Gostaria de saber mais sobre o Ciclo Atkinson, comum em carros híbridos em função de sua maior eficiência. O Best Cars é excelente, principalmente essa parte de consultoria técnica.
Gabriel da Silva Lecchi – Vitória, ES
Quando se atribui a motores de carros híbridos (ou mesmo não híbridos) o ciclo Atkinson, não deixa de haver uma jogada de marketing associada ao conceito do ciclo Atkinson em si. Explicamos. Pelo processo dos motores a quatro tempos, o volume da câmara de combustão é definido pelo cálculo de cilindrada (área do pistão multiplicada pelo curso do virabrequim) mais volume morto, responsável pela taxa de compressão quando o pistão se encontra em ponto-morto superior (PMS).
O cálculo da taxa de compressão: volume morto (em roxo) mais cilindrada (curso x diâmetro) dividido pelo volume morto
Seja em motor do ciclo Otto ou do Diesel, esse volume total será sempre o mesmo, tanto na fase de admissão quanto na de explosão. No fim, esse conceito acaba “desperdiçando” parte da energia liberada durante a explosão (pressão gerada para o movimento do pistão). Durante a explosão chega-se a uma pressão de 80 bars dentro da câmara, em motores de aspiração natural sob plena carga.
Para fins didáticos, digamos que em carga parcial têm-se 30 bars quando o pistão está em PMS em um motor com taxa de compressão de 10:1: nesse caso teremos em torno de 3 bars quando o pistão chegar ao ponto-morto inferior (PMI), momento em que a válvula de escapamento se abre. Literalmente, seria jogada fora — para o escapamento e, em consequência, a atmosfera — a energia de 3 bars, que poderia ser aproveitada para gerar energia de movimento.
Poderíamos, por exemplo, armazenar esses 3 bars (ou mais, dependendo da carga do motor) em um cilindro do tipo usado para gás natural e aproveitar tal energia em um segundo motor. Esse seria um conceito de reaproveitamento de energia desperdiçada. Outra opção é usar um motor que opere no ciclo Atkinson, que tem como fundamento o volume de admissão muito menor que o volume de expansão.
Não pensando nas dificuldades mecânicas, mas no fundamento, poderia ser construído um motor com volume de 500 cm³ durante a admissão e de 800 cm³ durante a explosão, com a mesma taxa de compressão de 10:1. Nesse caso o pico de pressão seria o mesmo (30 bars), mas ao fim da fase de explosão apenas 1,87 bar de pressão seria desperdiçado para a atmosfera pelo escapamento. Resultados: melhor aproveitamento da energia liberada e maior eficiência da queima do combustível, ou seja, menor consumo.
O problema é que é muito complicado construir um motor para uso em automóvel com tal variação dos volumes de admissão e explosão. Nada impede, porém, que se use esse conceito em um motor convencional do ciclo Otto, produzindo a variação por meio dos tempos de abertura das válvulas. Por exemplo, pode-se retardar o fechamento da válvula de admissão, mantendo-a aberta por mais tempo durante a fase de compressão. Com isso, parte da mistura ar-combustível que entrou na câmara na fase de admissão retorna ao coletor de admissão. Fecha-se então a válvula de admissão no momento em que a câmara de combustão estiver com volume menor que o volume total da câmara, no caso da fase de explosão.
No motor com ciclo Atkinson a válvula de admissão (azul) fecha-se mais tarde no ciclo de admissão, para reduzir o volume da câmara na fase de explosão
Mas nem tudo é vantagem. Com essa estratégia tem-se uma redução efetiva (não real) de cilindrada do motor pelo menor volume de ar na admissão e, em consequência, menor massa de ar-combustível admitida. Isso reflete-se em potência máxima inferior. Além disso, prejudica-se muito o torque em baixas rotações, pois a mistura entra e sai com mais facilidade do cilindro. Em altas rotações, a própria inércia em alta velocidade no coletor de admissão impede que o pistão jogue o ar admitido de volta para o coletor. Esse é o mesmo conceito de comandos de válvulas “bravos” (longa duração), que mantêm aberta a válvula de admissão durante a compressão, para que o ar em alta velocidade vindo do coletor consiga “comprimir” mais ar para dentro do cilindro.
Claro que nesse caso, se a rotação não for muito alta ou o tempo de abertura for muito longo, haverá retorno desse ar ao coletor. Nos motores modernos, porém, como explicado no artigo sobre motores, os sistemas de variação do tempo de válvulas conseguem otimizar o enchimento da câmara conforme a demanda. O ideal seria ter um sistema independente que pudesse operar as válvulas em qualquer momento requerido.
Há diversos estudos com uso de bobinas elétricas ou ar comprimido para o acionamento das válvulas, mas sempre se esbarrou na energia necessária e no tempo de resposta. Por enquanto, ficamos separados entre os dois mundos — melhor desempenho e melhor consumo — com sistemas que tentam uni-los o máximo possível. Como resultado, temos os motores tidos como de ciclo Atkinson, mas que na verdade são do ciclo Otto (ou Diesel) com uma estratégia de gerenciamento do enchimento dos cilindros diferenciada.
Texto: Felipe Hoffmann – Ilustrações: divulgação