Lendo a avaliação do Renault Captur com transmissão automática de variação contínua (CVT), fiquei em dúvida sobre o sistema com duas relações. É um conjunto de engrenagens planetárias? Ou é uma caixa de duas embreagens com CVT? Como ele funciona e em que situações ele é ativado?
F.T.R.
Não é de hoje que se usa o conceito de CVT em veículos: a ideia foi implantada na década de 1950 pela holandesa DAF, ganhou novas aplicações nos anos 80 (Fiat e Ford, entre outras) e tem sido cada vez mais adotada. A razão é simples: como sempre dizemos, motores de combustão interna não “gostam” de variar rotação, tanto do ponto de vista de eficiência como de durabilidade. Contudo, com as transmissões por pares de engrenagens, nos acostumamos a ter o motor sempre variando rotação ao se variar a velocidade.
Na CVT7 da Jatco, engrenagens planetárias criam uma relação 71% mais curta que atua como uma reduzida, apenas na saída e em baixa velocidade
É aí que entra a CVT: uma transmissão que, entre dois extremos, oferece infinitas relações. Temos uma correia apoiada em polias cônicas, que variam a distância para que a correia se apoie em diferentes diâmetros das polias. É semelhante ao raciocínio das marchas da bicicleta: se tivermos a correia apoiada no menor diâmetro da polia motriz (entrada do motor) e ao mesmo tempo apoiada no maior diâmetro da polia motora (saída para as rodas), teremos o que seria a primeira marcha. Já pelo oposto, com a polia no maior diâmetro da motriz e no menor da motora, teremos a última marcha. Sendo assim, há infinitas marchas entre as duas variações.
Com infinitas variações, o motor pode trabalhar na condição ideal. Em sua aplicação mais simples, como em scooters e antigos automóveis, o sistema é controlado mecanicamente por molas e contrapesos, que são responsáveis por variar a posição da polia em função da rotação de saída — as rodas. Isso limita de certa forma as vantagens da CVT, pois em geral se fixa a rotação de maior torque do motor para que ele sempre trabalhe na condição de maior eficiência em plena carga (para carga parcial, ou seja, abertura parcial de acelerador, vale a regra da menor rotação possível).
A CVT também permite obter maior aceleração em arrancadas, como na saída de um semáforo — já notou o quão rápido os scooters aceleram em relação a motos de transmissão manual de mesma cilindrada? A aceleração vigorosa é garantida nessa condição por dois motivos. Primeiro, não se “desperdiça” torque do motor para vencer suas próprias inércias. Sente-se esse efeito ao acelerar a fundo em ponto morto: nota-se que leva um tempo para o motor passar da marcha-lenta à rotação máxima, ou seja, o tempo que o pleno torque do motor leva para acelerar suas inércias. Segundo, por não haver interrupção de torque nas “trocas de marchas”.
Comparação da Jatco entre sua CVT7 e uma CVT comum: aumenta-se a faixa de relações nos dois sentidos, tanto para mais curtas quanto para mais longas
Com a ajuda de eletrônica pode-se usar uma CVT de infinitas maneiras, até mesmo eliminar sua vantagem e criar “marchas virtuais” ou emuladas, para agradar aos ouvidos do motorista. Como exemplo, na busca do melhor desempenho, pode-se partir com a rotação de máximo torque e depois gerenciar as polias de tal forma que mantenham a rotação de potência máxima, algo que uma transmissão com marchas não consegue (acaba-se usando uma potência média). Por outro lado, pode-se impor que a CVT trabalhe em rotações baixas e constantes quando o motorista conduz de forma tranquila, para economizar combustível. Nesse caso o segredo está em deixar o pé parado numa posição do acelerador. Se a posição variar, as estratégias de calibração entendem que o motorista quer maior aceleração e impõem variação nas relações para aumentar a rotação.
Apesar das vantagens, nem tudo é ideal nas CVTs. Seu ponto fraco é a pequena amplitude entre a “marcha” mais curta e a mais longa. Se o fabricante opta por uma “primeira marcha” curta para boa saída em rampas, limita a marcha mais longa, que não conseguirá rotações tão baixas em alta velocidade — e vice-versa. Uma opção, que muitas marcas têm adotado, é usar um conversor de torque para multiplicar o torque do motor durante a saída (em média o torque é duplicado), em vez de usar embreagem para conectar a transmissão ao motor. Contudo, esbarra-se em outra limitação das CVTs: a capacidade de torque que ela aceita pela resistência da correia. Por isso, sua aplicação durante muito tempo foi limitada a veículos pequenos e de baixo torque.
Empresas especializadas na área, como a japonesa Jatco e a alemã Luk, conseguiram eliminar o problema relacionado à resistência a tração das correias. Em alguns modelos elas são feitas de metal (isso mesmo, correia metálica em contato com polias metálicas), o que rende nossos elogios aos engenheiros: lubrificantes eliminam o contato de metal com metal sem os tornarem escorregadios. Com isso, o conversor de torque auxiliou a aceleração da saída não só em rampas, mas também sob acelerações maiores, como descrito na consulta de caixas de dupla embreagem.
Além disso — e agora chegamos às perguntas do leitor —, a Jatco adotou uma sistema que permite duas marchas mais a marcha à ré na saída da transmissão para o diferencial, por meio de engrenagens planetárias tipo Ravigneaux. Elas criam a marcha à ré de relação 1,71:1, uma “marcha” reduzida para velocidades baixas (1,82:1) e uma longa para velocidades altas (1:1). O acionamento dessas marchas é feito por pacotes de embreagens, semelhantes às de transmissões automáticas tradicionais.
Vantagem adicional da caixa auxiliar é permitir uma CVT mais leve e compacta
Com isso, conforme o veículo chega a determinada velocidade e com certa condição de carga, o sistema muda a marcha de reduzida para longa, ao mesmo tempo em que se altera a posição da CVT para que não haja diferença de rotação durante a transição. O arranjo aumentou em muito a faixa de relações, a diferença entre o que seria a primeira marcha e a última (chega a 7,3 na caixa do Captur 1.6), o que permite usar o conversor de torque apenas na saída. Logo após, próximo de 20 km/h, bloqueia-se a embreagem do conversor e eliminam-se suas perdas. Também se garantem baixas rotações em rodovia, o que reduz o consumo.
Nessa CVT, o ponto-morto é selecionado com rapidez por sistemas de embreagens, como na transmissão automática. Com isso, na calibração da transmissão pode-se selecionar ponto-morto com o carro parado mesmo com a alavanca em D, outra medida de economia de combustível, pois o motor não “briga” com os freios. Uma vez que se tira o pé do freio, a embreagem é rapidamente acoplada e o veículo começa a se movimentar.
Essas evoluções apontam para um uso cada vez mais frequente da CVT, sobretudo em carros de menor potência, que não combinam com o peso e as dimensões das caixas automáticas de muitas marchas. Afinal, ela é o tipo mais eficiente de transmissão para motores de combustão interna. O maior problema parece ser a aceitação pelo consumidor ao ruído constante do motor, que é justamente oriundo de sua forma eficiente de operar.
Texto: Felipe Hoffmann – Ilustrações: divulgação