quais o mais relevante em termos de volume era um grupo interessado em soluções para melhorar o desempenho de seu carro, mas com pouco dinheiro para gastar.
Segundo Sturm, o que fazia falta ao mercado era um carro rápido e acessível. Ao cruzar dados de preço e de aceleração no quarto de milha, ele percebeu que quanto mais se pudesse gastar em um carro, mais rápido se poderia acelerar: “Vários carros acima de US$ 3.300 eram capazes de atingir mais de 100 milhas por hora [161 km/h] no quarto de milha, mas não havia um carro no mercado abaixo desse valor com o mesmo desempenho”. Com tais parâmetros em mente, a Plymouth decidiu fazer um modelo capaz de superar as 100 mph na prova e que custasse menos de US$ 3.000.
Além da denominação, a Plymouth usou a imagem do pássaro veloz do desenho e seu característico “beep-beep”, ou bip-bip — até a buzina do carro produzia um som similar
O resultado chegava às concessionárias já em 1968. Com base na plataforma B da Chrysler, que também servia aos Plymouths Satellite e GTX e aos Dodges Coronet e Charger, foi desenvolvido o Road Runner. O nome vinha do personagem homônimo de desenho animado (no Brasil, Papa-Léguas), criado por Chuck Jones em 1948 para a Looney Tunes, que aparecia sempre com Wile E. Coyote ou simplesmente o Coyote. Além da denominação, a Plymouth usou em sua publicidade a imagem do pássaro veloz do desenho e seu característico “beep-beep”, ou bip-bip — até a buzina do carro produzia um som similar ao do outro Road Runner.
Seu estilo derivado do Belvedere era simples e imponente: frente longa (que parecia ainda mais quando vista de lado por sua forma côncava), quatro faróis circulares ladeando a grade de motivos quadriculares, capô com saídas de ar, cabine compacta e de linhas retas, laterais planas com ondulação nos para-lamas traseiros para sugerir o formato de “garrafa de Coca-Cola”, usual na época, e lanternas que emolduravam uma ampla faixa em cromo fosco na parte posterior com o nome Plymouth. A única versão inicial era um cupê com coluna central, elemento abolido meses mais tarde para um aspecto mais limpo.
Alusão ao pássaro Beep-Beep do desenho animado no nome, na publicidade e até na buzina
No interior, dentro da proposta de esportivo acessível, o Road Runner abria mão de requinte. Os bancos inteiriços (apesar da colocação da alavanca de câmbio manual no assoalho) vinham revestidos em tecido e vinil, não havia console central e até o carpete no piso fora dispensado nos primeiros carros em favor da simples borracha. A fábrica oferecia opções para uma condução mais confortável, mas nada que se comparasse à enorme lista de equipamentos da maior parte dos “musculosos” — apenas itens como direção assistida, ar-condicionado, rádio AM, caixa de câmbio automática e freios dianteiros a disco.
O motor básico era o conhecido Magnum V8 de 383 pol³ (6,3 litros) em versão exclusiva do modelo, que trazia como diferenças o comando de válvulas do Super Commando 440 e taxa de compressão elevada de 10,25:1 para 10,5:1. Alimentado por um carburador de corpo quádruplo da marca Carter, produzia potência de 335 cv, aumento de 5 cv sobre o Magnum original, e torque máximo de 58,8 m.kgf (todos os valores mencionados até 1971 são pelo método bruto de medição); carros com ar-condicionado mantinham os 330 cv, porém. Era o bastante para acelerar de 0 a 96 km/h em 7,5 segundos, passar pelo quarto de milha em 15,4 s e atingir velocidade máxima de 190 km/h.
Os mais exigentes contavam com a alternativa do Hemi V8 de 426 pol³ ou 7,0 litros, um motor com câmaras de combustão hemisféricas desenvolvido para as pistas de corrida, que usava dois carburadores Carter de corpo quádruplo e fornecia 425 cv e 67,7 m.kgf. Com ele, o Road com caixa automática cumpriu o 0-96 em 5,1 segundos e passou pelo quarto de milha a 13,5 s no teste da revista Car and Driver. Esse câmbio, o Chrysler TorqueFlite de três marchas, era uma opção ao manual de quatro velocidades.
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O conceito
Um estudo nada discreto com base no Road Runner foi apresentado pela Plymouth em 1969. Chamado de Beep Beep X-1, o modelo aberto de dois lugares adotava soluções como frente sem para-choque, para-brisa baixo e barra de proteção atrás da cabine. De acordo com a empresa, os defletores aplicados a tal barra e às laterais traseiras tinham como objetivo aumentar a estabilidade em alta velocidade. A distância entre eixos de 2,54 metros era bem menor que a do carro original, mas o motor Hemi V8 de 426 pol³ e 425 cv foi mantido.
Nas telas
A carreira do Road Runner nas estradas não passou despercebida no cinema, como se nota pelas várias aparições de relevo do modelo. Carros de 1969 podem ser vistos no drama F.T.W. (1994), no filme policial Johnny Destino (Destiny Turns on the Radio, 1995), na aventura O Filho do Máscara (Son of the Mask, 2005), no filme de terror Wreckage (2010) e na comédia The Gay Deceivers (1969), que traz um conversível.
Modelos de 1970 estão na comédia Voar é com os Pássaros (Brewster McCloud, 1970) e na ação Moonshine County Express (1977). Do ano seguinte são os automóveis usados no filme policial Os Amigos de Eddie Coyle (The Friends of Eddie Coyle, 1973) e no drama Caminhos Violentos (At Close Range, 1986).
Não há muitos Roads Runners posteriores nas telas, mas são de 1972 o do suspense Um Amor e Uma 45 (Love and a .45, 1994) e o carro de competição de The Last American Hero (1973), enquanto um de 1973 está no policial Guncrazy (1992).